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domingo, 22 de dezembro de 2024

Homem bom, homem mau

A periodicidade de ir ao dentista fazer a manutenção dos dentes (limpeza) é seis meses porque, pelos ditames do seguro de saúde, só pagam duas limpezas por ano, mas tais limpezas têm de ser espaçadas exactamente como o seguro quer e não pode ser exactamente meio ano, tem de ser meio ano e um dia, disseram-me. E disseram-me porque a limpeza que fiz em Maio, que foi feita meio ano e um dia após a de Novembro foi rejeitada. Não liguei muito à decisão no início e nem sequer contactei o dentista, nem submeti um pedido de re-avaliação da despesa, o que é completamente contra o que se deve fazer nos EUA. Aqui quando há alguma coisa incorrecta, deve-se contactar a entidade e o normal é a coisa ser resolvida por alguém, mas sejamos honestos que por vezes não é resolvida.

Quando recebi a conta, estava atarefada no trabalho e pensei que não me apetecia tratar do assunto, como se os minutos que iria perder fossem mais preciosos que os $135 que me pediam. No entanto, não fui completamente "desleixada" porque ainda telefonei à seguradora e disseram-me que tinha de telefonar para outro número, e também enviei um email à senhora dos Recursos Humanos a expor a situação e ela reencaminhou o meu caso para a representante que trata com os seguros, que, tal como eu, não percebeu a razão de não aprovarem a despesa por casusa do tal meio-ano e um dia que estava a ser respeitado. Pedi que me enviasse as regras e as regras não diziam nada acerca da periodicidade exacta, apenas que não podia ser mais do que duas limpezas no espaço de um ano.

Vou confessar a que o meu cérebro tende a entrar em labirintos facilmente em situações destas porque começo a contemplar o tamanho dos meses e, se calhar, a culpa é de Fevereiro ser um mês curto e coisas assim. Com muito esforço, arrumei os macacos no sótão, que depois falava com o dentista para não me estar a chatear mais, dado que o apelo tem de ser feito por carta enviada por correio físico, não há um formulário na Internet, nem sequer um número de telefone que se possa chamar. Só falta pedir que a coisa seja feita em papel azul de 25 linhas com um selo, como muitas coisas se fazia quando eu morava em Portugal.

Neste passado Novembro, fui outra vez ao dentista e falei com a gerente do gabinete que me disse que aquela rejeição não fazia qualquer sentido e que ela ia contactar o seguro outra vez. Sugeri que se calhar devia ter feito o tal pedido de re-avaliação e ela achou que sim. Ia para o fazer, mas tinha de ser submetido 180 dias depois da decisão da rejeição e o prazo já tinha passado.

Andava eu meia chateada com a seguradora, que por acaso é a United Healthcare, quando o CEO foi assassinado e olha que coincidência interessante, que ele não tinha perdido pela demora. Um amigo meu até me enviou uma mensagem a dizer que a United Healthcare era a seguradora que rejeitava mais benefícios, cerca de 32% dos pedidos ou seja um em três. Julguei que, se calhar, tinha negado benefícios a alguém que precisava e fora essa a razão do atentado. Passam-se dias e o caso desenrola-se, mas o motivo acabou por não ter nada a ver com um caso específico de rejeição de benefícios, o que me desagradou. Ainda por cima a avó do presumido autor do crime tinha uma cláusula no testamento em que deserdava a família se houvesse um crime.

Entretanto, os americanos entraram em parafuso, como é normal: iniciaram uma campanha de angariação de fundos para o presumido autor, preocupraam-se com o bem-estar do dito porque a foto da polícia mostrava-o com uma aparência desfavorável, há quem se tenha apaixonado por ele, quem tenha ficado muito feliz, quem lhe tecesse elogios, etc. E claro que, como eu, muitos acham que o CEO não tinha perdido pela demora. Com uma opinião pública tão favorável ao presumivel autor não me admiraria que ele fosse absolvido e senti um enorme desconforto em pensar que um rapaz ainda tão jovem que tenha cometido um crime destes pudesse andar por aí à solta, mesmo sendo bem-parecido e ter levado desta para melhor o CEO da seguradora que não quer pagar a limpeza dos meus dentes.

Mas, verdade seja dita, quando vou à consulta médica anual e me mandam fazer uma ecografia ao peito porque a mamografia é inconclusiva, a United Healthcare paga a conta da ecografia. A seguradora que eu tinha antes, a Blue Cross Blue Shield, não pagava porque a ecografia não era considerada parte do pacote de cuidados anuais necessários e lá tinha eu de pagar os $900. Note-se que Blue Cross Blue Shield só rejeita 17% dos pedidos de comparticipação, se calhar porque o CEO é melhorzinho do que o da United Healthcare.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Duas semanas depois

Como vos escrevi há duas semanas, tenho estado a acompanhar os números de óbitos e de mortes oficiais por Covid-19. Grande parte da minha análise limita-se a calcular desvios dos óbitos de 2020 relativamente ao que seria esperado pré-Covid-19. Nos dados oficiais de casos e mortes, devemos ter em conta que há um atraso de mais de uma semana relativamente aos outros países europeus, pois na Europa ocidental, Portugal foi dos últimos países a identificar o primeiro caso de Covid-19.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Contas por alto

A minha colega de blogue Mafalda partilhou no outro dia no Facebook uma colecção de dados muito interessante, que eu desconhecia: os dados do SICO, Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, onde podemos ver o número diário de certificados de óbito. Até recentemente, o sistema também incluía as previsões de mortalidade para os dias seguintes, mas já não há uma actualização desde 17 de Fevereiro, o que não deixa de ser estranho dado que atravessamos uma pandemia, logo deveria haver mais transparência na vigilância da mortalidade.

