quinta-feira, 16 de junho de 2016

Para que serve a Caixa Geral de Depósitos?

É bom, mesmo que por más razões, termos a Caixa Geral de Depósitos no centro das discussões públicas. Se compreendermos os efeitos perniciosos que o maior banco português tem tido na nossa economia, poderemos ter a esperança de a CGD vir a ter um modelo de governação que lhe permita ter um contributo positivo para o desenvolvimento do país e não ser mais um instrumento das políticas nefastas seguidas pelos diferentes governos ao longo das últimas décadas (sim, o estado da Caixa não é o resultado das políticas de um governo mas sim de um regime que continua a lutar pela sobrevivência, agora com a ajuda do BE e do PCP).

No livro ‘Crise e Castigo’ escrito em co-autoria com o Luís Aguiar-Conraria e com o Pedro Bação, procurámos explicar a natureza da longa estagnação da economia portuguesa explorando as ligações entre o Estado, o sistema financeiro e os sectores não transaccionáveis. O Estado incentivou sob diversas formas o investimento, financiado pelo sector financeiro, naqueles sectores. O falhanço dessa estratégia levou-nos ao terceiro resgate da nossa democracia e colocou a banca portuguesa em no seu actual estado comatoso. Não há melhor forma de ilustrar essas relações e o modelo de crescimento da economia portuguesa do que olhar para o maior banco português, o banco público Caixa Geral de Depósitos.

Reproduzimos aqui uma secção do capítulo 5 do livro Crise e Castigo que tem como título 

Para que serve a Caixa Geral de Depósitos?

Esta questão tem sido suscitada em diversas ocasiões. O Estado detém o maior banco nacional, a Caixa Geral de Depósitos (CGD), que representa, de acordo com vários indicadores, cerca de 30% do sector bancário (actualmente, incluindo o Novo Banco, o Estado con¬trola directamente mais de 40% do sector bancário). Existem argu¬mentos válidos para a propriedade pública da CGD: contribuir para a estabilidade e credibilidade do sistema bancário; garantir que faixas importantes da população, menos sofisticadas, tenham acesso a ins¬trumentos de poupança seguros e com rendibilidades razoáveis, ou seja, proteger parte da população da actividade muitas vezes preda¬tória dos bancos; promover o microcrédito (criado em Portugal pelo Banco Português de Investimento) ou servir como banco de fomento empresarial, em particular dos sectores transaccionáveis. No entanto, a actividade da CGD não se tem distinguido, pela positiva, da activi¬dade dos bancos privados. Os problemas na atribuição de crédito que referimos na secção anterior fizeram-se sentir na CGD com particular acuidade. Os critérios dúbios para a acumulação de participações em empresas e o financiamento de projectos de qualidade duvidosa, com base em critérios de atribuição de crédito pouco claros do ponto de vista económico-financeiro, colocaram em causa o contributo da CGD para a economia e para o bem-estar da sociedade.
Existem muitos exemplos de intervenções da CGD cujos efeitos foram nefastos. O mais expressivo, até pelo envolvimento do poder político, talvez tenha sido a interferência da CGD na gestão do Banco Comercial Português (BCP) em 2007. No final desse ano, o governo português comunicou que via com bons olhos a saída de Carlos San¬tos Ferreira (na altura presidente da CGD) para o BCP. Com Santos Ferreira, foi também Armando Vara, ex-Ministro de um governo socia¬lista, que tinha sido nomeado para a administração da CGD, em 2006, por um governo socialista. Simultaneamente, a CGD fez avultados empréstimos a um conjunto de accionistas do BCP, que, graças a esses empréstimos, puderam reforçar as suas posições. Como garantia, a CGD aceitou as próprias acções do BCP. Os accionistas do BCP envolvi¬dos no processo votaram então em Santos Ferreira para presidente do banco. Um deles era Joe Berardo, que, na altura, tinha vários negócios com o Estado português. Entretanto, face a menos-valias na ordem de 800 milhões de euros e à impossibilidade de cobrar a dívida, a CGD (em conjunto com outras instituições) aceitou renegociar a dívida de Berardo, em finais de 2015, em condições consideradas altamente favo¬ráveis para o empresário. As razões que terão levado o Estado a fazer da CGD, nas palavras de João Salgueiro, um “instrumento do assalto ao BCP” não são conhecidas. Na mesma entrevista em que caracterizou dessa forma o papel da CGD, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos entre Março de 1994 e Março de 2009 disse ainda que “faltou idoneidade a quem organizou o assalto” e que não se admite “que o maior banco português organize o assalto ao maior banco privado”*.

*Entrevista ao jornal Público, em 8 de Novembro de 2015.

