sábado, 11 de junho de 2016

O pai do bebé milagre

Li hoje a reportagem na Visão, acerca do bebé Lourenço Salvador que nasceu após a sua mãe ter entrado em morte cerebral. Não consegui formar opinião acerca de se o bebé devia ter nascido, ou não, dadas as circunstâncias tão únicas do caso. Sobreviveu à morte da mãe, o que é raro, e depois foi uma questão de se usar todo o conhecimento médico até então disponível -- e criar mais algum -- para ir controlando o seu desenvolvimento no útero da mãe. Como isto nunca havia sucedido na história da humanidade, o hospital S. José acabou por desenvolver um protocolo próprio para acompanhar esta gravidez.

Diz-nos a notícia que o hospital, por questões éticas próprias, discordou da opinião inicial do pai de terminar a gravidez e mandou-o para casa pensar melhor. Entretanto, fez um requerimento ao Ministério Público para impedir que o pai interferisse com os desejos do hospital. Estou bastante incomodada com isto. O pai tinha pleno exercício dos seus poderes, não estava incapacitado, logo o que leva um hospital decidir bloquear os seus direitos só porque entram em conflito com a ética do hospital? Acho que isto devia ser discutido para as pessoas estarem cientes dos seus direitos e das limitações destes dentro de um hospital.

Ainda não percebi se o interesse inicial da equipa médica por este bebé não foi uma questão de ser uma oportunidade única na medicina -- será que foi um desafio médico acima de tudo e este bebé é uma cobaia? Por ser um caso tão único e de ter tido sucesso, devia estar nos jornais e TVs de todo o mundo, mas parece que este milagre da medicina não está a ser muito publicitado internacionalmente, pois a principal referência internacional que encontro é do Mirror. Não percebo que não haja mais publicidade.

O segundo ponto que me incomoda é a custódia da criança. Duas semanas antes do bebé nascer, o pai assinou um acordo desistindo de ficar com a custódia da criança por ter dúvidas acerca de ter condições para cuidar da mesma. O acordo foi assinado numa sala com "a família e uma equipa de médicos de São José e da Maternidade Alfredo da Costa". O que é que o hospital e a maternidade têm a ver com isto e porque é que participaram neste processo? Acham que todos os acordos deste tipo são assinados nos hospitais e nas maternidades onde as mães são tratadas ou os bebés nascem e acompanhados pelas respectivas equipas médicas?

A avó materna e a tia (irmã da mãe) querem custódia da criança porque o pai, sendo homem -- obviamente -- e tendo tido dúvidas iniciais da sua capacidade para cuidar da criança (quem não as tem?), até porque antes do bebé nascer não se sabia bem que cuidados de saúde necessitaria, é considerado incapaz, pela família materna, de dar cuidados especiais a esta criança. Eu ia jurar que este homem vivia num país onde existe um estado social, logo toda a gente tem direito a uma vida com um mínimo de dignidade e ele receberia apoio do estado, não só financeiro, mas acompanhamento nos cuidados de saúde -- não é por isso que em Portugal o estado fornece a saúde?

Subsiste na minha cabeça outra dúvida: o que é que faz esta tia materna tão especial que a faz capaz de dar os tais cuidados especiais? Já teve algum filho que necessitava de cuidados especiais? Fez um curso? E que implicações tem isto para os pais cujos primeiros filhos necessitem de cuidados especiais? Se nunca foram pais e também não sabem, por experiência, o que requer uma criança que precisa de cuidados especiais, então deve o estado retirar-lhes a custódia porque há pessoas mais qualificadas para dar os tais cuidados especiais?

Imagine-se que tinha sido o pai que tinha morrido, e não a mãe. Será que o hospital, a maternidade, e a família do pai estariam tão interessados em que a mãe desistisse da criança? Se a família do pai exigisse que a mãe lhes desse a criança, o que é que nós diríamos? As mulheres querem ser iguais aos homens, mas a igualdade não é bem igual: querem ter mais direitos -- aqueles que os homens têm --, mas não querem que os homens tenham os mesmos direitos que as mulheres.