Como ando curiosa acerca da fidedignidade dos números oficiais de mortes por Covid-19 em Portugal, decidi comparar os óbitos de 2020 com os dados históricos desde 2009. Nota-se que há três períodos distintos:
  1. até 3 de Fevereiro o número de óbitos em 2020 esteve próximo da média histórica,
  2. 4 de Fevereiro a 8 de Março foi um período em que se está abaixo da média, e
  3. desde 9 de Março, entrámos num período em que há desvios crescentes acima da média de óbitos.
Portugal encontrou o primeiro caso de coronavírus em 2 de Março e a primeira morte foi anunciada a 16 de Março. Se observarmos o gráfico de óbitos em 2020, sobreposto à média diária histórica, e à amplitude histórica do número de óbitos, notamos que, depois de 16 de Março, o número de óbitos começa a crescer e a desviar-se da amplitude histórica. Quer dizer que, desde 24 de Março a 3 de Abril, o ano de 2020 teve máximos em 8 dias e, nos restantes três dias, foi o segundo ano desde 2009 com mais óbitos.

Note-se também que, no gráfico, é evidente que à medida que saímos do Inverno e entramos num período de temperaturas mais amenas, há menos óbitos diariamente (média desce) e há menos variância no número de óbitos diários (a amplitude que decresce de Janeiro para Abril), o que confirma a nossa suspeita de que 2020 está a tornar-se anormal, pois não está a convergir para este padrão.

Fiz também uns cálculos por alto para tentar contabilizar o actual desvio da história. Dividi o ano até agora em dois períodos: de 1 de Janeiro a 8 de Março e de 9 de Março a 3 de Abril. Calculei os totais anuais de óbitos para cada período e a média histórica anual de 2009 a 2019. No primeiro período, 2020 foi 3% abaixo da média de óbitos de 2009 a 2019; depois de 9 de Março até 3 de Abril, o número de óbitos em 2020 cresce para 9% acima da média.

Passar de 97% da média para 109% significa um excesso de 941 óbitos que ocorreram desde 9 de Março a 3 de Abril, o que é quatro vezes o número oficial de mortos devido a Covid-19. (Obviamente que fui generosa com 2020, pois se tivesse usado 4 de Fevereiro a 8 de Março como o período base dos meus cálculos, a minha diferença seria mais marcada e teria um excesso de óbitos acima de 1000.)


É claro que tudo isto é apenas uma suspeita, mas não deixa de merecer que alguém investigue porque é que 2020 se tornou um ano mais anormal do que os dados oficiais indicam.


sexta-feira, 27 de março de 2020

Notícias do nosso Serviço Nacional de Saúde


Hoje de manhã recebemos uma chamada telefónica. Era a Enfermeira Catarina do Centro de Saúde da nossa área de residência. Queria saber como estávamos, minha Mulher e eu, e se, estando bem, precisávamos de qualquer apoio, uma vez que não devíamos sair de casa. Perante a nossa negativa, quis saber se tínhamos alguém que nos ajudasse, e descansou quando lhe dissemos que a nossa filha estava sempre em contacto connosco. Despediu-se dizendo que em qualquer momento que fosse preciso a procurássemos no Centro. 

Tendo em atenção o momento tão complicado que todos os serviços de saúde vivem, o que conto merece uma consideração especial pelo que significa: as preocupações com a população idosa. O que prova que o nosso Serviço Nacional de Saúde, e reforço, neste momento tão delicado, está a corresponder aos princípios gerais consignados na nossa Constituição.

No meio de um ambiente pesado e incerto, este telefonema fez-me bem.

PS – Qualquer um (ou uma) dos críticos do SNS (e de tudo…) seriam capazes de dizer: “O quê? Então só contactam agora? Isso devia ter sido feito há duas semanas… Uma vergonha de serviço!” Ficariam sem resposta: nunca são capazes de ter uma visão abrangente da realidade.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Apontamento para memória futura


