terça-feira, 30 de julho de 2019

Identidade: uma palavra incontornável e perigosa

No ocidente, durante quase todo o século XX, os partidos situaram-se num espectro da esquerda à direita – comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristão, liberais, conservadores. O desejado grau de intervenção do Estado e o empenho na igualdade ou na liberdade individual serviam para situar os partidos (e as pessoas) mais à esquerda ou mais à direita. Como é sabido, esta classificação ou arrumação tem óbvias limitações e falhas – desde logo, há uma discussão interminável sobre os conceitos de igualdade e liberdade e sobre a compatibilidade entre os dois. E, no entanto, é uma classificação útil. As pessoas precisam de opostos para pensarem e para se posicionarem.
A credibilidade do socialismo marxista caiu nas ruas da amargura quando deixou de ser possível ignorar ou disfarçar o que se passava em regimes grotescos como a União Soviética. Há muito que a própria social-democracia começou a ser questionada. A crise de 1973 mostrou que, afinal, o crescimento económico não era eterno e sem crescimento o Estado-Providência, como antes se dizia, fica sob ameaça. Além disso, tornaram-se evidentes alguns dos efeitos perversos de prestações sociais generosas, como os desincentivos à procura de emprego e ao empreendedorismo. A esquerda começou então a voltar-se para as reivindicações identitárias. Como acontece há décadas, a tendência nasceu nos EUA e, lentamente, foi alastrando pelo resto do ocidente. 

A identidade é um conceito moderno. “Quem sou eu, afinal?” não era uma questão que atormentasse os indivíduos em sociedades rurais, em que todos viviam em pequenas comunidades com valores bem estabelecidos. A questão da identidade emergiu em sociedades urbanas, desenraizadas, com indivíduos isolados e solitários. No século XVIII, há já uma extensa literatura sobre a relação do indivíduo com uma sociedade opressora – Jean-Jacques Rousseau é talvez o exemplo mais conhecido. Em suma, a questão da identidade tornou-se incontornável.

