sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Consistência moral

"A senior manager at another hedge fund, who’s a Democrat, said that while Clinton is certainly not without faults, many of the swipes she hears from men “sound a lot like what I could imagine them criticizing me for: She’s too harsh, not filling the feminine role, she dresses like a man, she’s unlikable.’’"

Source: Bloomberg


Eu trabalho numa área dominada por homens e fui treinada maioritariamente por homens. Quando trabalho, não penso que sou mulher, mas penso que dependendo da minha audiência tenho de ter bastante cuidado em algumas ocasiões e não ser demasiado "agressiva". Uma mulher "agressiva" no local de trabalho não fica bem e, às vezes, nos meus empregos, levo bolos que compro ou faço em casa para os colegas: é bom para a moral da equipa e faz de conta que sou uma pessoa super-simpática.

O princípio é simples, pois é difícil pensar que a gaja que fez este biscoito que nos dá tanto prazer é uma grande cabra. Isto chama-se, em psicologia, de "positive reinforcement". Todos nós temos condicionantes sociais; eu posso andar a pregar que sou uma pessoa XYZ até vir a mulher da fava, mas é muito difícil modificar os processos automáticos de pensamento que adquirimos inconscientemente ao longo da vida e que ajudam a formar a opinião que os outros têm de mim quando essa opinião é formada até antes de me conhecerem.

Quando me dizem que Hillary Clinton é fria, calculista, dominante, identifico-me completamente com ela e até vou mais longe porque acho que essas coisas são qualidades num profissional. Imaginem ir ao médico e encontrarem uma pessoa que dá a impressão que é insegura, está cheia de dúvidas, e não sabe o que faz, acham que se sentem seguros ao seu cuidado? Claro que não, vocês querem um médico com a cabeça fria, calculista, e dominante -- alguém que arranje maneira de vos convencer a melhorar e a fazer o tratamento recomendado. Fazer-vos festinhas e dizer que tem muita pena de vós não é sinal de que o médico seja bom.

Não sou uma pessoa corrupta, mas é natural que se fossem a analisar tudo o que eu fiz na vida ou as pessoas com quem me dei e dou, encontrassem provas que possam sugerir que eu estou associada a coisas corruptas. Eu não controlo toda a gente com quem interajo, nem sequer controlo a ética que é seguida pelas pessoas com quem me associo. Quem chega à posição de Hillary Clinton ainda tem a agravante de atrair gente de muito mau nível que quer poder e influência. A certa altura é muito difícil acreditar que alguém que está rodeada de pessoas corruptas não é ela própria corrupta. Eu percebo que se pense que ela é corrupta e nem meto as mãos no fogo por ela.

No entanto, acho que muitas das críticas que lhe fazem não são justas e demonstram duplicidade de critérios. Na questão dos e-mails, o facto de ela usar um servidor privado sugere que tentou ocultar informação, logo fez algo de mal como dar preferência de acesso ao governo a empresas que contribuíam para a Fundação Clinton. Acho uma hipótese razoável de se testar, mas para se concluir alguma coisa teria de se provar que essas empresas têm mais acesso com Hillary Clinton como Secretária de Estado, do que com John Kerry na mesma posição, por exemplo. Para além disso, teria de se provar que as contribuições à Fundação Clinton dessas empresas aumentaram no período em que ela era Secretária de Estado.

Olhar apenas para os emails dela não me diz quase nada. Eu concordo que se pode encontrar provas de corrupção num e-mail dela, mas então exija-se o mesmo nível de escrutínio a toda a gente. Será que a Heinz não beneficia por John Kerry ser Secretário de Estado ou a Halliburton não beneficiou por Dick Cheney ser Vice-Presidente? Donald Trump já afirmou publicamente que, quando quer qualquer coisa feita, faz uma contribuição para o político que o pode ajudar, mas muitas pessoas que eu vejo atacar Hillary Clinton porque é corrupta e já está em Washington, D.C., há muitos anos, não atacam a corrupção de Donald Trump. Se a corrupção é uma coisa má, então é má para toda a gente.

Tenho alguma dificuldade em acreditar que ela foi corrupta enquanto Secretária de Estado, mas não enquanto Senadora por Nova Iorque porque, quando era Senadora, não me recordo -- e admito pode ser falha minha -- de haver acusações de favores ou corrupção. A maior parte dos escândalos de corrupção dos quais me recordo são do tempo em que Bill Clinton era Governador ou Presidente ou de quando ela era Secretária de Estado e eu acho que isto é estranho.

Há ainda quem ache que Bernie Sanders seria um candidato moralmente superior e, apesar de já estar em Washington, D.C., há mais de 20 anos, vêem-no como um outsider. Depois de ser eliminado nas primárias para as Presidenciais, Bernie Sanders ajudou a fundar uma organização com o estatuto de entidade não lucrativa para efeitos de caridade, mas que, pelo que se descreve, é mais uma organização de influência política e lobbying e que de caridade tem pouco. Se isto é ser moralmente superior, então prefiro a inferioridade moral da Fundação Clinton, pois ao menos com esses, alguns pobres beneficiam.





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