São nove horas. Há um silêncio de domingo. E é quarta-feira. Há cinco anos que moro aqui – numa avenida onde há trânsito intenso às horas de ponta, que, apesar das janelas com vidro duplo, se apercebe claramente dentro de casa. E hoje, como há dias, não. Fui há pouco à janela: a avenida está praticamente sem trânsito (descem três ou quatro carros, sobem um ou dois). No passeio que posso ver ninguém sobe ou desce. Pensava, nestes últimos dias, que quase não passavam ambulâncias. Mas não é verdade: elas continuam a passar, que este é caminho natural para Santa Maria; só que não precisam de sirene porque têm a via desimpedida. No céu, nada de aviões que demandam o aeroporto, que dista escassos quilómetros da minha casa: desde há dias tem sido um sossego. De algum modo poderia dizer que a vida, se não parou, está em pausa, em Lisboa. É estranho.
A esta hora eu costumava sair para fazer a minha caminhada diária, mais ou menos cinco quilómetros, pelas redondezas: Campo Grande, Alvalade, Avenidas do Brasil, de Roma, da República, Saldanha… faço isto há quase cinco anos, para não enferrujar. Pois é. Há uma semana pus de parte este hábito que me ajudava a equilibrar o peso. Compreendi que o devia fazer, sou um dos cidadãos com risco elevado face à epidemia, e ainda que não me pareça que as minhas caminhadas fossem muito susceptíveis, por si só, de serem perigosas, senti que devia aceitar o “mais vale prevenir…”
Para além dessa hora, hora e pouco, de caminhada, eu estava em casa. Por isso esta clausura, que sinto e aceito agora obrigatória, não me custa muito. Tenho sempre com que me entreter, há muito tempo que ando a organizar papéis, transformando-os em pdf, e continuo a escrever. Passo os olhos por alguns jornais na Net e visito dois ou três blogs que estimo. Vejo alguns programas de televisão e, recentemente, recomecei a usar o leitor de DVDs, revendo alguns que há muito estavam em pousio.
Estou preocupado? Como diria o nosso Primeiro Ministro, “vamos lá ver…” Nem eu nem ninguém teve uma experiência igual, porque a grande epidemia mundial, a “nossa” pneumónica, ou febre espanhola para a maior parte, foi há cem anos, e mesmo os centenários existentes seriam muito crianças para terem memória directa desses tempos. Eu tive relatos dos meus pais, que eram jovens na altura e, felizmente, não foram afectados pela doença – e contaram-me coisas terríveis. Esta pandemia, a Covid-19, é na verdade algo muito sério, e que, penso, só não será ainda mais sério por ter surgido quando a humanidade já dispõe não só de conhecimento prévio como de condições científicas e técnicas de eleição. Por isso, apesar do ritmo assustador a que a doença se espalha e das situações tão graves e tão próximas da Itália, da Espanha, e de outros países, creio que iremos vencer a crise – e por isso estou apenas moderadamente preocupado.
Contudo, talvez levado pelas análises de economistas, que têm a obrigação de saber do que falam ou escrevem, o que me preocupa verdadeiramente é o “depois” da pandemia. E não só em termos económicos, que podem de facto ser muito, mas muito sérios, mas pelo que eles podem trazer a reboque – desestabilização social e política a diversos níveis. Ninguém quererá regressar a tempos bem próximos. A incerteza agrava a preocupação. Como estaremos nós, que seremos nós, daqui a três meses? No Natal?
Por isso deixei aqui estas linhas, para memória futura.


domingo, 22 de março de 2020

1918 revisitado

Lentamente, ergue-se um consenso dos epidemiologistas e especialistas, como Larry Brilliant: esta pandemia será algo parecida com o que aconteceu em 1918. A revista The Atlantic também publicou um peça de dois especialistas que são da mesma opinião. Em 1918, quando o mundo tinha 1.8 mil milhões, a chamada gripe pneumónica infectou 500 milhões de pessoas e matou entre 17 a 50 milhões; há quem seja mais pessimista e contabilize o número de fatalidades à volta de 100 milhões.

Portugal também foi atingido e alguns locais perderam 10% da sua população. No Reino Unido, o virus começou a atacar em Janeiro de 1918, com o primeiro surto, que foi o menos grave, acalmou no verão, e regressou num segundo surto, o mais letal de todos, em Outubro de 1918; depois houve um terceiro surto de mortalidade intermédia em Fevereiro de 1919. Leiam a Wikipédia, que é grátis, se faz favor. Eu tive a sorte de, há mais de 10 anos, quando vivia no Arkansas, conhecer um senhora octogenária, cujo pai, que era francês, quase morreu neste surto. A esposa é que se recusou a abandoná-lo numa sala enorme cheia de doentes à espera da morte e cuidou dele.

Não me recordo de ter aprendido sobre a pandemia de 1918 na escola em Portugal; perguntei hoje a uma colega do secundário e faculdade e ela não sabia o que era, o que eu acho estranho dado o período que atravessamos. Talvez tenha a ver com o número de pessoas em Portugal que vão à rádio e televisão e dizem que a situação actual não tem precedente. Quem diz coisas destas não devia ter tempo de antena e muito menos devia aparecer em painéis de discussão da pandemia actual. Convidem médicos e especialistas, mas não convidem burros, que não sabem usar a Internet, nem têm um pingo de curiosidade para ler a imprensa actual.

O mundo não começou quando nascemos e, na escola, apesar de não nos terem ensinado sobre a pandemia de 1918, ensinaram-nos sobre a peste negra, por exemplo. E mais recentemente, tivemos bastantes casos de doenças que podiam ter corrido pior, como o SARS, MERS, Ebola, H1N1, e outras melhor, como o HIV/SIDA, que foi mesmo declarada uma pandemia e que já matou mais de 32 milhões de pessoas. Durante os anos 8o e 90, o período negro do SIDA, nas televisões portuguesas eram convidados especialistas. Uma curiosidade: ainda me recordo de alguém num programa da RTP, onde estavam médicos, acusar o Primeiro-Ministro da altura, Cavaco Silva, de não saber o que era o SIDA, quando a filha dele era investigadora na área. A propósito, já convidaram a Patrícia Cavaco-Silva para comentar a pandemia? Ela é mesmo especialista.

Um outro enviesamento cognitivo dos actuais "pseudo-especialistas" que aparecem na comunicação social portuguesa é acharem que se das outras vezes os especialistas não acertaram, desta também não acertam. Só que a ausência de uma pandemia não é sinal de falhanço, mas sim de sucesso. É por as autoridades se prepararem para o pior, que se podem precaver contra esse risco, e o conseguem controlar para que não atinja grandes proporções. Nos últimos anos, os EUA não viram valor nenhum em preparar-se para riscos deste tipo, aliás o Presidente Trump desmantelou a equipa que estudava os riscos de uma pandemia e actuava assim que aparecia algo que causava alarme; e também cortou a despesa com os Centers for Disease Control. Perante este falhanço dos EUA, a União Europeia, que é a outra super-potência económica, não fez nada para ocupar este vazio. Para além da UE não ter um esforço coordenado entre os países, as políticas que cada um segue para controlar o contágio são nacionais, quando o problema é supra-nacional.