O problema é que a palavra identidade encerra perigos. Sobretudo quando deixa de ser uma questão individual e se transforma em propriedade de grupos, vistos como possuidores das suas próprias culturas moldadas pelas “experiências vividas”, experiências essas que os que estão fora do grupo não podem ter acesso, nem compreender. É preciso ser negro ou mulher para aceder à “experiência total”, dizem. A esquerda ao usar a identidade como arma de arremesso político está a brincar com o fogo; nalguns casos, fá-lo conscientemente – o objectivo de alguns é mesmo pegar fogo ao capitalismo e à democracia liberal. As mulheres e as minorias étnicas poderiam exercer o papel outrora exercido pelo proletariado, a contra-sociedade. Seriam a nova alavanca revolucionária.
Martin Luther King lutava por uma sociedade que tratasse os negros exactamente da mesma forma que tratava os brancos, em que a cor da pele não contasse. Não foi essa a corrente que prevaleceu. No final dos anos 60, nasceram grupos como os Black Panthers ou o Nation of Islam que alegavam que os negros tinham as suas próprias tradições. Os negros deviam ter orgulho em si mesmos e não por aquilo que o resto da sociedade queria que eles fossem. Black is beautiful. Foi este o slogan de uma comunidade que transformou o ressentimento em orgulho triunfante. Esta evolução ocorreu dentro de muitos outros movimentos, nomeadamente, no movimento feminista - neste caso, a uma velocidade ainda maior. Muitos destes movimentos atiçam o ódio e o ressentimento ao “homem branco”, o grande vilão da história da humanidade, de acordo com essas narrativas.
Dito isto, quais são então os problemas levantados por estas reivindicações identitárias? Primeiro, estão a fazer emergir das catacumbas outro tipo de “orgulhos identitários”. Perante a exibição dos vários orgulhos étnicos, o “nacionalismo branco” começou a perder a vergonha e a achar que chegara o momento de se mostrar também ao mundo. De repente, aqui e acolá, por esse ocidente fora, vemos vislumbres dos etnonacionalismos que levaram a duas guerras mundiais. Segundo, uma sociedade dividida em etnias ou grupos identitários, cada vez mais pequenos, está condenada. É assim na Síria, no médio oriente e em grande parte de África. Por algum motivo, milhões de pessoas fogem de lá para o ocidente. Nenhuma sociedade sobrevive sem um chão comum, sem um horizonte comum. 
Dando de barato que as políticas identitárias são hoje incontornáveis – e são múltiplas, raça, género, local de trabalho, educação, afinidades, nação -, o ocidente tem de criar, de facto, identidades que agreguem, identidades mais amplas e mais integrativas. No seu “Identidades”, Francis Fukuyama diz que é necessário promover identidades nacionais «doutrinais», construídas em torno das ideias fundacionais da democracia liberal moderna. A identidade nacional não deve ser baseada na raça, etnicidade, religião ou biologia (como os nazis). Tem de se basear num conjunto de convicções, num modo de vida, como fazem os americanos desde a guerra civil.
Mas a construção de uma identidade nacional doutrinal não chega. A França é um bom exemplo disso. É necessário usar políticas públicas para integrar os recém-chegados a essas identidades. Na França, talvez seja necessário liberalizar o mercado de trabalho, como deseja Macron, para oferecer mais oportunidades aos jovens muçulmanos.
Infelizmente, a esquerda deixou de pensar em políticas sociais ambiciosas que pudessem ajudar os pobres, pobres que incluem milhões de “homens brancos”, a antiga “classe trabalhadora”, gente considerada agora “deplorável” e que, muitas vezes em desespero, vota em Trump e quejandos. O Affordable Care Act de Obama – susceptível de muitas críticas, é certo - foi uma excepção neste cenário. Em vez de seguir este caminho, a esquerda prefere, cada vez mais, concentrar-se apenas nos discursos sobre a dignidade e o respeito e embarcar em guerras de linguagem, que excitam muito uma pequena elite dos "media" e das universidades, mas que não comovem o cidadão comum. Esta opção é mais fácil e dá, com certeza, menos trabalho. Mas não nos leva a lado nenhum.
O ocidente construiu uma civilização notável e tem motivos para se orgulhar disso. As discriminações de raça, género, etnia existem desde sempre? Com certeza. Mas a história também pode ser contada de outra maneira. Há um progresso evidente na superação de barreiras, injustiças, discriminações. A diversidade é importante e enriquecedora, mas não chega para construir uma identidade nacional. O primado da lei, a igualdade de direitos, o constitucionalismo são o chão comum. Os Estados ocidentais têm direito e justificação para excluir todos aqueles que os rejeitam.
PS: este texto seguiu de perto o livro “Identidades” de Francis Fukuyama.

12 comentários:

  1. Então o racismo e a ascensão da direita reaccionária é culpa daquela esquerda que reparou que as mulheres e algumas minorias étnicas não tinham os mesmos direitos que os outros cidadãos e está a tentar corrigir isso.
    Ah! E para dar oportunidades aos muçulmanos em França é preciso “flexibilizar” o trabalho!

    Este post que você fez é repugnante: ao não querer corrigir discriminações e desigualdades está tacitamente a permitir que elas se perpetuem. E com a historieta de "liberalizar" o mercado de trabalho - leia-se baixar as remunerações e precarizar o emprego dos outros trabalhadores - para "ajudar" uma determinada minoria está basicamente a atirar uns trabalhadores contra os outros e a acicatar as tensões raciais. Quer assim tanto que a Le Pen ganhe as próximas eleições?

    A sociedade perde coesão e fica com os seus valores hipotecados mas alguns ficam com os bolsos um pouco mais cheios e podem lixar as mulheres e algumas minorias à vontadinha!

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    1. Há uma coisa que aprendi ao ler Freud: a civilização é uma película muito fina que pode estalar a qualquer momento. De repente, quando menos se espera, os demónios do subterrâneo despertam, emergem e mostram a sua cara feia. O livro de memória de “O mundo de ontem” de Stefan Zweig é muito instrutivo. Ninguém imaginava no início do século XX que os demónios do etnonacionalismo, do ódio racial, etc. se soltariam na cosmopolita e liberal Viena. Eu não digo que os “orgulhos identitários” agressivos de algumas minorias criam esses demónios, digo apenas que os podem despertar. A mim, isso parece-me óbvio, é isso que a história mostra. Há acções que levam a reacções. Daí a minha expressão “brincar com o fogo”. Sobre a questão da liberalização do mercado de trabalho em França. A opinião não é minha. Vários autores têm chamado a atenção para a importância desse factor quando comparam a integração bem-sucedida dos muçulmanos nos EUA com os problemas que existem em França, e que estão à vista de todos. A segunda geração tem dificuldade em arranjar emprego. Isto é um facto.

