quarta-feira, 22 de junho de 2016

Um circo...

Não é preciso uma Comissão de Inquérito para saber que a CGD é mal gerida, mas seria conveniente ter uma para saber o que foi feito e quem são os culpados da má gestão. Em Portugal, má gestão não dá em nada porque ou não há leis, ou não há gente competente para as aplicar. Na sociedade, há também uma bipolaridade extrema: fazem muito barulho quando a notícia sai, mas depois perde-se o interesse no assunto antes de o caso ser concluído com apuramento de responsabilidades e responsáveis. A noção de "prestar contas" parece estar ausente das expectativas das pessoas. Aliás, para alguma coisa ser concluída em Portugal, deve necessitar-se de bula papal porque o normal é os casos prescreverem, ou haver violação dos direitos dos arguidos, ou o Tribunal não conseguir apurar nada.

Mesmo assim, Portugal tornou-se num grande circo. Muito boa gente diz que fazer uma Comissão de Inquérito é "grave" e "irresponsável", sendo a dita"no mínimo inoportuna", etc. Até o Presidente da República se mostrou inicialmente pouco entusiasmado com a ideia, agora, sacode a água do capote e diz que não tem posição no assunto -- também me parecia que não devia ter, pois se a gestão da CGD estiver sujeita a irregularidades, o Presidente da República teria a obrigação constitucional de defender soluções que respeitem a lei de Portugal. Entretanto, decide anunciar que vai pedir explicações acerca das contas do orçamento da Presidência. E isso é realmente importante de ser anunciado agora exactamente porquê? Aliás, é preciso sequer anunciar que se vai averiguar se o dinheiro dos contribuintes está a ser bem gasto? Não é isso uma admissão de que se foi relaxado na gestão desse dinheiro?

O Bloco de Esquerda e o PCP não estão interessados numa Comissão de Inquérito: os bloquistas dizem que preferem uma auditoria forense; Miguel Tiago, do PCP, acha uma Comissão de Inquérito "ridícula", dado que as comissões não servem para apurar factos que ainda não aconteceram. Então a CGD precisa de uma recapitalização devido a factos que ainda não aconteceram -- pois... Os portugueses são muito propensos a inventar nomes para coisas que parecem ser muito importantes, e usam explicações muito elaboradas no teor da sua idiotice, mas no fim ninguém presta contas de nada. Em menos de um ano no poder, os partidos que iam ser os fiscalizadores do PS estão completamente de mãos atadas, pois a sede de estar no poder é tanta que sabem que, se este governo cair, é provável que fiquem de fora no próximo.

Quase toda a gente pede que a recapitalização seja feita o mais discretamente possível, até porque se os bancos privados são recapitalizados, então o banco público também tem esse direito, diz a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins. Não, não tem essa aura de igualdade, porque não é assim tão linear. Um banco público é gerido por uma equipa cuja função é salvaguardar os interesses dos cidadãos, em particular dos contribuintes, para além de servir os interesses do país. O banco público não tem fins lucrativos, nem sequer devia ter uma gestão que competisse directamente com a de bancos privados. Mas o que se verifica não é isso porque a CGD é um banco público que não serve nem os contribuintes, nem os clientes; até trata os seus clientes pior do que os bancos privados.

O timing da notícia é revelador: anunciam a recapitalização por altura de um campeonato de futebol onde Portugal joga, ou seja, o povo está sob morfina; na comunicação social, o futebol tem sempre prioridade nas notícias. Para além disso, Portugal acaba de travar a batalha do ensino público vs. o privado, logo as pessoas já estão cansadas de animosidade. Tão cansadas que, quando o governo anunciou, e depois aprovou, levantar o tecto salarial da nova equipa de gestão da CGD, pouca gente piscou os olhos. Julgo que essa notícia foi o teste para ver o quão letárgica estaria a sociedade, confirmando-se que está. É a altura ideal para os contribuintes serem mais uma vez assaltados.

Só o facto de se invocar não haver Comissão de Inquérito porque pode pôr em causa a confiança no sistema, é uma admissão de que o sistema não merece confiança. Repare-se que a forma como o PS formou governo foi efectivamente atacando a confiança do país. Criou incerteza e confusão acerca dos resultados eleitorais, das regras, dos acordos que celebrou, etc. Agora que está no governo, não quer confusão, nem quer crises de confiança, quer governar com paz, ao mesmo tempo que, na administração pública, se livra de pessoas infiéis ao seu partido e as enche de correlegionários: gente cuja primeira credencial, em termos de competência, é ser um Yes-man dos socialistas.

O Primeiro-Ministro António Costa, provando ser um homem completamente cobarde e doentio, esconde-se por detrás do disfarce de fã número um da selecção nacional de futebol. Portugal tem mais de 10 milhões de fãs de futebol não-pagos; mas claramente precisava de um Primeiro-Ministro armado em cheerleader. Esperemos que não lhe dê na telha para meter uma saia curtinha e andar de pompons aos pulos, mas nesta altura do campeonato, já acredito que António Costa é capaz de tudo para criar manobras de diversão.