Nos EUA, não tenho qualquer dúvida de que o hospital já estaria com um processo de tribunal em cima. Haveria advogados pro-bono a ligarem para o pai, noite e dia...

49 comentários:

  1. 1) Excelente artigo.

    2) Não, não é verdade que "isto nunca havia sucedido na história da humanidade". A complicação acrescida foi o tumor da suprarrenal, mas fora isso já se fez antes:

    http://ionline.sapo.pt/artigo/513046/morte-cerebral-estiveram-um-tempo-recorde-na-barriga-das-maes-e-cresceram-saudaveis?seccao=Portugal_i

    3) E, inclusivamente, a história de Abu Dhabi tem alguns contornos semelhantes, na ambivalência do pai em relação à criança, e na família alargada que se chega à frente:
    "Primeiro o pai chegou a dizer que não queria o filho, mas mais tarde acabou por aceitá-lo. “É preciso perceber que é um choque enorme, havia a perda da mulher que nos primeiros tempos pesou mais.”
    Um tio acabou por mostrar-se sempre disponível e apoiar a equipa médica e a criança tem sido criada por estes familiares."

    3) E sim, nos EUA (Texas) já houve uma batalha legal num caso semelhante mas com contornos diferentes (a legislação existente impedia que se desliguem as máquinas a uma grávida, mesmo que tivesse em vida manifestado essa vontade; por outro lado, o feto aparentava malformações):
    https://en.wikipedia.org/wiki/Death_of_Marlise_Mu%C3%B1oz
    (não sei se o link funciona, o nome da mãe é Marlise Muñoz)

    4) Palpita-me que, independentemente do nascimento extraordinário desta criança, o que se vai passar a seguir não tem nada de extraordinário, infelizmente: uma batalha jurídica em que um pai e uma família materna duma criança órfão de mãe vão discutir em tribunal a sua tutela; a única coisa fora do vulgar é que o MP está envolvido desde o nascimento (mesmo antes, aliás).

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    1. Obrigada duplamente, Isabel -- pelo elogio e pela informação disponibilizada.

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  2. A não ser que haja algo de extraordinário que não conhecemos, e pode haver, a criança vai para o pai. Protestem os avós e os tios e mais não sei quê à vontade (tal como é seu direito).

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    1. Eu acho bem que sim, mas sinto que este pai vai ter uma grande luta pela frente...

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    2. Como te disse, pode haver motivos que desconheçamos; não havendo nada de especial, a criança é do pai.

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  3. Curiosamente, eu que digo muitas vezes que antes queria ser mineiro de fundo que membro dum comité de ética, não tenho dúvidas nenhumas em celebrar o nascimento desta criança. Que vida terá pela frente, isso não se sabe, mas é sempre a mesma interrogação com que se deparam as crianças que trazemos ao mundo.

    E há outras coisas em que não estou em consonância consigo, Rita: não me passa sequer pela cabeça que a motivação do hospital fosse fazer uma experiência e publicar uns bons papers (embora já tenha ouvido algumas pessoas pôr a questão nesses termos). Eles tinham uma vida em potência à frente deles e fizeram o melhor que souberam para a levar a bom termo. Se estivessem numa de ficar no Guinness tinham esperado mais 4 dias e batiam o record. Acho que podem estar orgulhosos dum trabalho muito difícil muito bem feito.

    Quanto ao pleno exercício dos poderes do pai... não sei exactamente quais são, neste caso (até ao nascimento, entenda-se). (Aliás, pelo que percebi, nem sequer a mãe teria plenos poderes para terminar a gravidez, uma vez que já tinha passado o prazo legal para isso, o que foi, aparentemente, um dos argumentos invocados pela comissão de ética). Ainda por cima, num momento em que a legislação tende a esvaziar imenso o papel do pai na concepção e na gestação... é de facto uma história interessante e, pelo que percebi, muito desconfortável para muita gente.

    Eu também acho que a criança vai ser entregue ao pai. Seria preciso uma decisão do tribunal de menores para a entregar a outra pessoa qualquer, o que aliás não seria nada de novo. O que há mais para aí são pais e mães indignos, mas é preciso provar que o são, claro. E, nestas coisas, há muitas histórias muito feias. (Não quero fazer juízos baseada em artigos de jornal, mas devo dizer que fico sempre nervosa quando ouço alguém dizer que uma criança vai dar rumo à sua vida; também não é nada que não tenha já acontecido e acaba tudeo em bem, mas fico nervosa, prontos!)

