terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Commonplace books

Talvez o meu último post, com a citação de um dos aforismos de Richard Duppa, de um livro de 1830, vos tenha suscitado a pergunta de como o encontrei. A resposta é simples, mas tem uma história interessante: foi através de um "commonplace book", que comprei na minha última visita a Washington, D.C., quase há um ano. É verdade, já ando para vos falar disto há bastante tempo. 


Quando me fui recensear no Consulado de Portugal, passei por uma livraria usada muito rapidamente, enquanto fazia hora para a minha marcação. Apesar de não ter muito tempo para folhear os livros, encontrei algumas coisas interessantes, entre elas dois livros escritos à mão, com etiquetas a identificá-lo como Commonplace Book I e II. São livros de citações, em que o autor apontou excertos de coisas que encontrava nas suas leituras, entre elas algumas máximas de Richard Duppa. 

Ambos foram mantidos por Norman L. Reynolds, um professor de inglês (também ensinou francês) de um liceu americano em Bridgeville, Delaware, nascido a 4 de Maio de 1926 e falecido em 22 de Junho de 2016. Comprei os livros seis meses depois de ele morrer e também comprei um outro livro dele: uma selecção de poemas de Francis Thompson, que ele comprou usado em 1989 -- o livro tem o nome da anterior dona e na primeira página um carimbo branco que indica que fez parte da biblioteca de Norman L. Reynolds, com o ano de 1989 inscrito a caneta, mas é um livro antigo, talvez com perto de 100 anos, pois a nota biográfica refere a morte do poeta em 1907 e alguns dos poemas foram encontrados no seu espólio pessoal após a sua morte; o livro não indica a data de publicação. 

O primeiro commonplace book foi iniciado em 23 de Novembro de 1956, quando Norman L. Reynolds tinha 30 anos e no ano a seguir a se ter casado, e foi terminado em 5 de Junho de 1959. O segundo livro vai de 15 de Junho de 1959 a 3 de Março de 1969; não sei se haveria mais livros para além destes. Nota-se que o primeiro foi intensamente usado, com a capa a mostrar algum dano, talvez pelo seu dono o levar para todo o lado, pois foi preenchido em menos de três anos, enquanto que o segundo levou quase 10. 

Mr. Reynolds, como era conhecido pelos seus alunos, tinha um curso de inglês da Universidade de Delaware, terminado em 1948, e um mestrado em inglês pela Universidade de Duke. O primeiro commonplace book deve ter sido iniciado durante ou após o mestrado, pois em 1960, Mr. Reynolds já ensinava inglês -- na página de tributo, uma das suas alunas indicou que era da classe que acabou o secundário em 1961 e ele foi professor dela. 

As suas aulas de inglês do décimo-segundo ano eram duras: os alunos tinham de completar 12 relatórios sobre livros como "Old Man and the Sea", "The Grapes of Wrath", "Macbeth", etc.; mas quem prosseguiu os estudos na universidade achou-se bem preparado e acabou por apreciar o nível de exigência. Alguns até atribuem a Mr. Reynolds o facto de gostarem de ler livros. Muitos mencionam o prazer de o ouvir recitar Shakespeare nas aulas, que ele fazia com sotaque britânico. Mr. Reynolds também era conhecido pelo seu humor apurado e dedicação aos alunos. 

Deixo-vos, então, algumas fotos destes livros para verem como estão organizados. Depois de preenchidos, com índice geral e índice de autores citados, Mr. Reynolds colou postais, fotografias de esculturas, artistas, obras de arte, etc. nas páginas em branco. 

Ah! Querem saber como é que eu sei isto tudo? Li o obituário e as homenagens dos antigos alunos online e estudei os livros que comprei. É mesmo: eu nasci para investigadora ou abelhuda. Ou talvez não seja eu, talvez seja ele: talvez o Mr. Reynolds tenha amado tanto os livros que os vestígios desse amor possam ser encontrados por estranhos mesmo depois de ele morrer.














4 comentários:

  1. Escreveu "passei por uma livraria usada muito rapidamente", talvez para evitar a palavra alfarrabista, que é uma palavra que eu, não se porquê, gosto. Não gosto é do "sinónimo" brasileiro "sebo", que é como eles designam as lojas que vendem livros usados.
    Isto só para lhe dizer que gostei do seu postal.

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    1. Obrigada! Também gosto da palavra alfarrabista; não a usei porque estou habituada a usar "used bookstore" em inglês e acabei por traduzir inadvertidamente, sem sequer me ocorrer que em português não fica bem.

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  2. Passei por aqui ao pesquisar sobre COMMONPLACE BOOK. Estou criando o meu e escrevendo em meu blog sobre o processo de criar um. Achei incrível o fato de encontrar dois volumes de uma mesma pessoa em um sebo. Obrigada por compartilhar!! Um grande abraço e sucesso!!!

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