sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Teorias da irrelevância

António Costa atirou-se à líder centrista. Acusou-a de ser “irrelevante politicamente”, porque apesar de ter tido um bom resultado nas autárquicas em Lisboa, o CDS “vale apenas 12% na sociedade portuguesa” e é “à boleia do PPD-PSD” — “é essa a dimensão da sua relevância”

Fonte: Observador

Tenho alguma dificuldade em entender a lógica do Primeiro Ministro. Um partido que, pelos cálculos dele, representa 12% da sociedade não é irrelevante; se o é, então que se poderá dizer do PCP e do Bloco de Esquerda aos quais António Costa pediu boleia para governar. Deduzimos, então, que aproximadamente um terço dos eleitores, os que votam em partidos mais pequenos do que o PSD ou o PS, deve ser ignorado. Então como é que o Primeiro Ministro governa: governa para o país ou governa para os eleitores socialistas, que são uma minoria?

Quanto ao mérito da discussão, depois do que sabemos acerca da forma como o PS gere o orçamento, através de cativações, não é suficiente o Primeiro Ministro destacar os números do orçamento, porque é irrelevante dizer o que se tinha comprometido a gastar. Tem de apresentar os gastos concretos. Se se recusa a fazê-lo, é porque o real é irrelevante para o PS. A única coisa relevante são as intenções. Como dizem os anglosaxónicos, o caminho para o Inferno é pavimentado com boas intenções.








6 comentários:

  1. Fiquei intrigado com os 12% - não era o que tinha lido. E não era de todo um número realista. Fui confirmar. Eis o que foi publicado... no "Público": «Mas a resposta mais exaltada do primeiro-ministro visou Assunção Cristas. A líder do CDS defendera que o ministro da Segurança Social estava fragilizado e acusou Costa de estar mais preocupado com os interesses “da grande família socialista”. Foi quanto bastou para Costa lhe chamar “um verdadeiro fracasso”: “Quanto mais irrelevante politicamente é, mais sobe no tom que usa no debate político. Vale 2,59% na sociedade portuguesa. É essa a dimensão da sua relevância”. Antes, já tinha dito que a líder do CDS tem uma “coerência de salta-pocinhas”, por apenas perguntar pelos temas do dia.» (Público, edição de 21 de Dezembro de 2017, p. 8).

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    1. Eu também achei o número estranho, por isso meti a citação. Mas 2,59% também não é realista. Eles têm 18 deputados na Assembleia da República, logo 7,8%. Francamente, não percebo a conversa do Primeiro Ministro. Não tem nada que por em causa a legitimidade do partido. Se está na AR, tem legitimidade e pode fazer perguntas. Ele como PM tem de as responder porque o parlamento é um órgão de fiscalização do governo. O António Costa não tem poder absoluto, nem sequer foi eleito para o cargo.

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  2. Cândido, poderá esclarecer-me sobre o seguinte? [Aproveito para dar as boas festas ao citado, e a todos]

    [pergunto aqui para não ter de ir à procura de um postal escrito por si, bem entendendo que, se quiser responder, poderá preferir não o fazer junto a um postal que versa um assunto diferente]

    «(...)
    O cancro do nosso ensino principiou aquando da entrada em vigor do chamado Ciclo Preparatório. Trasladado de França, já cadáver putrefacto, nos finais de sessenta, quando nesse país haviam há muito sido abandonados os métodos nele prescritos para a Língua Materna, a Matemática e a História - fez carreira em Portugal como se fosse o último grito da pedagogia! E foi o que se viu. Afora as sequelas que marcaram várias gerações de estudantes.
    (...)
    Cristóvão de Aguiar, Ilha do Pico, 28 de Agosto de 2007, no final do preâmbulo ao seu livro
    "Charlas Sobre a Língua Portuguesa/Alguns dos deslizes mais comuns de linguagem" (*)

    É que, estando eu algo informado sobre o que aconteceu no ensino da matemática, nada sabia sobre tal efeito no ensino da língua portuguesa. Foi mesmo assim e, fazendo uma pequena aproximação, entre que datas?

    PS: Descobri este livro há poucos dias, e que agora comecei a ler, quando estava a tentar esgotar o saldo de 5 euros que tinha num cartão para compras na internet. E, pesquisando valores baixos, deu para 2 livros - o outro foi "Marilha: sequência narrativa", do mesmo autor, em tempos tradutor da maior ficção económica de todos os tempos, a Riqueza das Nações, de Adam Smith.

