domingo, 26 de junho de 2016

A “Europa” dos vencedores

Por toda a Europa, grande parte das elites vertem lágrimas de tristeza pelo Brexit. São lágrimas sinceras. Pudera, sempre foram eles os grandes beneficiados do processo de integração europeia. Viajam livremente pelas capitais europeias, têm acesso a “projectos” e a dinheiros europeus. A “Europa” é um pólo magnético para os seus cidadãos de maior êxito, para os vencedores. Desgraçadamente, suspeito que não é esse o sentimento de uma larga maioria de cidadãos, os que vivem afastados dos centros abastados, os perdedores, os desvalidos, os desprezados. Para estes, a “Europa” é uma abstracção administrativa ou, na melhor das hipóteses, são uns senhores lá em Bruxelas ou Frankfurt ou coisa que o valha que parecem ditar as regras e ameaçar com castigos os mal-comportados. Os castigos até podem ser justos, mas o povo desconfia, cada vez mais, desta gente que não lhe diz nada e em quem não votou. O problema é que a “Europa” não aprende. Basta ver a soberba e a arrogância com que são tratados os que votaram pelo Brexit: coitadinhos, são uns atrasados, uns reaccionários, uns falhados, a quem nunca devia ter sido dada a oportunidade de votar. A arrogância e a soberba dos “vencedores” estão a matar a “Europa”.

12 comentários:

  1. Brilhante escrito, José Carlos Alexandre. Muito bom, mesmo. Posso roubar e, com os devidos créditos, incluir numa pequena mailing list (somos 6,7) muito restrita de amigos pessoais?

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    1. Claro que sim, caro Zuricher, disponha sempre.

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    2. Todos os posts da Destreza são públicos. Podem ser copiados e espalhados que todos agradecemos. Apenas pedimos que o devido crédito seja atribuído, naturalmente.

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  2. Caro José Carlos Alexandre:
    Qualquer taxista que seja adversário acrisolado da Uber não descreveria a UE melhor do que acabou de fazer.
    Se me permite, sugiro-lhe que leia o artigo do Prof. Luís Cabral, no Caderno de Economia do Expresso, «UE, um projecto de sucesso», que é o texto mais verdadeiro e lúcido que li ultimamente sobre a UE e o embuste dos discursos pretensamente críticos, normalmente bastante acéfalos, que se têm generalizado.
    Independentemente de a UE dever ser criticada e permanentemente escrutinada, como todas as instituições, entidades ou responsáveis políticos.
    Mas deitar fora o bebé com a água do banho por esta ter sujidade a mais não me parece ser um acto muito sensato.
    O escritor Mário de Carvalho diria que é preciso não confundir o Manuel Germano com o Género Humano.
    Se calhar houve banhos a menos, escrutínio a menos, quero eu dizer.
    E quem dá os banhos ao bebé não são os responsáveis pela UE: somos nós todos.

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    1. Adenda ao meu comentário anterior:
      Esqueci-me de acrescentar que só teremos a prova do que serão as nossas vidas sem a UE acabar, por exemplo, por via deste pontapé de saída que foi o Brexit.
      Mas duvido que, quem não consegue comparar o que viveu antes de 1986 com o que tem vivido desde essa data (achando que vivemos muito pior e que o país está também em pior situação quanto a desenvolvimento, não falo em dívidas) consiga, se tal situação ocorrer, achar a nova situação incomensuravelmente pior.
      As convicções baseadas no argumento «porque sim» são muito fortes.
      Até parece que, quem votou sucessivamente em C. Silva, A. Guterres, D. Barroso, J. Sócrates, P. Coelho, finalmente em P. Coelho, mas sem lhe dar as condições para governar em maioria, num contexto em que governar em minoria é quase impossível (1), não tem responsabilidades nenhumas em parte dos motivos que nos conduziram à fragilidade financeira e negocial em que estamos na UE e no mundo.
      (1) O que gerou a Geringonça, solução normal em muitíssimos países da cultura política ocidental em que nos integramos, e com quem gostamos de nos comparar ao lamentarmos a nossa situação, desde a Austrália ao Canadá, passando por praticamente todos os países do Centro e Norte da Europa.

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    2. Tenho algumas dúvidas sobre estas afirmações. Conheço muitos emigrantes portugueses na Alemanha da primeira vaga, que me contam horrores sobre a vida deles nos anos 60 e 70. Sei por exemplo de uma mulher que não podia ir viver com o marido, porque no bairro onde este vivia já não deixavam entrar mais nenhum emigrante. E duvido que se possa chamar "elite" a pessoal das obras e das limpezas.
      Também tenho muitas dúvidas sobre essa tal desconfiança em relação à Europa. Tenho ouvido em Portugal muita gente a desconfiar bem mais daqueles em quem votou do que da Angela Merkel ou até do Wolfgang Schäuble.
      Já em relação à arrogância com que tratamos os eleitores britânicos: isso aí, sem dúvida.

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  3. A UE é criticável, mas os eleitorados também são, ou acha que o povo tem sempre razão? Se em 2017 a Le Pen vencer as presidenciais francesas vamos estar todos a louvar o "processo democrático" em França? Tenham dó!

    Tornou-se moda elogiar tudo o que seja voto anti-UE, seja qual for o móbil, mas eu não alinho nisso.