Não se preocupem. Depois deste falhanço colossal, em que, se o pessoal não abrir o olho, se estima que iremos ter mais de uma centena de milhões de mortos, os fracos falecerão, e a próxima epidemia não será tão letal. Um falhanço dos verdadeiros especialistas, portanto.




quarta-feira, 18 de março de 2020

Um Modelo Necessário

Começo a escrever isto às quatro horas da manhã e, daqui a mais quatro, tenho a minha reunião de risco semanal. Infelizmente, estou com insónia porque ando a inventar modelos para lidar com o coronavirus. Ora, como eu não tenho os dados, vou-vos dar o modelo que eu gostaria de ver construído.

É um modelo que calcula a probabilidade de alguém estar infectado dadas certas características. São capazes de reconhecer que isto é um modelo de variável dependente limitada, pois esta toma o valor de 0 ou 1 para indicar se o resultado do teste do virus para certo individuo é negativo ou não. É mesmo isso que vocês estão a pensar: uma variável binomial.

Dados necessários:
  • Uma base de dados com as caracteríticas dos indivíduos que fizeram o teste e o respectivo resultado
Variável dependente:
  • Resultado do teste, que pode ser definido como 0 para negativo e 1 para positivo
Variáveis independentes ou explicativas:
  • Idade da pessoa
  • Sexo
  • Fumador ou não
  • Conjunto de variáveis indicativas dos sintomas, como temperatura da pessoa, presença de tosse, dificuldade em respirar, etc.
  • Conjunto de variáveis com condições pré-existentes, como diabetes, doença cardiovascular, pressão arterial alta, doenças do aparelho respiratório, cancro, etc.
  • Outras variáveis que os médicos achem pertinentes
Como estimar:
  • Estes modelos podem ser estimados através de regressão logística ou Probit
Resultado do modelo:
  • A probabilidade de alguém com certas características ter um teste positivo
Como usar:

O ideal seria ter um sistema informático em que quem atende o telefone do SNS 24 (ou outros profissionais de saúde que atendam pacientes) enfia os dados das variáveis independentes no sistema e o sistema calcula se a pessoa deve ser submetida ao teste, se a probabilidade for acima de um certo limite.

Outra maneira menos precisa seria fazer o ranking dos factores que contribuem para a pessoa estar infectada e decidir com base na presença desses factores no indivíduo, por exemplo, alguém que exiba os cinco factores mais importantes deve ser testado.

Um outro uso para um modelo deste tipo seria fazer triagem do pessoal médico que se quer a lidar com pacientes do coronavírus. Basta seleccionar médicos, enfermeiros, etc., que tenham as características que contribuem menos para o risco de infecção.

Se alguém conseguisse construír isto em menos de quatro dias, salvaria a vida a muita gente. Vá lá, uma semana já era muito bom. Como diz o LA-C, estamos em guerra contra o coronavírus.

Vou tentar dormir para continuar a minha guerra contra o vírus porque tenho uma doença auto-imunitária que aumenta o meu risco.

terça-feira, 10 de março de 2020

Amanhã, um tuíte não é demais...

Há poucas horas uma amiga minha italiana, que vive numa cidade à beira-mar, mas não na zona de alto risco, dizia que o governo tinha acabado de fechar o país 30 minutos antes. As pessoas podiam sair de casa de vez em quando, mas não podem ir trabalhar a não ser em super-mercados, farmácias, hospitais, etc. Tudo o resto deixou de ser essencial. Não sabem se irão receber o salário ao fim do mês, mas as contas, essas chegam de certeza. A minha amiga diz que odeia este governo italiano, mas que aprecia todo o seu esforço e o facto de não mentirem, nem esconderem a dimensão do problema.

Todos os dias, a Itália conta as suas vítimas, todos os dias, informa o mundo de quantas pessoas morreram, de quantas ficaram doentes. Na revista Time, indicam que por cada milhão de cidadãos, a Itália testou 638 pessoas; não é tanto como na Coreia do Sul, onde testaram 1100 pessoas por cada milhão, mas é um esforço gigante. E dois médicos italianos escreveram uma carta à comunidade internacional a relatar as lições que aprenderam para que os outros se preparem e não tenham de enfrentar esta batalha enorme sem conhecimento prévio. É a Itália, aquele país que nós achamos meio avariado porque elegeu o Berlusconi, mas estão a tentar tudo por tudo.

A minha preocupação é que tenho a certeza que Portugal não está a testar um número suficiente de pessoas para controlar o contágio. A minha amiga diz-me para não me esquecer que a Itália é um país envelhecido, que a idade média dos falecidos por causa do COVID-19 é 81 anos. Isto faz-me lembrar que o meu ex-cunhado, num Natal, me deu um livro intitulado "One Year in the Village of Eternity", sobre a longevidade dos residentes de Campodimele, em Itália, que nunca cheguei a ler. Talvez esta seja a minha dica.

Portugal também é envelhecido e fui ver a distribuição etária dos países: Portugal tem 21,5% da população com 65 anos ou mais; os italianos têm 23%; a Coreia do Sul tem 14%. A Coreia do Sul tem 7478 casos e 53 fatalidades; a Itália tem 9572 casos e 463 fatalidades. O número de casos em Itália aumentou 1300 hoje. Portugal tem 30 casos, mas o Público dizia que se estava à espera dos resultados dos testes de mais 47 pessoas, ao mesmo tempo que dizia que a primeira paciente tinha infectado 10--o suficiente para eu começar a fazer suposições. A primeira paciente veio de Itália, suponho que num avião, suponho que o avião tinha mais de 47 passageiros e, suponho também, que depois foi usado para transportar outros tantos, mas não antes de ser limpo, suponho outra vez, por uma equipa de várias pessoas. Acho 47 pouco, pronto.