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    1. A notar pela ausência de publicidade internacional que o caso está a ter, acho que há bastantes questões éticas que não são muito claras...

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    2. O que está em causa, no plano ético, é uma questão que está sem solução desde há cerca de meio século, e em todo o Mundo. Até à presente data nem a Neurologia, nem a Psiconeurologia vieram ajudar a resolver a questão. A hipótese mais aceite é a usada neste caso - ninguém decidir sòzinho e ter-se a decência de abordar o assunto com um pouco de resguardo, porque a ética utilitária leva a resultados chocantes. É impossível evitá-la totalmente mas não há nada para publicitar

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    3. Rita, o caso já é notícia em Inglaterra, através do tablóide "Daily Mirror".

      http://www.mirror.co.uk/news/world-news/first-picture-miracle-baby-born-8175931

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    4. Na verdade, o caso também foi notícia no Reino Unido pelo menos no The Guardian (https://www.theguardian.com/world/2016/jun/08/baby-born-to-brain-dead-mother-in-portugal), na BBC (http://www.bbc.com/news/world-europe-36475665) e no the Telegraph (http://www.telegraph.co.uk/news/2016/06/08/miracle-of-baby-born-to-brain-dead-mother-who-survived-record-15/).

      E, na Alemanha, foi notícia pelo menos no Frankfurter Allegemeine (http://www.faz.net/aktuell/gesellschaft/baby-von-hirntoter-mutter-in-portugal-geboren-14275772.html) e no Die Zeit (http://www.zeit.de/news/2016-06/08/portugal-baby-von-hirntoter-mutter-in-portugal-geboren-08094804). Também surgiu no canal franco-alemão Arte (mas não encontro link).

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    5. Sim, parece-me temerário invocar uma suposta ausência de publicidade internacional (e a existir, num tablóide) para presumir que são os problemas éticos que a causam. Também já vi gente a incomodar-se com a utilização mediática... Preso por ter cão, preso por não ter, bom é acabar.

      Devo dizer que em todos os artigos na imprensa internacional que li sobre casos anteriores (foram alguns, mas não dezenas), nunca vi menção de questões éticas. Mas claro, eram artigos perfeitamente generalistas da imprensa generalista.

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  4. Rita,
    1. Antes de nascerá criança não é do pai, esteterá direitos de proteção do feto mas não uma relação total de parentalidade. Basta lembrar que em caso de IVG o pai não tem intervenção.
    2. O MP em Portugal é obrigado a garantir os direitos de protecção do feto (na falta de personalidade
    jurídica deste) e na falta da mãe. Parece-me correcto a tomada de posição após a consulta aos médicos e comissão de ética.
    3. Não é um enorme avanço na medicina mundial, mas é único em Portugal.
    4. Posso compreender o facto do pai, após a morte da mulher nas circunstâncias descritos, ter o afastamento que teve. Legalmente terá o direito sobre o filho, teria de ser muito grave para ir para familiares...

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    1. O pai não ter direitos antes do filho nascer incomoda-me porque, como eu disse, tem menos direitos do que uma mulher. Obrigada pelos esclarecimentos. :-)

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    2. Rita, estamos a ir cada vez mais nesse sentido... Eu só estou à espera que, um dia destes, os homens comecem a fazer pressão para poderem procriar sem ter "uma mulher a tiracolo" (estou a citar um tweet, mutatis mutandis). Tecnicamente, estou convencida de que é uma questão de tempo (e de vontade).

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    3. O feto só é sujeito de direitos depois de nascer - a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento. E, depois deste, são direitos da criança, não são direitos dos pais. Os pais não são donos.

      O que faz confusão a alguns, e é bem controverso,é que uma mãe possa pôr termo a uma gravidez, por si mesma, sem que o pai possa intervir, ou mantê-la, idem. E não digo o resto, porque seriam demasiadas coisas em pouco tempo.

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    4. Essa desigualdade sempre me incomodou bastante, mais desde que sou pai.

