terça-feira, 28 de junho de 2016

Ricos e forretas

No início do mês, bem antes da Sexta-feira negra do Brexit, houve a Sexta-feira negra da Rita. Tudo correu mal e foi tão glorioso, que, nestas situações, eu encho-me de admiração por as peças do desastre encaixarem tão bem. [Tenho um enorme fascínio pela cauda má da distribuição probabilística -- aquela onde aparecem os desastres.] Então nesse dia, como foi um bocado stressante, um amigo meu convidou-me para ir ao cinema no Sábado.

A última vez que eu tinha ido a um cinema foi em Memphis, onde há um cinema pequenino que passa filmes independentes, ou que já não são novos, e que não tem muita gente. O público também é mais maduro e a atmosfera menos liceal. Ao dizer isto ao meu amigo, ele sugeriu ir ao River Oaks Theatre porque ele reconheceu, neste espaço, a mesma atmosfera do cinema que eu frequentava em Memphis. Decidimos ver "The Man who Knew Infinity", um filme biográfico, que saiu em Abril, acerca do matemático Srinivasa Ramanujan, de origem indiana, e que trabalhou no Trinity College ao lado de G.H. Hardy.

O River Oaks Theatre fica num centro comercial aberto situado na intersecção das ruas Shepherd e West Gray, cujo público alvo são os residentes de River Oaks, que são dos mais afluentes aqui da cidade e também do país. Estamos a falar de uma vizinhança que tem casas de $20 milhões. Só para terem noção da coisa, neste centro comercial há dois Starbucks em lados opostos da rua e no Barnes & Noble, que fica ao pé de um deles, o café também serve Starbucks. Quando se deseja um café, time is money e parece-me que os ricos não têm tempo de atravessar a rua, nem o passeio...

Dizia-me um nosso leitor que eu devia fazer um Inter-Rail para apreciar a modernidade europeia, pois isso iria convencer-me de que a Europa está prestes a crescer muito. Infelizmente, já não tenho idade para fazer Inter-Rail; o mais que faço é andar de carro em road trips e, mesmo assim, não me sinto tão segura na Europa a fazer road-trips como faço nos EUA. Nos EUA, meter-me num carro sozinha e conduzir dois dias, ou mais, para chegar a um sítio parece-me trivial. Já na Europa, receio pela minha segurança. Também há a questão de custo, pois vou de Houston a Nova Iorque ou de Houston a Los Angeles sem pagar quase nada em portagens. E o preço da gasolina, nos EUA, é o que é.

Em questões de modernidade, o que nos surpreende é que os americanos não são muito aventureiros em design público e, como tal, é raro encontrarmos sítios em que nos sintamos que estamos na cúspide da modernidade. Talvez a Califórnia seja onde se encontrem mais coisas modernas, especialmente com os planos dos campus da Google e da Apple. No resto do país, até é normal construir-se edifícios que depois são envelhecidos através de frescos, onde se imitam rachas na parede, tijolos expostos, etc. Faz de conta que são edifícios velhos italianos ou mexicanos, apesar de serem americanos e novinhos em folha...

De regresso ao meu cinema, que não era luxuoso e é considerado um bargain theater: o preço dos bilhetes é mais barato do que num cinema normal. Custou $8. (Aqui em Houston, alguns dos cinemas "normais" oferecem serviço de estacionamento com valet -- esta conveniência também é oferecida em restaurantes, alguns centros comerciais, e clínicas médicas, por exemplo.) Este cinema não tinha estacionamento com valet, apesar de ser para pessoal muito rico. Até foi difícil para mim perceber onde deveria estacionar.

Cheguei ao filme um bocadinho atrasada e, quando entrei, já a sala estava escura. Tive alguma dificuldade em encontrar um sítio para me sentar -- como vêem, eu sou uma moça que anda sempre atrapalhada --, mas vi uns lugares à frente, perto do meio, e lá fui eu. Estava a tentar concentrar-me no filme quando ouvi um barulho repetitivo. Pensei: "Estes americanos, com as pipocas, são uns gajos muito chatos!" Depois senti umas gotas de qualquer coisa a espilrar-me e fiquei muito confusa -- perdão, atrapalhada! No corredor do meio, entre os bancos, tinha reparado que havia uma pirâmide amarela e um balde. Lá fiz a ligação: o telhado estava a gotejar porque tinha começado a chover. Enfim, lá percebi onde me tinha enfiado: os gajos ricos -- milionários! -- não se importam de ir a um cinema com o telhado a gotejar.

Como diz o Isidro, os americanos já não são estúpidos, são estupidamente inteligentes! Preferem gastar o dinheiro noutras coisas mais produtivas. Ou como diria o nosso André Gama, "São uns forretas do caralho!"


O meu bilhete -- que coisa tão foleira...

Ping, ping, ping...

À espera de entrar num quarto de banho minúsculo e velho. A decoração é de posters de filmes antigos. A carpete é tão velha que, daqui a nada, estará de novo em voga.

Para a próxima, avio um gin e tónica antes de entrar na sala. Foi pena ter chegado atrasada e é pena eu não gostar de beber whisky, porque até disponibilizam gotas de água enquanto se vê o filme. Aliás, talvez seja esse o motivo de não remendarem o telhado...

Depois do filme, fomos jantar num restaurante ao lado, o Epicure Café. Não é só pasteis de nata que Portugal pode exportar. O caldo verde também dava, mas a receita já parece ser património da humanidade.

Neste restaurante servem vinho português, mas é preciso esticar o pescoço.

Eu comi indiano: caril de carne de vaca -- eu disse indiano, não disse hindu...

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