quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Pensar a justiça

Em 1955, no Mississippi, uma mulher branca, Caroline Bryant, de 21 anos acusou um rapaz negro de 14 anos de a assediar, verbal e fisicamente, enquanto ela estava na mercearia da família dela. Alguns dias depois de se dar o suposto assédio, o marido da mulher e o meio-irmão deste raptaram o rapaz, Emmett Till, espancaram-no, mutilaram o corpo e atiraram-no a um rio.

Quando o corpo apareceu, a mãe de Emmett insistiu que o caixão do filho estivesse aberto durante o serviço fúnebre, para que todos vissem o corpo inchado e mutilado. Os homens que mataram Emmett foram julgados, mas ambos foram ilibados. Em 2008, numa entrevista a um jornalista, a mulher admitiu que tinha exagerado na acusação, leia-se mentido: Emmett não a tinha agarrado, talvez lhe tivesse dito algo impróprio, dado que, no auge da segregação, um rapaz negro não devesse falar com uma mulher branca.

Relato-vos este caso (podem ler mais detalhes na Wikipédia) porque na sequência da publicação da foto de uns rapazes que presumivelmente atacaram alguns idosos nas redes sociais, tenho visto muita gente defender as virtudes de um sistema de justiça de linchamentos e outros tantos acham que não nos devemos preocupar com os direitos destes indivíduos, mas sim com o bem-estar dos idosos porque com eles ninguém está preocupado.

Assegurar que estes indivíduos sejam levados à justiça, sem que tenham os seus direitos violados, não prejudica os idosos. O que prejudica os idosos é uma sociedade que só se preocupa com eles depois de eles se tornarem vítimas. Andar pelas redes sociais a ameaçar espancar quem bate em idosos também não é preocupação porque não ajuda idoso nenhum. A propósito, quando foi a última vez que ajudaram um idoso?

Para além disso, num país dito civilizado, onde prevalece um estado de direito, as pessoas têm o direito de se defender dos crimes de que são acusadas e a justiça deve tratar todos igualmente, ou seja, as sentenças são independentes de quem pratica a justiça. Se a justiça fosse ao critério de cada um, prevalevceria o sistema do "cada cabeça, sua sentença", que dá em situações como a do linchamento de Emmett Till, em que este nem oportunidade teve de se defender do que o acusavam.

Os méritos e deméritos dos dois sistemas deveriam ser óbvios, mas fiquei surpreendida por encontrar pessoas com formação universitária incapazes de reconhecer que a justiça não pode ser fruto da vontade popular. Tem de haver um sistema pré-definido ao qual quem é acusado de um crime tem de se sujeitar.

No caso de Emmett Till, a justiça falhou duas vezes: falhou porque ele não teve oportunidade de se defender do que o acusaram. E depois falhou porque os indivíduos que o mataram foram ilibados. Esta segunda falha chama-se um falso negativo e corresponde a alguém culpado ser ilibado; também há falhas que são falsos positivos em que alguém inocente é condenado e, muito provavelmente, se Emmett tivesse sido julgado teria sido condenado apesar de estar inocente.

A justiça nunca será perfeita, haverá sempre falhas, mas cabe a todos nós perscrutar a nossa consciência e pensar como é que o sistema pode e deve ser melhorado. Essa reflexão e discussão são inexistentes em Portugal e seria bom que o sistema de educação arranjasse maneira de educar os actuais jovens para terem conhecimentos de educação cívica e cidadania melhores do que a geração actual de adultos.

2 comentários:

  1. Cara Rita, há dois pontos distintos na exposição de qualquer pessoa detida em processo penal ou de contravenção penal.
    A fotografia em causa é, expressivamente, indigente uma vez que não visa exclusivamente informar da detenção de determinados indivíduos. Apresenta os detidos como bichos acossados e encurralados, revelando um enorme desvalorização sobre a função da exposição.
    Contudo, temos de ter cuidado quando bradamos contra qualquer exposição pública das imagens de uma detenção porquanto toda a detenção deve ser pública e publicada. Não podem existir detenções secretas ou anónimas. A detenção por órgão de polícia criminal e a presença do detido perante órgão jurisdicional devem, sempre, ser públicas e publicadas uma vez que o valor jurídico que a publicidade visa proteger é o da sindicância pública e universal sobre as razões e a legitimidade da detenção. Isto para além das necessidades de prevenção geral que a notícia assegura. O conhecimento público do facto é indispensável para que qualquer concidadão possa exercer a faculdade jurídica de junto dos tribunais lançar o apelo à libertação imediata quando julgue essa detenção ilegal. No caso, os tais detidos serão simplesmente reconduzidos ao estabelecimento prisional de onde se evadiram para que aí se mantenham presos preventivamente conforme decisão do Tribunal, onde foram ouvidos e onde puderam exercer a sua defesa!!
    Trata-se, sobretudo, de um caso de manifesto mau gosto pela exposição da fotografia em causa. Devem estes ser fotografados e exposta a sua imagem? Sim, evidentemente, pelas razões aqui invocadas.

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    1. Concordo em absoluto, mas relativamente à fotografia, achei um bocado parvo a forma como as autoridades lidaram com o caso. Até parece que não há um protocolo para quando os polícias quebram as regras. O que estranhei mesmo foi tanta gente a defender a justiça pelas próprias mãos...

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