sábado, 17 de dezembro de 2022

Habituem-se não, que já estão habituados

Mesmo com a inflação a ajudar nas receitas de impostos, Portugal irá ter um défice orçamental de 1,5%, mais baixo do que os 1,7% previstos. O Primeiro Ministro considera isto uma vitória, mas é mais uma derrota. Numa ano de receitas fiscais extraordinárias, devia haver um excedente, mas ainda há um défice.

Os portugueses continuam a perder poder de compra. As taxas de juro irão continuar a aumentar e a dívida privada portuguesa é 254% do PIB. Há países na Europa com piores rácios, mas nenhum deles tem salários precários à moda de Portugal. E convenhamos que, mesmo com dívida, Portugal teve um desempenho medíocre, logo com dívida mais cara, é natural que piore. 

Mas não é problemático dado que Portugal é um país exímio em viver na pobreza; nem a oposição, nem o povo precisam de se habituar -- habitados já eles estão. 

 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Sem couves, mas com muito queijo

No fim-de-semana passado deu-me a preguiça e não fui às compras. Em vez disso, fiz uma encomenda no Fresh Market via a app do Instacart para entrega ao domicílio. A senhora que atendeu e me fez as compras tinha algumas perguntas acerca do que eram certos itens, mas, de acordo com a app, era uma pessoa muito experiente (estatuto diamante, com mais de 400 compras feitas). 

Já usei este serviço várias vezes e muita da mercearia que consumi durante a pandemia era comprada por esta app. Nunca calhou haver um engano nas coisas que recebi, até esta última vez. Tinha encomendado couve preta, não sei se se chama assim em português, mas é uma couve italiana, cavolo nero. Só que não havia e a senhora sugeriu uma couve frisada , sugestão que aceitei.

Quando as compras vieram, não havia couves, mas o recibo dizia que eu tinha comprado couves. E não era apenas esse o engano. Tinha pedido um naco de queijo parmesão e, efectivamente, lá estava, mas também veio queijo parmesão ralado, mais uma embalagem de queijo creme. Não paguei nem o queijo ralado, nem o queijo creme porque não os pedi. 

Não acusei o engano. Se o universo me dá queijo, em vez de couves, eu aceito. Honestamente, encomendei as couves, mas não fazia ideia de como as iria preparar. Quanto ao queijo, há anos que já não comprava queijo creme, dado que deixei de comer gluten e como não compro pão mesmo sem gluten frequentemente, não tenho grande uso para queijo creme. Depois, também andei a evitar o queijo porque tenho uma intoleância ao leite de ovelha, só que antes que eu descobrisse que era só leite de ovelha que me causava problemas, cortei todos os lacticínios.

Calhou no mês passado fazer umas encomendas pelo Harry and David, que é um serviço de comida gourmet entregue pelo correio, para enviar a um familiar meu que está temporariamente nos EUA.  Fui ao site ver se havia alguma coisa interessante para comprar cá para casa para o Natal e não é que o Harry and David vende bagels sem gluten? Já não comia um bagel há uns quatro anos ou mais.

Encomendei o cabaz de bagels: quatro simples, quatro de canela e passas, e quatro de sementes, que custou $55. Também comprei o cabaz de queijo e fruta (duas maçãs, duas pêras, um queijo Cheddar, e um pedaço de queijo Gouda), pela módica quantia de $65. Depois dos impostos e dos portes de envio paguei $170 menos uns cêntimos por tudo, o que é um bocado caro, mas como é época de Natal, há uma sobretaxa. 

Os meu bagels chegaram ontem à noite e hoje de manhã já pude apreciar um com queijo creme ao pequeno-almoço. É pena que a senhora, ou o universo, não se tivesse enganado ainda mais -- podia ter-me mandado salmão fumado, em vez do parmesão ralado. Ia ficar tão bem por cima do queijo creme no bagel de sementes. Fica para a próxima.

 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Ajustes

A Reserva Federal americana aumentou as taxas de juro mais 0,5%, uma desaceleração comparado com os últimos incrementos. Os dados da inflação publicados esta semana indicaram crescimento de preços homólogo de 7,1%, evidência que também está a enfraquecer. E até os consumidores baixaram as sua expectativas de inflação a um ano para 5,2%. Os detalhes estão todos no calendário económico da Bloomberg que dá imenso jeito para acompanhar as maiores economias mundiais. Não acho estes números muito surpreendentes, dado que coincidem com o período no ano passado em que a inflação começou a acelerar mais rapidamente, logo o denominador está a aumentar mais depressa do que o numercador.  