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    2. OK. Então as iniquidades do sistema actual são para continuar porque senão a extrema-direita pode levar a mal...

      Os Estados Unidos integram melhor os imigrantes porque faz parte da sua identidade nacional. Afinal eles são um país de imigrantes. Querer flexibilizar o mercado de trabalho para "ajudar" a integração dos muçulmanos é uma estupidez ideológica que não vai funcionar. Só vai beneficiar os empresários e irritar os trabalhadores o que dá à Le Pen o que ela quer, os votos da classe trabalhadora. Ou será que defende que aqui a acção já não vai dar uma reacção?

      Claro que podia ter referido outras medidas de integração como combate ao extremismo religioso nas mesquitas, aulas de francês obrigatórias para imigrantes ou uma politica de habitação que evite a formação de guetos ou bairros de lata mas preferiu referir uma medida cuja eficácia na integração de minorias é duvidosa na melhor das hipóteses. O que já não é duvidoso é que os empresários adoram as flexibilizações do mercado de trabalho porque reforçam o poder deles sobre os seus funcionários. Outro efeito deste tipo de medidas é o disparar das desigualdades.

      As suas prioridades politicas estão bem definidas neste texto que decidiu publicar...

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    3. “OK. Então as iniquidades do sistema actual são para continuar porque senão a extrema-direita pode levar a mal...” Não vejo como é que pode deduzir uma conclusão destas a partir das minhas palavras. Ou não leu bem o meu texto ou sou eu que não me explico bem. Vou reformular. Há várias maneiras de combater as iniquidades e as desigualdades. As afirmações agressivas de “orgulhos identitários” de algumas minorias é apenas uma possível. Acontece que não acho que esse seja o melhor caminho – por exemplo, identifico-me mais com a via Martin Luther King. Mais: penso que foi aqui que a Rita viu ou pressentiu da sua parte alguns laivos de intolerância. Ou seja, parece que há apenas uma forma de combater as iniquidades e as desigualdades e quem não se revê nessa forma ou tem dúvidas sobre a sua eficácia apresenta argumentos “repugnantes”. Há problemas que não tê solução e há outros, felizmente, que têm várias soluções, ainda que umas possam ser melhores do que outras.
      Sobre as medidas que sugere para o problema dos muçulmanos em França. Nada contra e longe de mim pensar que a flexibilização é a única solução – se vir bem, até utilizo a palavra “talvez”. Infelizmente, algumas das medias que sugere já foram usadas sem grande efeito.

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    4. Tem razão. Tenho pouca paciência para aqueles que se atiram contra as quotas e outras medidas de combate à discriminação sem avançar medidas alternativas. Quem faz isto geralmente defende a manutenção do status quo e a perpetuação dos abusos. E a via do Martin Luther King parece-me eficaz apenas quando a discriminação está plasmada na lei (não pode votar, tem de ir a casas-de-banho diferentes, não pode ir à universidade, etc...).

      Uma história do Miguel Madeira que eu me vou apropriar para servir de exemplo. Quando ele estava à procura de emprego, mostrou o currículo a um amigo empresário. O Miguel Madeira é natural de Moçambique e é caucasiano. A sugestão que lhe foi dada foi incluir uma fotografia... Como é que se corrige isto pela maneira do Martin Luther King?

      E não tenho problemas em admitir que a sua sugestão de flexibilização do mercado de trabalho incomodou-me bastante. Utilizar a discriminação de algumas das pessoas mais vulneráveis de uma sociedade como argumento para beneficiar os empresários à custa dos seus funcionários é chocante! Daí eu ter utilizado o termo repugnante! Seria como propor baixar o IRC para combater a pobreza ou abolir o imposto sucessório para aumentar o emprego. É transparente que a intenção de quem propõe estas coisas é beneficiar uma determinada "constituency" sem querer corrigir o problema inicial.