O cidadão mais importante, que não sabe estar quieto para que não pensemos que morreu é o nosso Presidente da República que lá arranjou maneira de ser testado. Amanhã, para podermos estar mais descansados, o PR devia repetir o teste e o Primeiro Ministro devia mais uma vez dar-lhe os parabéns. Sim, porque a banda no Titanic também tocou até ao fim e mais vale morrer civilizadamente: não podendo haver selfies, restam-nos os tuítes de parabéns.


sexta-feira, 26 de maio de 2017

Os desactualizados

Por acaso, hoje fui visitar a página de Internet do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, e notei que havia uns links giros nos destaques que nos convidavam a olhar para os dados. Fui ver do que se tratava; mas, em ambos os casos, os únicos dados disponíveis eram os de 2012.

Pergunto-me por que razão é que se gasta dinheiro a fazer estas coisas, se não é para continuar? Mais valia estarem quietos. Ou será que quem faz a manutenção da página de Internet não reparou que a página está quase cinco anos desactualizada? E notem que a desactualização tanto acontece com governos de Esquerda, como de Direita.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Hã?!?

Depois de contar que tenho problemas de audição, duas das minhas amigas disseram-me que também tinham. Tenho a impressão que não ter uma audição perfeita é capaz de ser muito mais comum do que as pessoas pensam. Como já aqui disse, de vez em quando é chato porque os amigos e família acham que somos uns grandes chatos quando dizemos que não compreendemos o que foi dito e precisamos de clarificação. Ver TV e cinema também não é uma experiência 100% conseguida se nos escapa algum diálogo.

Mas, nem tudo é mau: pelo menos para mim, não ouvir bem também é uma grande conveniência. Estar num sítio e não conseguir distinguir certos registos de som permite-me divagar mais facilmente. Num dos voos de regresso da minha viagem de Washington, D.C., incomodou-me o barulho do motor do avião e pensei que chato seria ter de ouvir aquilo melhor, se fizesse a tal operação e fosse um sucesso. Encostei a minha cabeça à mão esquerda e tapei o ouvido mais competente. O som do motor ficou mais manso e eu mergulhei no meu mundo. Talvez tenha sido nessa altura que decidi que não fazia sentido esta operação.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O preço do menu

Como vos contei aqui há uns tempos, tenho alguma perda de audição e a minha médica queria que fosse medida. Fiz uns testes e uns exames e finalmente tive uma consulta com um otorrinolaringologista, que recomendava uma cirurgia, mas que era uma escolha minha. Perguntei-lhe acerca da causa do problema e dos riscos e preço da cirurgia. Mesmo depois de ter feito exames, o médico não sabe o que se passa exactamente com os meus ouvidos. O mais provável é os meus ossos terem uma qualquer deformação, que afecta a dissipação das ondas de som que entram no ouvido. Como tive sarampo quando era bebé (depois de ser vacinada), essa pode ser a causa do problema. Ou também pode ser por eu ter tido muitas infecções nos ouvidos quando era criança. Se me operar, talvez consiga identificar o problema e repará-lo.

Relativamente aos riscos da cirurgia, eu perguntei acerca da taxa de sucesso e ele disse 80%. Depois, para além de poder não resolver o meu problema, pode também haver a possibilidade de não funcionar -- por exemplo, pode ser que acabem por meter uma pequena prótese e esta saia do sítio -- ou de ficar pior do que o que estava, pois há um nervo que passa por perto do sítio onde ele tem de operar e que, se for danificado, eu poderia ficar com a cara parcialmente paralisada. Como ele não sabe a natureza do que eu tenho, não sabe se dá para entrar apenas pelo ouvido ou se tem de fazer um corte por detrás da orelha, etc., logo não sabe exactamente por onde terá de andar. Perguntei qual o risco de complicações sérias e ele disse-me um número que eu achei muito alto, já não me recordo exactamente, mas era bem maior do que um por milhão. Dado que funciono muito bem com o nível de audição que tenho, fiquei muito reticente.

Enquanto estávamos a conversar, ele mostrou-me os resultados do meu teste de audição e disse que o melhor era operar o ouvido esquerdo primeiro, pois era nesse que havia maior perda de audição. Disse-lhe que não, eu ouço pior do meu ouvido direito, pois para esse os sons muito graves são quase imperceptíveis. E depois pensei para os meus botões: "Olha, Rita, isto está giro, para saber o que se passa, ele precisa mesmo de fazer uma expedição exploratória aos teus ouvidos! Isto é a época dos Descobrimentos outra vez..."

Quando perguntei dos custos, levei a resposta do costume: "Não sei, os custos não são comigo". Mandou-me falar com a assistente dele para marcar o dia da cirurgia -- era uma cirurgia de opção, eu não tinha de a fazer, mas marcava já e depois podia desistir. A rapariga que trabalhava com este médico não sabia quanto ia custar, mas disse-me para esperar um telefonema da assistente que tratava do seguro para me dizer qual a minha porção do pagamento depois da comparticipação do seguro.

Hoje telefonaram-me de anestesiologia para marcar a consulta pré-cirurgia, mas eu ainda não tinha falado com a moça do seguro, logo não quis marcar porque nem sabia se iria fazer a cirurgia. Dizia-me a rapariga que não tratava das coisas do seguro, mas que eu estava à vontade para ir à consulta porque não custava nada. Eu dizia que o custo não era zero, ela dizia que sim, era; voltei a insistir que não era e achava um desperdício ir à consulta sem saber se ia fazer cirurgia. Ela irritou-se e despachou-me.