Em Janeiro, irão haver bastantes ajustes na economia americana. Um deles é que os escalões de impostos vão ser actualizados e sobem em média 7% (o escalão sobe, não a taxa de imposto, logo as pessoas vão pagar menos impostos sobre os rendimentos). A pensões da Segurança Social também vão aumentar 8,7%. Mas há vários programas de apoio social que irão terminar ou encolher porque tinham sido expandidos durante a pandemia, logo as devoluções de impostos irão ser mais pequenas em 2023. Veremos se os americanos também se ajustam sem que a economia entre em recessão. 


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Despertar ou não, eis a questão

Esta noite irão haver fortes temporais na parte leste dos EUA. Na minha zona, o pior irá chegar por volta da meia-noite, com muita chuva e trovoada, logo estamos sob um aviso de inundações. Os meteorologistas aconselharam-nos a colocar vários despertadores para acordarmos pela hora em que é esperado haver mais perigo. Como não vivo em zona de inundações, o único perigo que corro é no caso de haver um aviso de tornado em que seja necessário ir para uma área mais segura da casa.

O estranho deste tempo é que o normal é aparecer mais cedo no Outono, quando estamos a sair do calor do verão e a entrar na época mais fria. Mas talvez o frio esteja atrasado, pois a temperatura irá descer bastante de um dia para o outro: Estão neste momento 16° C, mas é esperado que amanhã desçamos para -2° C. E por falar em coisas estranhas, no Arizona nevou e trovejou ao mesmo tempo, o que é bastante raro acontecer.

Em Portugal, o tempo também não parece estar muito bom: agora queixam-se de chuva a mais, quando no verão era a seca que atormentava o país. De acordo com os governantes de Portugal, não há nada a fazer, ou seja, não dá para prevenir, nem dá para auxiliar, ou sequer aconselhar a ligar o despertador.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O ciclo da minha vida

O Pedro Nogueira Ramos foi meu professor de Macroeconomia na FEUC e é um dos professores de cujas aulas me recordo mais nitidamente. No final do semestre, ensinou-nos a Life-Cycle Hypothesis, mas não me recordo bem se tinha tradução para português, que suponho seria qualquer coisa como a hipótese do ciclo da vida. É uma ideia desenvolvida pelo Franco Modigliani e pelo Richard Brumberg no início dos anos 50.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Um resultado histórico

Então, Portugal foi eliminado por Marrocos, mas esta vitória de Marrocos é um momento histórico não só para o país, como para o continente africano e isso faz-me feliz. Já quando os EUA jogaram com o Irão, torci pelo Irão. Talvez os iranianos chegarem a campeões no futebol fosse a gota que empurrasse o povo iraniano para a liberdade, mas os EUA eliminaram o Irão. E os iranianos derrotados torceram pelos americanos no jogo seguinte. Foi inspiradora a forma como lidaram com a sua derrota.   

Bem sei que o Cristiano Ronaldo gostava muito de ser campeão e tal, mas ele não precisa do título. Toda a gente conhece o CR7, toda a gente sabe que ele é bom, o valor do título é praticamente irrelevante. Ele devia era apoiar os marroquinos, isso é que demonstrava maior grandeza.




quinta-feira, 13 de outubro de 2022

SOS, Greta

Há uma semana, os membros da OPEC decidiram cortar a produção de petróleo em dois milhões de barris por dia, como forma de dar suporte ao preço do barril de petróleo. Os EUA têm contribuído para a pressão de baixa do preço, pois desde o início do Verão a Administração Biden tem retirado petróleo da Reserva Estratégica de Petróleo americana, como forma de contrariar a subida no preço de gasolina, que entretanto já começou a subir

Para além disso, os americanos têm exportado mais petróleo do que importam, o que também contribui para o controle do preço mundial de crude.  Neste momento, o volume de petróleo na Reserva Estratégica está a níveis de 1985. Brevemente, é provável que o governo americano tenha de comprar petróleo para a Reserva, o que, combinado com os cortes da OPEC, poderá contribuir para o aumento do preço de energia. Por sorte, a procura tem estado bastante deprimida

Depois de anos a tentar conseguir apoio para indústrias ditas verdes, que supostamente baixam as emissões de carbono para a atmosfera, os americano lá, passaram há coisa de dois meses, a legislação IRA (Inflation Reduction Act), camuflada de lei para controle da inflação. Esta lei é consistente com o que as diferentes administrações americanas, tanto de esquerda como de direita, têm andado a fazer desde os anos 70: a tentar isolar-se de choques nos preços da energia, pois consideram a política energética uma questão de segurança nacional. 