      Como concilia esse incómodo com a IVG?

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    5. Seriam mesmo demasiadas coisas ao mesmo tempo. Desculpe.

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    6. É isso mesmo, Isidro. Esta história vem muito ao arrepio das mais recentes tendências culturo-legislativas e eu penso que é uma das razões do desconforto visível no silêncio da blogosfera.

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    7. Eu não consigo escrever sobre o uso de um cadáver como incubadora. Simplesmente, não sei o que escrever nem sei explicar o que sinto. Daí o meu silêncio.
      Mas a comissão de ética parece-me ter estado muito mal, mas, realmentem não consigo escrever sobre o assunto.

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    8. Isabel, os homens já procriam sem companheiras: usam barrigas de aluguer. O Michael Jackson e o Ricky Martin foram pais assim. No lado das mulheres, as coisas também são criativas: Melissa Etheridge, que é gay, pediu a David Crosby para doar esperma para ela ter filhos com a sua companheira--teve dois. Depois a Melissa trocou de companheira e usou um dador de esperma anónimo para ter outro filho.

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    9. Rita Carreira: "O pai não ter direitos antes do filho nascer incomoda-me porque, como eu disse, tem menos direitos do que uma mulher."

      Isidro Dias: "O que faz confusão a alguns, e é bem controverso,é que uma mãe possa pôr termo a uma gravidez, por si mesma, sem que o pai possa intervir, ou mantê-la, idem."

      Essa diferença de direitos não será o simples contraponto de, até ao nascimento, a mãe (em quase todos os animais viviparos) ter, por força da biologia, mais deveres?

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    10. Sim, Miguel, quem defende que o feto faz parte do corpo da mãe defenderá, com naturalidade que ela, sozinha, pode decidir sobre o feto enquanto parte do seu corpo.

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    11. Mesmo para quem considere o feto como um organismo distinto, faz diferença a diferente interação biológica do feto com a mãe e com o pai, no que diz respeito à IVG - veja-se, p.ex., o argumento rothbardiano que legitima o aborto como o direito de expulsar um intruso da sua propriedade (um feto não está necessariamente em propriedade do pai, mas está quase forçosamente na da mãe); ou, mais convencionalmente, o caso de aborto por razões de saúde da mãe (não é muito fácil imaginar aborto por razões de saúde do pai).

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  5. "Como isto nunca havia sucedido na história da humanidade"
    - Há mais casos destes, inclusive em Portugal e também noutros países. A duração deste caso é que foi uma das maiores.

    "Fez um requerimento ao Ministério Público para impedir que o pai interferisse com os desejos do hospital"
    - É uma precaução normal que qualquer cidadão poderia desencadear se o hospital não o fizesse. Isto porque, quando se trata da vida, Portugal não é "o da Joana" (sem ligar ao nome da PGR, que se chama Joana)

    "A custódia da criança"
    - Cabe ao pai. O resto são tretas.

    "A avó materna e a tia (irmã da mãe) querem custódia da criança"
    - A criança tem pai, não tem donos.
    PS
    Quanto a ter nascido, e ao modo seguido pelo hospital para decidi-lo, tratou-se de respeitar a vontade da mãe. Quanto a ter havido decisões através de uma Comissão e não de uma pessoa é uma situação evidente, na qual o Hospital esteve muito bem. É chocante, mas só pode ser assim.

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    1. Como disse, não consigo formar opinião acerca do que seria a solução perfeita dadas as circunstâncias do caso, mas não me sinto muito confortável com tudo o que foi feito.

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    2. Só um "saco de plástico" poderia estar "confortável", Rita.

      O desconforto e o conforto não são bens absolutos, nem cataclismos. Bem... Quase o são nos EUA do Pensamento Positivo e em quaisquer equivalentes, onde existem, como igualmente acontece por cá.

      É que a questão ética é um problema com 50 anos de idade, no qual nem a neurologia ajudou nada até ao presente. É por isso que algumas decisões não podem ser tomadas por uma pessoa sòzinha.