12 comentários:

  1. A maior crise finaneira global dos últimos 80 anos apodreceu créditos nos bancos de todo mundo no valor de muitas centenas de milhares de milhões de euros. Os países que assumiram logo as perdas e despejaram sobre eles ajudas abundantes, como os EUA, Inglaterra, Espanha, Alemanha, Irlanda,… estabilizaram e recuperam. Portugal, após 2011, engoliu uns paliativos e empurrou com a barriga, à espera de milagres. Afundou o buraco que espera o seu enterro.

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  2. NG:
    Não diga isso, que mancha a pintura tão bonita da saída limpa.
    E arrisca-se a ser repreendido aqui por alguém do Destreza.

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    1. A Destreza das dúvidas tem como autores um grupo de pessoas que acreditam na liberdade de expressão e no respeito pela opinião alheia. O Manuel Silva faria melhor em deixar de mandar indirectas, pois já são tantas, num espaço de tempo tão curto, que se arrisca a fazer figura de parvo.

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  3. NG, o valor para ajuda aos bancos foi negociado com o programa de resgate. Dos 78 mil milhões de € eram 12 ou 13 mil milhões de € para ajuda aos bancos. Foi usada uma parte do dinheiro, outra ficou por usar. Cabia aos bancos pedir as ajudas mas, claro, o sistema estava desenhado - em Portugal como em todos os outros países - para os bancos pedirem aos Estados o mínimo indispensavel, devolverem o mais rapidamente possivel e arranjarem outras formas de se capitalizar.

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  4. Zuricher, as ajudas ao sistema bancário portugês são uma migalha comparando, por exemplo, com as que os bancos espanhóis, por diversas formas, receberam.
    http://olhodeboi.blogs.sapo.pt/ajudas-estatais-a-banca-espanhola-97853

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  5. NG, tenha em conta que a economia Espanhola é 6-7 vezes a Portuguesa. Onde quis chegar, porém, foi a outro lado. O dinheiro reservado para a banca foi definido aquando da negociação do memorando pelo governo Sócrates. Ficou logo definido o "quanto" nessa altura.

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  6. Ah, desculpa, Zuricher, estava a esquecer-me da desculpa universal para as nossas frustrações.

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  7. Não é desculpa, NG. É a mais pura realidade. De resto o texto original do memorando está no disponivel na internet e pode ser lido.

    De resto há aqui um aspecto importante. As situações Portuguesa e Espanhola são muito diferentes. Em Espanha o que rebentou foram as Cajas de Ahorros, principalmente a Caja Madrid mas, em geral, pelo Reino inteiro as Cajas foram indo pelo cano uma atrás da outra. Em Portugal o que rebentou foi o Estado. O que também justifica diferentes abordagens ao problema. Irlanda foi semelhante a Espanha.

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    1. Eu diria que em Portugal o Estado arrebentou com os bancos. Foi uma espécie de jogo das cadeiras. Quando a música acabou (i.e. quando o Estado deixou de poder gastar), uma grande parte acabou com o posterior no chão.

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  8. Zuricher, em Portugal o Estado rebentou porque teve de ajudar bancos, antes desse pacotito, além de, entre outras coisas, ter de socorrer a Região Autónoma da Madeira, e porque viu colapsar a receita, e a fluidez do roulement obrigacionista, pela deterioração da situação económica provocada pela maior crise financeira global dos últimos 80 anos. A tentativa de dar origens e tipificações diferentes a essa crise não é mais do que uma forma de a querer transformar num instrumento de política partidária. O livro "Crise e Castigo", dos autores desta casa, apesar de o fazer de forma subreptícia, é um bom exemplo disso.

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  9. Caro NG, aritmética básica nega facilmente tudo o que disse. De resto não faltou quem prevesse o que ia acontecer em Portugal muitos anos antes de suceder. Agora, e aqui perdoar-me-á a franqueza, penso que o NG, nesta questão, não tem qualquer interesse na realidade, nos números, nos gráficos, enfim, em tudo o que é ciência dado toda a sua argumentação a este respeito ser uma questão de fé e contra isso não há nada a fazer. Por este motivo, perdoar-me-á mas não irei continuar esse rumo da conversa.

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  10. Zuricher, é uma questão de fé, concerteza. As prateleiras de livros publicados sobre a crise global de 2008 dizem isso mesmo. Estou, por exemplo, a acabar de ler "Stress Test", de Timothy Geitner. Sem mencionar Portugal, pode ajudar mais a compreender a interrupção de confiança que se abateu sobre o sistema financeiro português do que outras analises dedicadas especificamente ao tema.

    A única pessoa que conheço a prever com consistência e publicidade a fragilidade a que Portugal se expôs estando amarrado ao Euro, já aqui o dissemos muitas vezes (e os próprioas autores de "Crise e castigo" reconhecem, incluindo até, na bibliografia, uma publicação sua, de 2006) foi o Prof. João Ferreira do Amaral. Infelizmente, os seus acertos têm ficado pelas conversas académicas, muito distantes dos detentores de decisão política.

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