Só que as novas tecnologias têm o potencial de perturbar as indústrias exportadoras de países como a Alemanha, Suécia, Japão, Reino Unido, etc., todos aliados dos EUA, e que estão furiosos com a nova lei. É irónico que a Alemanha, que frequentemente faz campanha em prol do ambiente, agora não queira mudar. Talvez a Greta venha em socorro do Biden...


  

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Progresso e regresso

Desde a semana passada que comecei a trabalhar em modo híbrido: três dias no escritório e dois em casa. Um dos prazeres de ir ao escritório é, durante a comuta, poder ouvir as notícias da NPR e esta semana houve duas histórias que achei interessantes; ambas têm a ver com a Califórnia, um dos estados mais progressivos aqui do burgo. 

A primeira história é sobre as strip-teasers de Los Angeles que querem formar um sindicato. Não seriam as primeiras dado que a peça jornalística fala da tentativa de sindicalizar as stripteasers do Lusty Lady em 1996. E a história ainda é mais engraçada porque uma das strippers do Lusty Lady é agora professora universitária e faz investigação nesta área. Nada mau para um país "atrasado" socialmente, como são os EUA.

A segunda história é sobre S. Francisco, mais propriamente sobre a baía de S. Francisco, onde um número elevado de peixes morreu asfixiado devido ao crescimento de algas que causou uma maré vermelha. As algas cresceram porque a água tem nutrientes, especialmente nitrogénio e fósforo, e esses nutrientes chegaram lá por via das águas de saneamento urbano, pois as centrais de tratamento de água não retiram os nutrientes antes de as despejarem na Baía. Isto na Califórnia, que é o tal estado progressivo. 

Ouvi a notícia na Quinta-feira e tenho andado a pensar nisto porque acho absolutamente idiótico. Quando vivi em Oklahoma, que é um estado muito regressivo, tive oportunidade de visitar a central de tratamento de água de saneamento de Stillwater há uns 20 anos e não é que tiravam os nutrientes à água com a ajuda de umas algas? 

Mas a história ainda fica mais engraçada porque calhou, há umas semanas, eu comprar peixe congelado no super-mercado internacional e reparei ontem que o pacote tinha um aviso da Califórnia. Estavam preocupados com o meu consumo de peixe e dizem-me, num autocolante, que podia ficar doente por comer aquele peixe.


segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Pior que double standard

Esta coisa da Primeira-Ministra da Finlândia ter de mostrar contrição em público porque foi a festas durante o seu tempo livre cheira tão mal. Quantos homens em altos cargos não se divertem, com festas, drogas, amantes, prostitut@s, etc. Alguns deles teve de vir à praça pública chorar para perder perdão? Não, normalmente quando são apanhados, pedem à esposa que os apoie publicamente, enquanto eles oferecem um discurso mal-amanhado e isto é quando são apanhados. Muitas vezes, há todo um aparato a protegê-los. 

A esta rapariga, ninguém a protege. Oferecem-na à praça pública, como se de uma oferta aos deuses se tratasse. É verdade que a vida está difícil, mas não foi ela a culpada de estarmos nesta crise. A culpa é do eleitorado que elegeu políticos incompetentes. Onde está a contrição do povo?

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A meio gás...

Finalmente, tivemos um intervalo no nosso calor de Verão, depois de mais de um mês de temperaturas quase nos 40º C e sem chuva. Esta semana, tem chovido e a temperatura baixou. Ontem, estava tão fresco que o ar condicionado nem foi activado, logo quando abri a porta do congelador, o ar húmido ficou cheio de condensação. 

No NextDoor anda tudo abismado com a conta de MLGW (Memphis Light, Gas, and Water) electricidade/gás/água/esgoto, dado que em Memphis paga-se tudo junto. Há pessoas que receberam contas de mais de $1000. Há dois dias, o meu vizinho a sul perguntou-me da minha conta da MLGW porque a dele ultrapassava os $600. Ora, a minha conta baixou, apesar da porção da electricidade ter subido de $278 para $290, o que foi compensado pela conta da água ter descido de $32 para $18. No total paguei $373 pela conta de Junho e vou pagar $355 pela conta de Julho. 

