domingo, 21 de julho de 2024

Um problema sanado

Soubemos há escassas horas que Biden desistiu da corrida à Casa Branca. Inicialmente não recomendou nenhum candidato, mas em menos de uma hora disse que apoiava Kamala Harris, a sua Vice-Presidente. Esta acabou de anunciar há momentos que tencionava candidatar-se e "obter e ganhar" a nomeação do Partido Democrata. Não se sabe o que decorreu nos bastidores de toda esta acção, que culminou num bailado bem coreografado e completamente desfazado do caos dos últimos meses, mas tem havido uma incessante pressão de Senadores e outras figuras importantes do Partido Democrata para que Biden desistisse.

Parece-me -- e isto é inteiramente especulação da minha parte -- que o cenário mais provável é que Biden tivesse sido encurralado: ou desistia ou era destituído porque a Amenda 25 da Constituição dos EUA, secção 4, permite que o Presidente seja removido se estiver incapacitado. É difícil de argumentar que alguém que pareça mentalmente incapacitado para ser candidato tenha perfeita capacidade de estar à frente do país durante os próximos seis meses, logo é provável que a sua destituição fosse o Plano B, caso ele não retirasse a sua candidatura voluntariamente.

Depois de uma presidência de Trump caracterizada pela sua omnipresença mediática e nas redes sociais, o país e o resto do mundo respiraram de alívio por Biden ter sido mais discreto; mesmo as gafes inicialmente tinham um teor de divertimento, o mesmo que se tinha desenvolvido durante a Presidência de Obama a respeito do seu Vice-Presidente, que se concluia ser um bonacheirão. No entanto, todo este resguardo não permitiu que o público, o partido, e o Congresso tivessem conhecimento directo da deterioração cognitiva de Biden, ou seja, pouca justificação haveria para o retirar. Se ele tivesse decidido não concorrer, tudo teria acabado pelo bem, sem que ninguém se apercebesse que nos últimos meses já não estava bem. Mas com a decisão de se candidatar outra vez, tal desenlace tornou-se improvável, quiçá impossível.

Ou seja, não parece que o Partido Democrata tenha cometido fraude ao permitir que Biden fosse candidato porque quando Biden se tornou Presidente, deixou de ter um papel de líder partidário, logo não tem um contacto directo com a máquina partidária, nem com o Congresso, pois esse contacto é feito através das pessoas em seu redor. De vez em quando podem haver reuniões ocasionais em que se procura uma sintonia política, mas não costuma ser uma coisa que o Presidente faça pessoalmente. Por exemplo, durante a Administração de Obama, quem liderou as reuniões com o Congresso para negociar o Affordable Care Act (Obamacare) foi o Vice-Presidente Biden, não foi o Obama, logo há bastante margem para a equipa da Presidência proteger a imagem do Presidente. O mesmo já tinha sido feito durante o segundo termo de Ronald Reagan.

Até com a Vice-Presidente, Biden parece ter tido pouco contacto, o que foi racionalizado nos media como sendo mais ilustrativo das falhas da Vice-Presidente Kamala Harris do que das limitações de Biden. Depois também poderia ser uma decisão política que era justificável a partir do momento em que ele se recandidou à Presidência. E como era uma recandidatura e, no essencial, parecia ter tido um primeiro termo de sucesso, concorreu às primárias sem grande esforço e sem necessidade de participar em debates ou fazer algo mais do que ler discursos porque não havia outro candidato concorrente.

Finalmente, Biden teve um desempenho excepcional no discurso do Estado da União, a 7 de Março, logo mesmo que houvesse rumores ou dúvidas, ele conseguiu dissuadir muitos descrentes. Mas sendo uma campanha um exercício de mediatismo acima de tudo e com a cobertura da comunicação social 24/7, é muito difícil esconder a verdadeira situação de Biden durante muito tempo, até porque o próprio esforço físico necessário para ser um candidato eficaz contribui para o problema, que agora parece ter sido sanado para efeitos da eleição.

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