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  3. Limitei-me a informar a discrepância de números, numa época de "fake news"... Guardo-me de emitir análise política, o que mão quer dizer que não interprete o que vai acontecendo e tenha sobre isso uma opinião. E já agora: feliz Natal e um excelente 2018!

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  4. Quem não percebe é quem acredita nas histórias da carochinha das maiorias absolutas com 23 ou 24% dos votos expressos do corpo eleitoral.
    O que cada partido vale em relação à totalidade dos eleitores, ao país político que se pode expressar nas urnas, é a relação dos seus votos pelo número de eleitores.
    O CDS, em 2015, participou coligado com o PSD e recolheram 1.993.921, o que dá apenas 20,59% do corpo eleitoral, isto é, do país com direito a voto (9.682.553 eleitores).
    Não sei a que eleições o Costa foi buscar o número, mas se calhar não falhou muito.
    O PS teve 1.747.685 votos expressos, correspondentes a 18,04% do corpo eleitoral.
    O PCP teve 445.980 votos expressos, o que equivale apenas a 4,6% do corpo eleitoral.
    Nota: eu considero que o PEV é apenas um nome que serve de subterfúgio para o PCP se abrigar da palavra obscena comunismo. Se o PEV fosse a votos recolhia 0,01% ou pouco mais.

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  5. Respondendo ao Isidro

    Talvez fosse preferível converter a resposta à questão que me põe numa entrada independente, mas muito brevemente vou dizer o que penso. Não conheço o livro do Cristóvão (colaborador deste blog!). Sei, no entanto, do seu amor pela língua portuguesa e do provável desalento com que a vê maltratada. Daí o pensar que isso resulta de um ensino deficiente.
    Vamos a factos. A introdução do ensino preparatório data de 1968, mas começou a ser preparada antes, no final da década de 50, e teve antecedentes que funcionaram como balões de ensaio: a Tele-Escola (começou as suas emissões em 1964 e evoluiu para o C.P.-TV, Ciclo Preparatório TV), destinada a assegurar a continuidade de estudos pós instrução primária a crianças de regiões onde o ensino directo era impossível, e as 5º e 6º classes, que constituíam o “ciclo complementar”. A ideia era fundir os primeiros ciclos dos ensinos liceal e técnico profissional, de dois anos, e, contrariamente à opinião do Cristóvão de Aguiar, esta decisão tomada ainda nos tempos da ditadura de Salazar representou um passo importante no sentido de aliviar o nosso sistema de ensino tornando-o menos elitista, atrasando a escolha da via educativa que o aluno seguiria e valorizando (pelo menos teoricamente) em pé de igualdade o saber e o saber fazer, ao mesmo tempo que preconizava como função da escola a da orientação. Repare-se que estamos a escassos cinco anos da reforma Veiga Simão e da unificação do ensino secundário (levada a efeito já depois do 25 de Abril).
    A minha formação não me permite tecer considerações sobre o ensino do Português e da Literatura portuguesa, e tudo o que posso dizer é que os professores envolvidos (sobretudo os da comissão que estudou o lançamento do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário) eram muito competentes e fundamentaram bem as suas propostas. Elas iam ao encontro de tendências claras de tornar a escola mais “comprehensive”, para usar o termo inglês da época, ou seja, tornar a escola aberta a todas as crianças, fosse qual fosse a sua origem social e capacidade intelectual. Esta visão, ainda que muito moderada, foi essencial para que o nosso sistema educativo evoluísse num sentido de modernidade.
    A maioria das análises que conheço, tal como a minha, dão à criação do ensino preparatório o crédito de uma inovação que mexeu com as escolas e contribuiu para alterações pedagógicas relevantes. É com dificuldade que entendo a posição do Cristóvão. É dos livros que a quantidade mata a qualidade, mas a sociedade tem de estar preparada para isso. E não era continuando a ter uma escola como aquela que nós (eu e ele) frequentámos que teríamos hoje alunos mais bem preparados.
    Mas isto é o que me ocorre de momento, e não li o texto que suscitou a pergunta. Talvez um dia, com mais vagar, volte ao tema, desta vez num post.

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