No ocidente, durante quase todo o século XX, os partidos situaram-se num espectro da esquerda à direita – comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristão, liberais, conservadores. O desejado grau de intervenção do Estado e o empenho na igualdade ou na liberdade individual serviam para situar os partidos (e as pessoas) mais à esquerda ou mais à direita. Como é sabido, esta classificação ou arrumação tem óbvias limitações e falhas – desde logo, há uma discussão interminável sobre os conceitos de igualdade e liberdade e sobre a compatibilidade entre os dois. E, no entanto, é uma classificação útil. As pessoas precisam de opostos para pensarem e para se posicionarem.
A credibilidade do socialismo marxista caiu nas ruas da amargura quando deixou de ser possível ignorar ou disfarçar o que se passava em regimes grotescos como a União Soviética. Há muito que a própria social-democracia começou a ser questionada. A crise de 1973 mostrou que, afinal, o crescimento económico não era eterno e sem crescimento o Estado-Providência, como antes se dizia, fica sob ameaça. Além disso, tornaram-se evidentes alguns dos efeitos perversos de prestações sociais generosas, como os desincentivos à procura de emprego e ao empreendedorismo. A esquerda começou então a voltar-se para as reivindicações identitárias. Como acontece há décadas, a tendência nasceu nos EUA e, lentamente, foi alastrando pelo resto do ocidente.
A identidade é um conceito moderno. “Quem sou eu, afinal?” não era uma questão que atormentasse os indivíduos em sociedades rurais, em que todos viviam em pequenas comunidades com valores bem estabelecidos. A questão da identidade emergiu em sociedades urbanas, desenraizadas, com indivíduos isolados e solitários. No século XVIII, há já uma extensa literatura sobre a relação do indivíduo com uma sociedade opressora – Jean-Jacques Rousseau é talvez o exemplo mais conhecido. Em suma, a questão da identidade tornou-se incontornável.