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    3. Isidro, julgo que, neste caso, a mãe não tem vontade. Ela não deixou nada escrito antes de morrer, logo não temos a vontade da mãe, temos apenas o que a família da mãe diz ter sido a sua vontade. Acho que, quando a mãe foi ao médico e soube que o tumor tinha regressado, alguém a devia ter aconselhado a fazer um testamento.

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    4. "neste caso, a mãe não tem vontade"

      - Rita, num hospital, e passado algum tempo de observação, os enfermeiros e os médicos conhecem a vontade dos doentes e, no que li, é o que aconteceu. A família pode saber ou não saber mas, em alguns aspectos, o médico tem se saber por si mesmo, face ao contacto directo com o doente. Não é com base no que lhe dizem ou disseram que disseram. É o que vê e ouve, por si mesmo, o que foi expresso na sua presença e é aqui que começa a necessidade de os hiatos serem supridos por uma Comissão de Ética como a que foi convocada.

      "quando a mãe foi ao médico e soube que o tumor tinha regressado, alguém a devia ter aconselhado a fazer um testamento"

      - Um procedimento de "consentimento informado" pode, por hipótese, incluir esse tipo de passo. Não é verosímil que tenha havido condições para tanto. E, independentemente de todas as regras, existem a decência e as qualidades humans tradicionais.

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    5. Isidro, permita-me uma pergunta, por favor. Apenas por curiosidade minha dado que sobre o assunto em particular não tenho opinião nem conhecimentos e sensibilidade suficientes para formar uma.

      O conhecimento a que alude, obtido pelos médicos e enfermeiras no seu contacto diário com o doente, mesmo os desejos expressos pelo paciente, substituem algum escrito anterior e a vontade dos familiares?

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    6. Zuricher, tenho a mesma dúvida. Neste caso, a mãe foi acompanhada no Hospital Curry Cabral, logo os médicos do Hospital S. José não tiveram contacto com ela quando estava em pleno uso das suas faculdades, pois quando lá chegou já estava em coma.

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    7. O meu palpite é que, apesar de se falar muito da vontade da mãe, a comissão de ética se baseou no facto de já estar ultrapassado o prazo legal em que a mãe podia decidir sobre a matéria. É o que eu entendo desta frase da intensivista no Expresso: "A criança foi considerada pela comissão uma entidade jurídica independente.".

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    8. Zuriquer, não sei responder à sua questão.

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    9. Se ela não deixou vontade expressa, para um lado ou para o outro, parece-me razoável que se opte pelo critério de, na dúvida, salvar pelo menos uma vida - ainda mais se fizermos uma analogia com a legislação de doação de órgãos, em que se considera que alguém é dador a menos que se diga explicitamente não-dador (aqui não se trata de dar órgãos, mas de emprestar o corpo para servir de incubadora, mas penso que há semelhanças entre as duas situações)

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  6. Esta é uma história tenebrosa. Resta saber que danos psicológicos terá a criança por ter estado meses na barriga da mãe morta. A imprensa, devido a algumas reacções negativas nas redes sociais, publicou que as enfermeiras esfregavam a barriga da mãe para dar calor humano ao feto, mas isso não é a mesma coisa. Há "avanços" científicos, mesmo que feitos com "boa" intenção, que não auguram nada de bom.

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    1. Psicológicos e sem ser psicológicos. Ainda ninguém garantiu que a criança não tem sequelas neurológicas.

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    2. E as dezenas de crianças que são agora recuperadas às 24 semanas com 50% de viabilidade e dessas, com uma percentagem altíssima de sequelas neurológicas?

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    3. "Resta saber que danos psicológicos terá a criança por ter estado meses na barriga da mãe morta. A imprensa, devido a algumas reacções negativas nas redes sociais, publicou que as enfermeiras esfregavam a barriga da mãe para dar calor humano ao feto, mas isso não é a mesma coisa. "

      Há algum estudo sério e credível que indique que, durante a gravidez, há alguma espécie de resposta emocional dos fetos em relação às mães (e não apenas mães a responderem emocionalmente aos fetos)?