Falei depois com a moça que trata do seguro que me disse que, pela minha parte, tenho a pagar $200. Perguntei se esse era o custo total da cirurgia e ela disse que não, essa era a parte dos custos do hospital; ainda faltava ver quanto ia cobrar o cirurgião e o anestesiologista, e que coisas iam usar durante a cirurgia, etc., e nem sequer sabiam quem ia ser o anestesiologista, ou seja, só depois de me operarem é que saberiam o custo desta festa toda. Mas não era nada com ela porque ela só tratava da porção dos custos do hospital e do seguro dessa parte.

Eu acho sempre tão engraçado quando ouço pessoas dizer que os cuidados de saúde seriam prestados mais eficientemente pelo sector privado. Quem é o idiota que vai ao restaurante e decide o que vai comer sem ver os preços do menu?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Dos estalos às estaladas...

No meu último exame médico, a assistente médica que me viu estalou os dedos ao pé dos meus ouvidos e não ouvi estalos no ouvido direito. Não foi a primeira vez, já me tinha acontecido antes, mas eu não fiz nada acerca do assunto. Desta vez, ela achou melhor que eu fizesse um teste de audição para ter uma medida, caso fosse uma situação que se agravasse no futuro. Não ouço muito bem; por exemplo, se há muito barulho, não consigo ouvir certas pessoas a falar, não atendo o telefone com o ouvido direito, e também não consigo ouvir o tic-tac de um relógio de corda no meu ouvido direito, mas ninguém usa relógios de corda. Quando falam comigo e digo que não ouvi ou preciso de me aproximar, as pessoas olham para mim com incredulidade, como se eu tivesse feito de propósito e não lhes ligasse nenhuma. Então, acedi ao pedido da minha assistente médica e fui fazer o exame no mês passado.

O resultado indica que tenho os ossos dentro dos ouvidos danificados, especialmente no ouvido direito; os nervos estão bons. O médico que eu vi trabalha no departamento de otorrinolaringologia, mas especializa-se em cancro e não era otorrino a sério. Deu-me as seguintes opções: ou faço uma operação para reparar os ossos, ou coloco um aparelho. Perguntei quais os riscos da operação e disse-me que eu fazia boas perguntas, mas que eram muito baixos e, como eu ainda sou nova, a operação era preferível ao aparelho. Ficou combinado de eu regressar e fazer um exame CT (computed tomography), que é um raio-X fraquinho para ver anormalidades no tecido ósseo. Depois, com os resultados do exame, ia ver um outro médico especialista mesmo em otorrinolaringologia. Hoje era o dia em que eu tinha marcação para fazer o exame e de seguida ver o novo médico.

Ontem telefonaram-me duas pessoas diferentes: uma a pedir-me para contactar os serviços antes do exame e outra para me dar o custo da minha parte só do exame, um pouco mais de $110. Quando falei com eles, disseram-me que não tinham recebido autorização para me fazer o exame, logo iam ter de marcar para outra data. Depois tive de telefonar para outro lado para cancelar a consulta de hoje, pois não tinha o exame para o médico ver, e marcar para outro dia. Ou seja, fizeram a reserva do equipamento e do pessoal para me ver hoje, mas tive de faltar e deixar aquele gente toda a olhar para a parede, ainda por cima o otorrino só vai àquele gabinete uma vez por mês. Isto custa dinheiro ao sistema de saúde e custa-me a paciência. Então um médico decide que devo fazer o exame e alguém no seguro, que não é médico, tem de dar a autorização apesar de já me terem dito quanto me irá custar, pois está lá na lista que eles dão ao hospital que o exame faz parte das ferramentas de diagnóstico admissíveis.

Fico com a ligeira sensação de que alguém no sistema acha que eu e o médico andamos aqui a marcar exames por gosto. Só à estalada...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Momentos WTF...

Como vos disse, na minha consulta de dermatologia ontem, a médica disse que eu estava a ter uma reacção alérgica a qualquer coisa: ou verniz, ou tinta do cabelo, ou um creme. Inspeccionou as minhas mãos, concluindo que eu não usava verniz nas mãos, só nos pés. Perguntou se eu lavava muitas vezes as mãos ou usava creme hidratante. Lavo as mãos quando vou ao quarto de banho, quando cozinho, e antes de comer e sou péssima a hidratar as mãos, o que é doloroso no inverno porque chega a pele a ficar tão seca que estala. "Com que frequência pintas o cabelo?", perguntou ela. Uma vez por mês (devia ser mais porque o meu cabelo cresce depressa e eu tenho cabelos brancos). Não uso muitos produtos, diz ela, mas tenho de estudar os que uso porque é lá que está a resposta.

Às vezes, quando ando a surfar no YouTube, deparo-me com vídeos de instruções de como aplicar maquilhagem. Se estou muito aborrecida, vejo um e concluo que aquilo dá muito trabalho e é preciso meter muita mistela diferente na cara e as técnicas são muito estranhas "fazer o baking do pó?!?". No outro dia, ouvi uma história na Bloomberg acerca das exportações da Coreia do Sul, em que os produtos de beleza aumentaram para aí 73%. Na Coreia do Sul, eles têm um regime muito complexo, para aí com 10 ou 12 passos diferentes, só para limpar e hidratar a cara; nós no mundo ocidental temos uns quatro. Nestas coisas, acabo sempre a dizer a mim própria que há por aí umas santas, cheias de paciência, mas eu não me incluo nesse grupo. Devo usar maquilhagem talvez 10% do tempo e é tudo muito simples.