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    1. Caro In Fact, não se trata de achar que o povo tem sempre razão, de todo em todo. Trata-se, sim, de respeitar o processo democrático. Eu não sou democratico nem deixo de ser. Consoante os sítios específicos defendo governos totalitaristas ou democráticos, governos mais assim ou mais assado. Depende da sociedade especifica. Mas, e nisso noto uma enorme diferença entre mim e os supostos democraticos; Onde ela existe, respeito-a e aos seus resultados. Mesmo ganhando a FN em França e também se ganhasse o PCF. Ou só se é democrático quando ganha quem nós queremos? E isto nada tem a ver com o povo ter sempre razão. Tem a ver com aceitar a democracia com todas as suas virtudes mas também com todos os seus defeitos. Agora, isso sim; as consequências caem em cima dos eleitores, escolham eles bem ou mal. É precisamente por isto que não tenho grande pena dos Venezuelanos e das agruras pelas quais estão a passar. Em 1998 decidiram pôr no poder um comunista, ou seja, alguém que não é democrata, não foi? Bem, agora estão a pagar a factura da sua estupidez. Mas dado ter sido algo feito por eles próprios, pois é justo que paguem eles a factura.

      Ao longo da vida tenho reparado repetidas vezes que eu que assumidamente não sou democrático tenho mais respeito e maior noção de convivência democrática do que aqueles que apregoam a democracia e o deixar falar o povo e blabla afim. Neste caso do Brexit uma vez mais verifico isso...

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  4. Acho que tem alguma razão mas não toda. Lembro-me de estar em casa duma amiga minha em França, perto de Genebra, a seguir a umas eleições em que o FN tinha dado um salto, nomeadamente na zona dela, eminentemente agrícola. Um dos grandes argumentos do FN era, naturalmente, ser anti-UE, a instância donde vinham os milhões de subsídios da PAC feitos à medida da agricultura francesa...

    Independentemente de outras considerações, acho que estamos a pagar o preço do desporto favorito de todos os governos: tudo o que é bom ou corre bem é mérito deles, tudo que é chato ou corre mal é culpa de Bruxelas. Dá muito jeito até que deixa de dar.

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  5. A grande questão é que não se põe só na "Europa". É possível ter um sistema politico em que uma grande maioria da população se vê como "perdedores" das politicas decididas pelos "vencedores" e ainda assim manter as regras de um sistema democrático? A questão "europeia" é mais facilmente explosiva porque de facto é fácil (mesmo que incorreto) dizer que não existem mecanismos democráticos para os "perdedores" se fazerem ouvir. Mas o mesmo problema ocorre num sistema nacional.

    A evolução económica do final do Sec. XX e deste Sec. XXI criou um número significativo de pessoas que neste momento se sentem sem esperança mas tem a lembrança de um momento em que não estando necessariamente melhores em termos económicos tinham a esperança de melhorar. Ainda por cima, para todos nós a memória permite-nos sempre esquecer os problemas do passado, o que torna fácil idealizá-lo.

    Acresce que os "vencedores" compreendem que a sociedade é um mecanismo demasiado complexo (e cada vez mais complexo) para permitir soluções efectivas simples, e são capazes de se adaptar a esses mecanismos (frequentemente tirando partido de desigualdades em sistemas supostamente igualitários), enquanto os "perdedores" percebem demasiado bem que as soluções complexas que são propostas nunca lhes fornecem o nível de satisfação desejado enquanto os "outros", os "vencedores" vão conseguindo melhorar. Assim, não é de admirar um propósito nihilista, de destruir os sistemas complexos, para os tentar substituir pelos sistemas simples que eles idealizam ocorreram no passado.

    E mesmo os mecanismos sociais de apoio não chegam, porque as nossas sociedade dá "o pão", mas ao mesmo tempo afirma (indiretamente ou em certos casos diretamente) que a culpa é dos "perdedores" pela sua condição. Ora, não é preciso estudar Maslow para perceber o que isso significa em termos de satisfação dos desejos dos indivíduos.

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  6. Pois eu, por mim, era um europeísta devoto, daqueles de missa diária e romagem aos túmulos do Jean Monnet e do Robert Schuman - que não ao do Jacques Delors, que esse ainda anda por cá. Até que, hoje, li o Manuel Silva, desta vez em portugês razoavelmente escorreito e dei comigo cheio de vontade de deitar fora o bebé com a água do banho.

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  7. Eu reservo-me o direito de me considerar superior moralmente (chamem-lhe soberba, arrogância, o que quiserem) a quem vota para decidir o futuro de um país baseado em sentimentos reacionários e xenófobos.
    Reservo-me ainda o direito de criticar cidadãos que levam pessoas como alguns amigos que eu tenho (com empregos fantásticos, acrescente-se) a considerar sair de Londres por não quererem criar os filhos num ambiente como aquele que se vive no Reino Unido hoje em dia, em que a xenofobia passou a ser prática aceitável a julgar pelas notícias a pontapés que têm proliferado - insultos constantos a imigrantes, vandalização de centros sociais de outros países, etc etc etc.

    Quando alguém decide mal, aos nossos olhos, o sentir-mo-nos moralmente superiores não é senão lógico, caso contrário acharíamos que tinham decidido bem.

    Se tinham o direito de assim o decidir assim? Tinham, como nação soberana que são.
    Mas eu, e o resto da UE, também temos o direito de achar que o que eles fizeram foi uma asneira desastrosa com consequências potencialmente trágicas. E depois destes anos todos a levar com a arrogância britânica nas trombas, também é capaz de não ser má ideia retribuir um bocadinho em género.

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