      É que isso parece tão difícil de provar, e o mesmo tempo uma hipótese tão tentadora em termos de "feel good", que me parece algo na mesma divisão que ideias como "as plantas têm sentimentos e crescem melhor se falarmos calmamente com elas" ou "quando um animal sabe que vai morrer, assusta-se e o seu corpo produz toxinas que tornam a sua carne impropria para consumo" (tudo coisas muito populares em certas revistas ou sites da nete, mas que me parecem ter muito de "mumbo jumbo")

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    4. De certo modo, e a bem da nóvel legislação sobre gestação de substituição, espero que, a haver estudos sérios e credíveis, os resultados sejam negativos.

      (Por acaso em relação aos animais de matadouro há uma especialista mundial, uma senhora com Asperger chamada Temple Grandin a quem pagam pipas de massa para desenhar matadouros em espiral para minimizar o strss dos bichos. Espero que tenham feito estudos sérios e credíveis antes disso.)

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    5. https://www.sciencedaily.com/releases/2011/11/111110142352.htm

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    6. Interessante. Pelos vistos, faz bem que a mãe tenha um estado emocional consistente durante ou depois da gestação (ou sempre deprimida, ou sempre não-deprimida) - pode ser um argumento poderoso contra a maternidade de substituição (já que aí é muito provável que a mãe com quem a criança vai viver tenha um estado emocional diferente da "mãe" em que o feto se desenvolveu); já neste caso, talvez não haja problema (estava morta antes, continua morta depois - maior consistência é difícil; bem, haverá o perigo de os medicamento e o suporte de vida terem simulado um estado emocional que depois não vai ter correspondência real, provocando então a tal dissonância).

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  7. Isabel PS: «Curiosamente, eu que digo muitas vezes que antes queria ser mineiro de fundo que membro dum comité de ética, não tenho dúvidas nenhumas em celebrar o nascimento desta criança. Que vida terá pela frente, isso não se sabe, mas é sempre a mesma interrogação com que se deparam as crianças que trazemos ao mundo.«

    Saúdo este texto, o melhor que aqui li. Devemos sempre celebrar a vida, e acho extraordinário alguém arrogar-se o direito de decidir sobre a morte alheia.

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    1. Decide-se todos os dias sobre a morte alheia. Entra num hospital e fala com enfermeiros e médicos ou vai visitar os bombeiros e eles informar-te-ão das decisões que tomam todos os dias e das quais depende a vida alheia.

      Agora que o bebé nasceu e parece estar bem, todos celebram a sua vida. Gostaria de saber se haveria a mesma celebração se o bebé tivesse nascido com sérios problemas de saúde. Mesmo assim, ainda não temos a certeza se é realmente saudável.

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    2. "... aquilo que estabelecemos foi que, se houvesse uma situação de perigo extremo, uma paragem cardíaca ou qualquer intercorrência, que a situação pararia ali"
      Ana Campos, directora clínica ajunta da MAC, ao Sol

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  8. Numa cadeira de Direito para estudantes de Gestão certo professor, advogado activo em Portugal, perguntou aos estudantes que decisão tomariam caso tivessem de evitar certo choque entre comboios. Uma vez que apenas poderiam salvar um deles ou nenhum, que escolheriam: (i) desviar para o abismo um comboio de mercadorias, cuja carga, muito valiosa, seria definitivamente perdida ou (ii) ou um comboio de passageiros, muitos dos quais teriam morte certa ou ferimentos muito graves?
    #A certa altura parecia que todos estavam de acordo em salvar as pessoas.

    Então alguém colocou a seguinte questão:
    #"E o agulheiro? Conseguirá ver aceite a sua razão ou terá de afectar o seu ordenado do resto da vida a pagar a carga de mercadorias pela qual vai ser processado?

    Indo mais perto do nascituro, a formulação, em termos de experiências de pensamento, desde há meio século é, condensadamente, a seguinte:

    (1) Um comboio vai trucidar cinco pessoas que estão numa linha. Tudo o que está nas mãos do agulheiro é a possibilidade de desviar o comboio para outra linha na qual trucidará uma pessoa em vez de cinco.

    #Consta que a maior parte das pessoas a quem a pergunta é feita seriam capazes de decidir o que fosse necessário para minimizar o número de mortes.