Reparei que a rapariga que me marcou a próxima consulta de dermatologia, ontem à saída, usava maquilhagem. Ela até tinha pestanas postiças coladas com cola nas pálpebras. Durante uns momentos, tive o meu momento WTF: aqui está esta gaja cheia de merda na cara e nenhuma alergia e aqui estou eu sem nada nada na cara e com as pálpebras todas em obras. Não percebo a eficiência desta alocação de alergias...

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A Complicação

Ora, ando a fazer o meu check-up médico. Ontem descobri que tinha quatro cistos num dos peitos e um fibroadenoma, que é um tumor benigno. Não se preocupem, isto não é nada de grave: sou demasiado ruim para morrer tão cedo; é apenas uma consequência de eu ter mamas boas, que dão um bocado de trabalho, inclusive complexos quando era mais jovem. Já agora, Outubro é o mês de sensibilização do cancro da mama nos EUA, aproveitem e vão fazer as sanduíches de mamas, também conhecidas por mamogramas.

Hoje foi dia de ir ao dermatologista, cujo gabinete é no Centro Médico. Estacionei numa rua perto do consultório, a Dryden, para não ter de pagar estacionamento. Para além das decorações de Outono e Halloween, encontrei apoiantes da Hillary -- Go Hillary!, como diz o LA-C. Nada vi a apoiar o Trump, mas tirei umas fotos para vos mostrar.

No rés-do-chão do edifício onde fui havia um quadro chamado "A Complicação". O meu diagnóstico também foi complicado: há algo no meu ambiente que me está a causar alergias na pele e tenho as pálpebras, que são uma parte da nossa pele muito sensível, irritadas, todas vermelhas e com escamas. E agora descobrir o que me causa alergia vai ser complicado. As dermatologistas (a especialista e a residente) disseram-me que tenho umas pernas todas boas ("great legs"). É por eu não gostar delas: como ando muito de calças, nunca apanham sol e não têm quase manchas solares nenhumas.

Conclusão: sou toda boa e alérgica a umas coisas desconhecidas.

domingo, 11 de setembro de 2016

Pensar bem

As minhas primeiras memórias são de andar na praia com a minha mãe. Apanhávamos e apreciávamos conchas e búzios, construíamos buracos na areia com muito cuidado para não desmoronarem, transportávamos água do mar no meu balde branco e azul claro. Ela chamava-me para eu prestar atenção às coisas mais insignificantes, como o tamanho das conchas, a sua cor, a sua forma. E, à medida que o tempo passa, interesso-me cada vez mais por insignificâncias.

Na praia, todas as minhas roupas eram de malha de algodão e o amarelo claro era uma cor que eu usava muito. Não sei muito bem o porquê de tanto amarelo, não sei se era uma das cores preferidas da minha mãe porque nunca cheguei a perguntar-lhe qual a sua cor preferida. A textura dos tecidos era igualmente importante. Havia um vestido de turco, com um fecho à frente, do qual eu gostava muito. Nessa altura, eu achava-me a bebé com mais estilo do mundo inteiro, mas o meu mundo não era assim tão grande.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Custos de saúde nos EUA

O Zuricher acha que a razão do aumento dos custos de saúde nos EUA é o Obamacare. Antes do Obamacare ser introduzido, os custos de saúde estavam a aumentar a uma taxa anual de 8% ao ano, mas os salários aumentam a uma taxa muito inferior. Quando eu trabalhava na Universidade do Arkansas, era comum receber e-mails por altura dos aumentos salariais em que a universidade dizia que em vez de dar um bom aumento de salário, iria absorver os custos do aumento do seguro de saúde. Nos EUA, o normal é recebermos o seguro de saúde pelo emprego e, se perdemos o emprego, temos direito a ter seguro de saúde pelo emprego durante um ano (é a lei COBRA), mas temos de pagar o custo total, ou seja, o custo que pagávamos quando tínhamos emprego mais o custo que a empresa tinha.

sábado, 11 de junho de 2016

O pai do bebé milagre

Li hoje a reportagem na Visão, acerca do bebé Lourenço Salvador que nasceu após a sua mãe ter entrado em morte cerebral. Não consegui formar opinião acerca de se o bebé devia ter nascido, ou não, dadas as circunstâncias tão únicas do caso. Sobreviveu à morte da mãe, o que é raro, e depois foi uma questão de se usar todo o conhecimento médico até então disponível -- e criar mais algum -- para ir controlando o seu desenvolvimento no útero da mãe. Como isto nunca havia sucedido na história da humanidade, o hospital S. José acabou por desenvolver um protocolo próprio para acompanhar esta gravidez.

Diz-nos a notícia que o hospital, por questões éticas próprias, discordou da opinião inicial do pai de terminar a gravidez e mandou-o para casa pensar melhor. Entretanto, fez um requerimento ao Ministério Público para impedir que o pai interferisse com os desejos do hospital. Estou bastante incomodada com isto. O pai tinha pleno exercício dos seus poderes, não estava incapacitado, logo o que leva um hospital decidir bloquear os seus direitos só porque entram em conflito com a ética do hospital? Acho que isto devia ser discutido para as pessoas estarem cientes dos seus direitos e das limitações destes dentro de um hospital.

Ainda não percebi se o interesse inicial da equipa médica por este bebé não foi uma questão de ser uma oportunidade única na medicina -- será que foi um desafio médico acima de tudo e este bebé é uma cobaia? Por ser um caso tão único e de ter tido sucesso, devia estar nos jornais e TVs de todo o mundo, mas parece que este milagre da medicina não está a ser muito publicitado internacionalmente, pois a principal referência internacional que encontro é do Mirror. Não percebo que não haja mais publicidade.