O vizinho não faz ideia porque recebeu uma conta tão cara. A casa dele é um pouco maior do que a minha, apesar de serem quase idênticas, dado que ele tem um quarto no primeiro andar que é maior do que o da minha casa. Ou seja, a minha casa tem 259 metros quadrados e a dele tem quase 283. Depois, ele tem uma piscina no jardim e eu não; mas mandei instalar duas fontes no jardim para a passarada e tenho-as tido ligadas. 

Ambas as casas têm dois ares condicionados cada uma e ele disse que, para poupar, tinha desligado o ar condicionado que refrigera o primeiro andar. Como eu trabalho em casa e o gabinete é no primeiro andar, tive ambos os ares condicionados ligados, só que aumentei a temperatura no de cima para 26,7º C e uso uma ventoinha no quarto onde trabalho. O ar condicionado do andar de baixo, que foi substituído há dois anos, logo é quase novo, está à temperatura de 24,4º C . Quando à conta da água, como tive de regar o jardim todos os dias, decidi tentar poupar nos meus banhos diários, usando menos água. 

Por enquanto, as minhas medidas de poupança estão a funcionar, mas os preços da energia estão a ficar cada vez mais caros. Na Quarta-feira, os preços de futuros de gás natural dispararam por causa da falta de gás na Europa. O Inverno há-de ser bonito... Eu gosto de ter a lareira ligada durante o dia e no ano passado cheguei a pagar mais de $450 da conta da MLGW. Vou ter de fazer contenção do uso da lareira. O meu cão não vai ficar muito satisfeito. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Males menores

A Nancy Pelosi, porta-voz da Câmara dos Representantes, está na Ilha Formosa, apesar de a China ter avisado os EUA de que uma visita oficial de alguém com um cargo tão alto seria considerado uma agressão à soberania chinesa. É difícil de saber quais as reais intenções dos americanos, mas há várias teorias. Primeiro, diga-se o óbvio: Depois de a China dizer aquilo, ela quase que tinha de ir porque a política internacional dos EUA é decidida pelos EUA. 

Por um lado, a visita pode servir de aviso à China para não invadir a Ilha Formosa. Por outro, cultivar animosidade contra a China era a política da última administração e Biden não se desviou grandemente dela. Não é claro que a visita de Pelosi tenha sido planeada com a Administração Biden e ele tem andado a tentar meter água na fervura, até disse que o Pentágono não achava que a visita fosse boa ideia. Por sorte, como se fosse, foi anunciado que os americanos assassinaram um dos arquitectos dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e Biden já fez o seu inevitável discurso, apesar de ainda testar positivo ao vírus Corona. 

Há quem diga que Pelosi tem interesses pessoais na visita, mas isso parece-me mais teorias à moda de QAnon. Parte do eleitorado americano não nutre simpatia pela China, logo isto pode servir de golpe eleitoral dos Democratas meses antes das eleições intercalares, nas quais estão em causa as lideranças democratas na Câmara dos Representantes e no Senado. 

De qualquer dos modos, se a guerra entre a Ucrânia e a Rússia era má, uma invasão da Ilha Formosa pela China é quase um anúncio do fim do mundo que conhecemos. É que os processadores para os computadores vêm da Ilha Formosa e sabe-se lá mais o quê. E depois há também as coisas que são produzidas na China. Isolar a Rússia é fácil; isolar a China é quase impossível a curto prazo. A não ser que se queira uma enorme crise mundial com outra guerra à mistura. Mal por mal, já nos basta a da Rússia.

Na Quinta-feira há eleições no Condado de Shelby, no Tennessee. Hoje telefonaram-me a perguntar se eu ia votar nas eleições e tentaram convencer-me em votar em dois candidatos democratas, um para juiz e outro para District Attorney. Perguntei porque é que ambos os candidatos eram homens e qual a razão de Biden não apoiar mais mulheres. A resposta é que eu devia votar nos Democratas porque tinha de escolher o mal menor. Parece que é o mote do século XXI.



quarta-feira, 27 de julho de 2022

Já não é plano

Há uns anos, o Thomas Friedman escrevia que o mundo era plano, que o comércio internacional aproximava as nações e derrubava barreiras. Com a pandemia, o que era plano é agora cheio de obstáculos, que dificultam o movimento de mercadorias. As cadeias de distribuição, que estavam construídas para um mundo com poucas barreiras estão a ser reconstruídas de forma a haver mais redundância. As empresas querem localizar as suas operações mais perto dos clientes e querem minimizar o risco político. 

