Em Maio de 2010, mostrando que também leio os clássicos, escrevi na antiga Destreza um poste sobre a mudança do mundo, motivado por uma entrevista do então Primeiro-Ministro José Sócrates, em que afirmou ser errado reduzir os salários dos funcionários públicos – a Espanha já tinha anunciado um corte. Para mim era na altura óbvio que também teríamos de passar por isso. Mas, sim, é verdade, até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.
Repita, se faz favor: até há dois anos discutíamos se seria necessário reduzir salários da função pública.
Em 29 de setembro de 2010, José Sócrates lá foi obrigado a anunciar um corte médio de 5% nos salários dos funcionários públicos. Que se mantém em vigor: no meu verbete consta desde janeiro de 2011 - Redução de Vencimento = 343,61 euros. No final do Verão de 2011, para fazer face ao desvio colossal, o novo governo PSD/CDS anunciou a sobretaxa especial sobre o subsídio de Natal. No início do Outono de 2011, recebemos a notícia choque (mesmo para mim!) que aos funcionários públicos, em 2012, seriam cortados até dois salários. Ou seja, no meu caso, receberia menos três salários do que em 2010.
Para quem estuda a economia portuguesa e segue com alguma atenção as decisões de política económica, parece desnecessário recordar estes factos. Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo.
Repita, se faz favor: Ainda estamos no início do processo de ajustamento, acontecendo este num contexto internacional recessivo.
Mas, infelizmente, é necessário recordar estes factos. Foi a leitura do artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje que me recordou que a memória das pessoas é muito curta e que sem memória perdemos a ligação ao real – levando, porventura, ao pensamento balofo de que fala Pacheco Pereira.
O artigo de Pacheco Pereira, reflectindo em certa medida o que se passa na rua, mostra a dificuldade das elites e de grande parte dos fazedores de opinião em aceitar o caminho muito estreito que Portugal tem pela frente e a sua dependência do exterior. Este artigo, como o de 29 de setembro do mesmo cronista, ilustra, como talvez nenhum outro, aquela resistência. Mas ilustra também a incapacidade de propor alternativas. No caso de Pacheco Pereira, com a excepção da proposta de mudança de governo, esta incapacidade de apresentar propostas é tão mais notória quanto ele tem vindo a referir a necessidade de alternativas, que depois não propõe. Talvez no artigo do próximo Sábado...
Artigos como os daquele cronista, que hoje grassam na imprensa nacional, fazem-me lembrar aqueles ditos que há uns anos surgiam nas manifestações anti-globalização: Um mundo melhor é possível…
Refiro o exemplo de Pacheco Pereira, porque esteve desde o início, isto é, desde ‘discurso da tanga’ de Durão Barroso em 2002, ao lado dos que defenderam a necessidade de correção dos desequilíbrios nas finanças públicas – sendo aliás um dos aliados de Manuela Ferreira Leite nesse combate.
É verdade que o mundo mudou muito desde o ‘discurso da tanga’ e do tempo em que Manuela Ferreira Leite foi candidata ao lugar de primeiro-ministro. E mudou desde a crise da dívida soberana de 2010. E mudou desde a assinatura do memorando de entendimento com a troika em 2011. E tem mudado com a subida do preço do petróleo. E está a mudar com uma nova recessão na zona euro. E vai mudar com o pedido de resgate da Espanha. Ou seja, o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior e deve ser essa a trajectória nos tempos mais próximos.
Repita, se faz favor: o mundo tem mudado e vai continuar a mudar nos tempos mais próximos. Infelizmente, só tem mudado para pior.
Eu também esperava muito mais deste governo e acho que tem fazer muito melhor. No entanto, neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.
Repita, se faz favor: neste contexto de elevada incerteza, a estabilidade política e o cumprimento das condições impostas pela troika são a melhor escolha que podemos fazer.