O segundo ponto que me incomoda é a custódia da criança. Duas semanas antes do bebé nascer, o pai assinou um acordo desistindo de ficar com a custódia da criança por ter dúvidas acerca de ter condições para cuidar da mesma. O acordo foi assinado numa sala com "a família e uma equipa de médicos de São José e da Maternidade Alfredo da Costa". O que é que o hospital e a maternidade têm a ver com isto e porque é que participaram neste processo? Acham que todos os acordos deste tipo são assinados nos hospitais e nas maternidades onde as mães são tratadas ou os bebés nascem e acompanhados pelas respectivas equipas médicas?

A avó materna e a tia (irmã da mãe) querem custódia da criança porque o pai, sendo homem -- obviamente -- e tendo tido dúvidas iniciais da sua capacidade para cuidar da criança (quem não as tem?), até porque antes do bebé nascer não se sabia bem que cuidados de saúde necessitaria, é considerado incapaz, pela família materna, de dar cuidados especiais a esta criança. Eu ia jurar que este homem vivia num país onde existe um estado social, logo toda a gente tem direito a uma vida com um mínimo de dignidade e ele receberia apoio do estado, não só financeiro, mas acompanhamento nos cuidados de saúde -- não é por isso que em Portugal o estado fornece a saúde?

Subsiste na minha cabeça outra dúvida: o que é que faz esta tia materna tão especial que a faz capaz de dar os tais cuidados especiais? Já teve algum filho que necessitava de cuidados especiais? Fez um curso? E que implicações tem isto para os pais cujos primeiros filhos necessitem de cuidados especiais? Se nunca foram pais e também não sabem, por experiência, o que requer uma criança que precisa de cuidados especiais, então deve o estado retirar-lhes a custódia porque há pessoas mais qualificadas para dar os tais cuidados especiais?

Imagine-se que tinha sido o pai que tinha morrido, e não a mãe. Será que o hospital, a maternidade, e a família do pai estariam tão interessados em que a mãe desistisse da criança? Se a família do pai exigisse que a mãe lhes desse a criança, o que é que nós diríamos? As mulheres querem ser iguais aos homens, mas a igualdade não é bem igual: querem ter mais direitos -- aqueles que os homens têm --, mas não querem que os homens tenham os mesmos direitos que as mulheres.

Nos EUA, não tenho qualquer dúvida de que o hospital já estaria com um processo de tribunal em cima. Haveria advogados pro-bono a ligarem para o pai, noite e dia...

terça-feira, 7 de junho de 2016

Os médicos e a assimetria de informação

"Mas a decisão está sempre nas mãos do doente, certo?
Em teoria sim. Mas a decisão do doente é normalmente determinada pelo que o cirurgião diz.

Os médicos são sempre honestos com os pacientes?
Nem sempre. Porque se é para operar um paciente que tem cancro, e sabemos que ele vai morrer, ainda assim operamos. Nunca devemos retirar-lhes a esperança. Temos de fazer um balanço entre dizer-lhes a verdade, mas não toda a verdade. Pode ser muito difícil. Se eu sei que um doente enfrenta uma morte horrível, que vai cegar, que o cérebro vai falhar, será que vale a pena contar-lhe esta verdade tão detalhada? Por isso, às vezes, temos de proteger os doentes da verdade."

Fonte: Henry Marsh, Observador

sábado, 14 de maio de 2016

Competição saudável

Para um mercado ser competitivo, o que leva a soluções eficientes, é necessário que não tenha falhas, como por exemplo:
  • externalidades negativas: custos não capturados pelo mercado,
  • barreiras de entrada: dificuldade em entrar no mercado e iniciar actividade,
  • assimetrias de informação: quando alguns participantes no mercado têm mais informação do que outros, e
  • bens públicos: bens que beneficiam a sociedade, mas que o mercado não produziria em quantidade suficiente.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

O exemplo dos EUA

Para quem defende um sistema de educação em que os contribuintes pagam e o sector privado fornece os serviços, vale a pena considerar que esse sistema é semelhante à forma como o sistema de saúde americano funciona: os doentes beneficiam dos serviços que são da responsabilidade de privados, mas quem paga aos privados é o estado, no caso dos programas Medicare/Medicaid, e as seguradoras. Os privados é que negoceiam com os fornecedores de medicamentos, máquinas, etc. Já na Europa, como há cuidados de saúde mínimos fornecidos pelo estado, que também incluem cuidados de prevenção, o estado negoceia com os fornecedores.

O mercado de medicamentos é especialmente interessante de considerar, pois é um mercado onde dominam multinacionais que vendem a muitos países, logo os resultados em termos de preços de medicamentos por país informa-nos acerca de como funciona a concorrência. Se a concorrência entre companhias no sector de saúde realmente assegura bons resultados em termos de preços, então seria de esperar que os americanos pagassem menos pelos medicamentos do que os outros países. Só que os resultados não suportam essa hipótese, como se pode verificar nesta peça da Bloomberg:

"We can no longer sustain a system where 300 million Americans subsidize drug development for the entire world," said Steve Miller, chief medical officer for Express Scripts Holding Co., the largest U.S. manager of prescription-drug benefits."

Fonte: Bloomberg

Para os que defendem liberdade de escolha, ela também não existe, pois no sistema americano, é comum ter de usar um medicamento específico pois apenas esse é coberto pelo seguro. Às vezes, o seguro recusa-se a cobrir medicamentos de marca receitados pelo médico porque há medicamentos genéricos disponíveis. Ora, se o genérico fosse um perfeito substituto do de marca por que razão não baixaria o preço do medicamento de marca de forma a que fosse indiferente para o seguro pagar por um ou outro? É isso que aconteceria numa economia com concorrência.

Talvez o economista João César das Neves nos queira explicar porque é que os resultados que ele prevê na teoria não se concretizam na prática.