Para além das empresas que saíram da Rússia por causa da má publicidade e também das sanções, o capital parece estar também a fugir da China. Por um lado, a política de zero-casos Covid seguida pela China aumenta o risco de interrupções na produção; por outro, há quem se questione se a China não poderá invadir a Ilha Formosa, numa acção que teria consequências semelhantes às que assistimos após a invasão da Ucrânia. 

Quem se queixava dos aspectos negativos do comércio internacional deve congratular-se, pois vai poder observar o que é um mundo menos integrado, que é como quem diz, um mundo de preços mais altos. Se a Europa já empobrecia quando as coisas corriam bem, há a possibilidade real de que poderá empobrecer ainda mais. A Alemanha estava construída para crescer à custa da energia barata da Rússia, da protecção militar dos EUA, e de taxas de juro baixas. Podia beneficiar do euro mais barato, mas com energia cara, isso não a ajuda.

Mas, não é tudo mau, pode ser que as coisas corram bem, pois isto é também uma oportunidade de reavaliar o projecto europeu e de o orientar para ser sustentável. É pena que Portugal seja tão pessimamente governado porque isto podia fazer toda a diferença para gerar crescimento para o país. O mais provável é que empobreça mais depressa.


quinta-feira, 21 de julho de 2022

Reabertura

Hoje, Quinta-feira, o gasoduto Nord Stream 1 vai reabrir, mas com capacidade reduzida. A Rússia diz que está com problemas para enviar gás à Europa porque umas das turbinas que foi para o Canadá para ser reparada não regressou devido às sanções contra a Rússia -- é essa a justificação da redução da capacidade, mas é duvidoso. Se a capacidade fosse a do costume, os europeus iriam tentar armazenar algum produto para o inverno o que diminuiria a margem de manobra da Rússia. O certo é que a Rússia já tinha reduzido a capacidade antes, logo apenas envia alguma coisa para continuar a ter influência.

Os EUA também estão limitados na exportação porque houve um fogo em 8 de Junho em Freeport, no Texas, num terminal de liquidificação de gás natural, o que reduziu a capacidade de exportação dos EUA em 17%. Inicialmente, pensava-se que levaria uns três meses para que o terminal voltasse a entrar em actividade, mas a Energy Information Administration dos EUA indicou num relatório desta semana que só para 2023 é que a capacidade regressará ao normal. Os dados de exportações de Junho dos EUA saem em Agosto, altura em que saberemos qual o impacto do fogo no comércio internacional, mas, este ano, cerca de dois terços dos envios de Freeport eram destinados à Europa. 

Em 2022, a Europa é o principal importador de gás natural americano e Portugal tem importado bastante, o que é o mais cauteloso. Perante a conjuntura actual, é preferível ter a mais do que ter falta. Mas esperemos que, quando chegar o inverno, os portugueses tenham dinheiro para pagar a conta do gás.  

sábado, 16 de julho de 2022

Um propagandista na América

Um tal de Manuel Cardoso escreveu no SAPO24 que  está nos EUA há dois meses e acha-se surpreendido que tenha perdido uns quilos, culpando a má qualidade da comida americana e o euro que está a depreciar contra o dólar americano. Não entendi a necessidade de vir aos EUA para se descobrir o estereótipo criado pelos próprios americanos de que se come mal neste país. Depois não é verdade. Os EUA têm óptimos restaurantes e oferecem uma grande variedade de comida e até de preços. Só que os preços americanos mesmo no restaurante mais baratuxo irão ser caros para muitos portugueses. 

Muitos americanos não sabem cozinhar e comem fora, logo há muitos restaurantes que fornecem calorias baratas e cuja cozinha ainda é inspirada num país que já não existe. A ironia é que é mais fácil encontrar um pobre nos EUA que não sabe cozinhar, logo tem de comer fora, ou come refeições pré-cozinhadas, do que os mais ricos que, muitas vezes, cozinham em casa e comem fora por prazer, não por necessidade. Em Portugal, os mais abastados têm uma empregada doméstica que lhes prepara algumas das refeições, um conceito que, nos EUA, é quase inexistente. 