15 comentários:

  1. Rita, nem sempre concordo consigo.
    Gostava de lhe dar os parabéns por este post! Reflete exatamente o que eu penso e toca numa série de pontos muito importantes:
    - o facto os gestores de topo (não só os de empresas públicas) serem muito pouco avaliados e escrutinados (talvez devido à prevalência da cultura do "respeitinho" ou do baixo nível de instrução da população)
    - a falta de competência técnica (ou de motivação?) dos responsáveis por efetuar essa avaliação seja ela judicial ou política (a Mariana Mortágua parecia ser uma excepção, infelizmente parece faltar-lhe motivação neste caso específico)
    - a falta de cultura de transparência consoante as circunstancias (faz algum sentido dizer que se prefere uma auditoria forense a uma comissão de inquérito? então mas não se podem fazer as duas porquê? )
    enfim podia dizer muito mais mas a conclusão é mesmo esta. Parabéns pelo post e obrigado.

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  2. CGD já não é um banco público mas sim um Banho Público que vai custar muitos milhares de milhões para mudarem de água de colónia mas desta vez a água de colónia para cheirar melhor colocam o Teixeira dos Santos a supervisionar a futura gestão da Caixa ou seja aquele que disse ser responsável no passado pela entrada do Vara na Caixa é aquele que vai gerir o futuro da Caixa. Os bloquistas andam confusos da cabeça mas até o Vara defende uma comissão de inquérito. O que eles querem é mudar a água de colónia e ser eu a pagar mas esta não vai ser melhor do que a outra..... Um banho público é o que todos precisavam....

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  3. Não há qualquer lógica económica para existir um banco comercial público. Nenhuma! Só existe lógica política, porque Portugal, desde o famigerado, e notório assassino, Conde de Oeiras, passando pelo Dr. Botas de Coimbra, e desembocando nos estatistas - de Direita e de Esquerda - do "Regime de Abril" é, claramente, um país de mamíferos, ou seja, só gostam de mama (também há répteis e batráquios no meio disto tudo, claro - que não percam pela omissão).

    Privatize-se, pois, e, já agora, como diria o Saramago (que adorava o estado, especialmente o estado soviético), privatize-se também a pata que os pôs.

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  4. "um homem completamente cobarde e doentio", assim qualificado através de um guião "baixo e rasteiro".

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    1. Isidro, é a minha opinião. O meu guião não é baixo e rasteiro. Ninguém no seu perfeito juízo governa um país à beira da crise da forma como António Costa o faz. E é cobarde, sim: ignora os riscos e não assume as consequências do que faz.

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  5. A propalada "saída limpa" do apertão das ortodoxias do FMI é um sistema financeiro completamente desfeito em cacos, pasto de comerciantes de créditos pôdres (que recompensam os que lhes criam oportunidades), em cima de uma dívida pública trinta por cento do PIB acima daquilo que o Governo anterior recebeu do que lhe precedeu. Estoiraram o dinheiro da Troika mais o da venda ao desbarato dos monopólios de serviços e os bancos continuam carregados de esqueletos. Tivessem as autoridades financeiras americanas agido assim na maior crise financeira dos últimos 80 anos, com a mesma displicência e passividade do Governo de Passos, e o mundo inteiro já teria regressado à Idade Média. Querer fazer chicana partidária com os troféus dessa azelhice é suprema ironia.

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  6. Colocarem o fundo de garantia de depósitos para salvar corruptos na Caixa é muito à frente. Só uma vaca voadora para ter esta ideia peregrina.

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  7. É verdade que a PWC recebeu 106M em 2012 para fazer umas auditorias e ninguém sabe onde estão? É verdade que a Deloitte recebeu 23M em 2012 para fazer uma auditoria e ninguém sabe onde está? Duas auditorias da Caixa que desapareceram sem deixar rasto? 2) Costa defende auditoria independente porque assim os nomes de quem provocou a situação não vão aparecer ao contrário da auditoria forense que tinha que revelar nomes. É esta a pressa agora do Governo em avançar com as auditorias...

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  8. Está bom de ver que muitos pensam bastante devagar, como se, entre nós, ainda faltasse quem tenha aprendido a democracia, daí darem-se ares de mandões de trazer por casa.

    Sem ter conseguido recuperar as fontes que li, e julgando que tenho a certeza sobre o que entendi, em levantamento realizado nos EUA depois da crise de 2008, sobre a maior amostra de todos os tempos na detecção de fraudes e de erros, ora sistemáticos ou aleatórios, apurou-se que os administradores tinham feito mais descobertas que os auditores. Em segundo passo apurou-se que as descobertas dos administradores aconteciam quando entravam em cargos novos e que as descobertas dos auditores aconteciam quando reportavam a entidades diferentes das que auditavam.

    Quanto a Portugal basta juntar dois e dois olhando para os ciclos das administrações públicas e das sociedades. Bom… Não basta ver as coincidências, nem dizer que é da promiscuidade entre reguladores e regulados, dos partidos, dos juízes, etc., nem existe espaço para diversão de quaisquer delinquentes, nem de personalidades sombrias.

    O saber envolve um pouco de “responsabilidade cuja ausência é a causa de toda a estupidez” (citação de uma pessoa de bem)

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