    (2) Um comboio vai trucidar cinco pessoas e a única possibilidade de evitá-lo está numa alavanca, por baixo de uma ponte, sobre a qual há dois homens, um magro e outro gordo. Se o homem magro cair sobre a alavanca morrerá sem conseguir parar o comboio, porque não tem peso suficiente. Se, isso acontecer com o homem gordo, o seu peso permitirá bloquear a alavanca, accionando os travões do comboio – ele morrerá, salvando cinco pessoas. Dado que o homem gordo não é suicida, ele só cairá à linha se for empurrado pelo homem magro.

    A questão que tem sido formulada é quem seria capaz de matar o homem gordo, empurrando-o para a linha, com o objectivo de salvar cinco pessoas.

    #Ao contrário da experiência anterior, a maior parte das pessoas não escolheriam entre morrer um ou morrerem cinco. Nada fariam.

    Dado que nem com ajuda da neurologia e da psico-neurologia se sabe o porquê desta diferença de escolha, uma das hipóteses mais aceites é que as pessoas não estão dispostas a matar directamente.

    #Então, sob esta hipótese, a solução que tem sido dada é a de nunca colocar ninguém no papel de decidir sozinha uma situação desta natureza, e que, quando muito, exista uma decisão colegial.

    #Deduzo que foi sob esta racionalidade que se processou a deliberação hospitalar apreciada mais acima e, a favor da minha percepção estão as palavras da médica que referiu a necessidade de não deixar o peso da decisão sobre ninguém específico.

    Pois... As qualidades humanas tradicionais contam muito e, com um pouco de técnica, valem muito mais.

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    1. Isidro, estou convencida de que a questão que expõe se põe com bastante frequência aos médicos (ainda um dia destes li um artigo sobre mulheres grávidas a quem é diagnosticado um cancro e em que os tratamentos que existem podem ser deletérios para o feto). Não me parece que seja este o caso. A mãe estava para lá de qualquer ajuda, não se pôs a escolha entre duas vidas. Só havia uma a salvar, eventualmente.

      Neste caso eu só vejo uma questão ético/jurídica espinhosa: a atribuição de "personalidade" jurídica a um feto (ponho entre aspas porque não sei se é a palavra correcta). O avançar ou não avançar com uma gravidez, o correr riscos de sequelas, etc, é um problema que se põe todos os dias em obstetrícia (dei o exemplo das crianças no limite da viabilidade, cuja taxa de sequelas neurológicas é enorme; tenho a ideia de que em certos Estados americanos é obrigatório tentar a sobrevivência, não sei se em Portugal as orientações são tão precisas).

      Quanto ao resto, eu reconheço que sou particularmente indiferente a cadáveres, mesmo das pessoas que me são mais queridas. É-me completamente indiferente que se prolonguem as funções vitais de uma pessoa em morte cerebral por 4 horas para colher órgãos ou por 4 meses para levar uma gravidez a termo. Se um dia se inventar uma técnica que exija manter as minhas funções vitais durante um ano para ser útil a alguém, façam favor. Mas lá está, é por isso que eu preferia ser mineiro de fundo a ser membro dum comité de bioética.

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  9. Isabel, a personalidade jurídica é adquirida no nascimento. Todavia, antes dele, também há bens jurídicos a proteger e é disso que cuidaram os médicos, inclusive de modo a prevenirem-se de equívocos e de processos judiciais. Quanto ao que cada um faz bem, depende do que tiver estudado e aprendido.

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  10. http://expresso.sapo.pt/dossies/diario/2016-06-15-Uma-facanha-extraordinaria-como-a-etica-fez-nascer-o-bebe-esperanca

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    1. Tratarem o pai como uma inconveniência continua a deixar-me chateada. Esta entrevista tem muitas coisas que me chateiam. Dizer que uma gravidez destas não tem nenhum custo a não ser tempo e a utilização de uma máquina é, no mínimo, desonesto.

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    2. Não sei exactamente o que diz a lei no caso de o pai e a mãe terem opiniões diferentes em relação a um feto com trissomia 21, por exemplo. Palpita-me que é a opinião da mãe que prevalece. Estas histórias-limite são interessantes porque nos fazem pensar nas leis que existem e que nós ignoramos olimpicamente.

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