Na sua criação, os EUA eram um país rural, muito mais do que a Europa Ocidental, e muitas pessoas tinham trabalhos que requeriam muitas calorias, logo a cozinha tradicional americana é muito rica em hidratos de carbono. Depois, há grande diversidade climatérica nos EUA, mas a maior parte do território americano não permite que as pessoas mantenham um quintal todo o ano onde produzir parte dos seus alimentos, coisa que em Portugal é normal. A minha mãe fazia sopa o ano inteiro com as couves do nosso jardim e desde a primavera ao outono havia sempre algo a crescer para consumo. O clima americano, que é bastante seco durante o inverno, é mais propício a que se armazenem cereais. 

Mesmo assim, as minhas relações americanas (estou a falar de pessoas com bem mais de 70 anos) contam-me que, quando eram pequenas, as suas mães tinham uma pequena exploração agrícola onde cultivavam vegetais que depois guardavam em forma de pickles para o inverno. Uma amiga minha que tem 93 anos e que cresceu em Sweetwater, TX, conta que para além de fazer os pickles, a família tinha uma vaca que lhes permitia ter leite, manteiga, queijo, sour cream, etc. Tudo feito pela mãe dela em casa. Como viviam perto de um caminho de ferro, era comum a mãe deixar farnéis de comida perto da linha de comboio para as pessoas pobres que apanhavam "boleias" nos vagões de mercadorias.

A minha ex-sogra cozinhava pratos que usava muitos enlatados, as chamadas "casseroles", que são pratos de uma altura em que a comida já era mais industrializada.  Ela, que tem 80 anos e cresceu numa zona rural em Oklahoma, não gosta de feijão-verde fresco, apenas aprecia o enlatado, que a mim não me dizia grande coisa porque eu cresci a comer feijão-verde fresco. Já a minha "mãe-americana", uma amiga minha desde 2004, septuagenária, que nasceu e cresceu nas montanhas do Arkansas, as Ozarks, que têm um clima mais ameno, fala bastante dos pickles de cenoura, feijão-verde, etc. que a mãe fazia, mas ela adora feijão-verde fresco e, hoje em dia, durante o verão faz compras no Farmer's Market de Fayetteville, que é um dos melhores mercados de agricultores dos EUA. 

Nunca comi rúcula tão saborosa como a que lá vendem em Fayetteville. E as misturas de saladas muito fragrantes, com verduras muito tenras, e às vezes com algumas flores comestíveis. Um dia destes tenho de ir lá a um Sábado de manhã (fica a 5, 5 horas de onde estou, logo tenho de sair na Sexta-feira), só para comprar as verduras. Apesar disso, a minha salada preferida continua a ser a alface que a minha avó me preparava há mais de 40 anos e que vinha do nosso quintal. A minha mini-horta tinha sempre alface e salsa das sementes que a minha avó me dava. E, no inverno, ela fazia-me sopas fervidas, que era um resto de uma sopa rica com feijão, couve e cenoura, à qual se juntava broa-de-milho aos pedaços e se fervia. 

Mas de regresso aos restaurantes americanos. Hoje em dia come-se excepcionalmente bem nos EUA e outra coisa que aqui fazem muito bem é que o normal é haver pratos que lidem com as restrições alimentares dos clientes, por exemplo, vou a um restaurante e peço que me indiquem quais os pratos sem glúten, muitas vezes até há um menu específico para esses casos. Mesmo nos restaurantes mais baratos, há sempre pratos de saladas aos quais se pode adicionar bife, frango, ou salmão, e fica uma refeição completa. Quando a minha prima holandesa veio aos EUA em 2003 ficou encantada com as saladas do MacDonald's que, entretanto, foram ao ar com a pandemia.

Quanto ao Manuel Cardoso, que veio a um país 107 vezes maior que Portugal, com uma população que tem mais de 32 vezes a portuguesa e bastante mais diversa, e acha que a cozinha americana se resume ao Fast Food. Nem lhe ocorreu fazer uma busca no Google para encontrar um dos 200 restaurantes com estrelas Michelin que existem nos EUA, mas não tem dinheiro para isso, claro está. Também podia ir ao OpenTable para ver que restaurantes perto dele estavam a aceitar reservas e até dava para ver as fotos dos pratos e ver quanto custavam porque dá acesso ao menu. 

Enfim, parece-me que esta pessoa é uma propagandista à bela moda dos tempos da ditadura: Portugal é o paraíso, o estrangeiro ainda não encontrou o caminho da salvação.