      E acho que a Rita atirou-se contra mim naqueles termos porque ela não se tinha apercebido da semelhança dos argumentos que empregou com aqueles que são utilizados pela extrema-direita. E creio também porque ela pensou que eu era um fanático qualquer que tinha vindo para aqui debitar a cartilha que ouviu na sede do partido.

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  2. “No ocidente, durante quase todo o século XX, os partidos situaram-se num espectro da esquerda à direita – comunistas, socialistas, social-democratas, democratas-cristão, liberais, conservadores. O desejado grau de intervenção do Estado e o empenho na igualdade ou na liberdade individual serviam para situar os partidos (e as pessoas) mais à esquerda ou mais à direita.”

    O próprio facto de os conservadores estarem à direita dos liberais [e mesmo os democratas-cristãos por vezes são considerados como como à direita dos liberais – no PE o grupo Liberal e o grupo do PPE foram trocando de lugares ao longo dos anos], apesar dos primeiros serem mais estatistas e (sobretudo) menos individualistas de que os segundos parece demonstrar que não era o “desejado grau de intervenção do Estado e o empenho na igualdade ou na liberdade individual” que distinguia a direita da esquerda, mas sim outra coisa qualquer (se quisermos um critério em que consigamos pôr anarquistas, comunistas e socialistas de um lado e democratas-cristãos, conservadores e fascistas do outro, com liberais no meio, para mim o mais certeiro será mesmo “a culpa é da sociedade” versus “a vida nesta existência terrena é dura”; Rousseau contra Hobbes; já essa tal conversa de “igualdade versus liberdade” , e sobretudo a parte da “liberdade” não faz grande sentido porque só é válida no sub-intervalo que vai de comunistas a liberais, mas não nem à esquerda desse intervalo – os anarquistas são mais libertários que os comunistas – nem à direita – democratas-cristãos, conservadores e fascistas são menos libertários que os liberais; e note-se que o tal sub-intervalo [comunistas, liberais] deixa a direita quase toda de fora).

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    1. Miguel, estamos basicamente de acordo. No post, faço questão de sublinhar que se trata de uma classificação com imensas falhas e intermináveis discussões. Mesmo assim, acho que essa divisão esquerda-direita tem, ou teve, utilidade, é só esse o meu ponto.

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  3. “A credibilidade do socialismo marxista caiu nas ruas da amargura quando deixou de ser possível ignorar ou disfarçar o que se passava em regimes grotescos como a União Soviética. Há muito que a própria social-democracia começou a ser questionada. (…) A esquerda começou então a voltar-se para as reivindicações identitárias.”

    Se alguma coisa, acho que foi ao contrário – quanto questões como os direitos das mulheres, dos jovens ou das minorias étnicas ou sexuais começaram a entrar na moda foi naquele período que vai basicamente do assassinato de Kennedy à queda de Saígão (e que é muitas vezes chamado de “anos 60”, embora seja mais 63-75) , um período em que o “estado social” parecia estar de pedra e cal e mesmo o comunismo soviético, apesar de Praga, estava a ganhar terreno pelo mundo inteiro, com os “dominós” a caírem sucessivamente, e mesmo os esquerdistas dissidentes andavam embeiçados por Cuba, China ou Vietname em vez de rejeitarem mesmo o “socialismo realmente existente”; suspeito que até foi a força (e não a crise) do estado social nessa altura que levou a esquerda mais radical a se virar para as “politicas identitárias”/”causas fraturantes”: como a classe operária* estava aparentemente contente, e de qualquer maneira até De Gaulle e Nixon eram uma espécie de “social-democratas”, tiveram que ir à procura de outros nichos de mercado.

    “Martin Luther King lutava por uma sociedade que tratasse os negros exactamente da mesma forma que tratava os brancos, em que a cor da pele não contasse. Não foi essa a corrente que prevaleceu.”

    Não sei se nessa suposta diferença entre correntes não haverá uma certa confusão entre juízos de valor e juízos de facto. Basicamente, há quatro atitudes possíveis:
    a) As pessoas X [mulheres, negros, LGBT, neurodiversos, etc) não são tratadas como as outras e deviam ser
    b) As pessoas X não são tratadas como as outras nem devem ser
    c) As pessoas X são tratadas como as outras e devem ser
    d) As pessoas X são tratadas como as outras e não deviam ser

    (a + b) e (c + d) concordam nos juízos de facto e (a + c) e (b + d) concordam nos juízos de valor.

    Um problema aqui é que os “c” tendem a achar que os “a” são “d” disfarçados (“Só eles é que ligam alguma coisa a raças; dizem que são anti-racistas mas eles é que estão a querer dividir as pessoas em raças”) e os “a” acharão que os “c” são “b” disfarçados (“Vêm com essa conversa que são colorblind para terem uma desculpa para fingir que não vêm o racismo que domina a nossa sociedade”). Ora, muita dessa conversa de que o MLK queria uma coisa e os atuais anti-racistas, feministas, etc. querem outra não será uma ilusão? Isto é, se forem todos “a” mas um observador externo achar que havia muito racismo há umas décadas mas não tanto hoje em dia (ou seja, esse observador se se considerar “a” em respeito a 1965 mas “c” no mundo atual), ele achará que os anti-racistas de 1965 eram “a” a sério e os atuais são “d”, vendo uma diferença ideológica onde ela não existe realmente.

    E parece-me que grande parte dos movimentos anti-racistas, feministas, atuais, mesmo os mais radicais, não apresentam as diferenças entre raças, sexos, etc. como algo normativamente desejável (veja-se a popularidade recente nesses meios da expressão “pessoas racializadas”, que me parece ter implícito reforçar a ideia que a raça é algo que é imposto pela sociedade e não algo de natural), mas sim como algo que existe, e que para ser combatido implica mobilizar o lado oprimido contra o opressor (tal e qual como no marxismo tradicional se defende a “consciência de classe”, apela-se à mobilização dos trabalhadores e se criam organizações com “Operário/Proletário/dos Trabalhadores” no nome, não porque se queira perpetuar a divisão da sociedade em classes, mas como um meio para acabar com ela*).

    * Um dia alguém há de me explicar porque é que o “obreirismo” da esquerda tradicional também não conta como “política de identidade”

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    1. O conceito de raça não tem nenhuma validade científica, e existe um consenso a esse respeito na comunidade científica há mais de 60 anos. A raça devia simplesmente ser abandonada de vez dos discursos. Invocar a raça, seja em que contexto for, parece-me contraproducente, mesmo que seja em nome do combate ao racismo. Porque ao fazê-lo os activistas (que até podem ter as melhores intenções) estão implícita ou explicitamente a admitir e a institucionalizar a existência de raças. Sobre as minorias ou grupos étnicos. Até que ponto a luta pela igualdade deve passar pela afirmação orgulhosa da diferença? Bem, até certo ponto admito que esses “orgulhos identitários” são compreensíveis e inevitáveis, dada a longa história de discriminação. Mas, nalguns casos, a partir de certo ponto, parecem-me contraproducentes. Por exemplo, os homossexuais. O ideal seria que a homossexualidade fosse apenas uma orientação sexual. Se eu disser que sou heterossexual, isso não diz nada a meu respeito; devia acontecer o mesmo no caso de um homossexual, e aí, sim, haveria igualdade. Além disso, como digo no post, quando se entra no caminho dos “orgulhos identitários”, cada vez mais agressivos, corremos o risco de criar uma sociedade de guetos, isolados, agressivos, que se digladiam. É um perigo que se corre e convém não o ignorar.

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  4. “A identidade é um conceito moderno.”

    As dúvidas sobre a identidade serão um conceito moderno; mas “identidade” no sentido de pertença a grupos específicos (que é o sentido usado em “políticas de identidade”) até me parece do mais pré-moderno que há, em que as pessoas viam-se largamente em função de coisas como a aldeia, a família alargada, o clã, a tribo, a profissão, etc; em larga medida, as revoluções industrial e francesa o que fizeram foi quebrar essas micro-comunidades para deixar só o individuo (ou quando muito a família nuclear) e a humanidade (ou quando muito o Estado-Nação).

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  5. Obrigado pelos vossos comentários interessantes, mas estou neste momento sem computador e com o telemóvel não me ajeito bem a escrever respostas maiores. Quando tiver oportunidade, volto aqui

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