sexta-feira, 24 de junho de 2016

Profundamente triste, profundamente Europeu

Ao escrever aos meus três amigos que moraram comigo durante o doutoramento – um inglês, um escocês e um espanhol – partilhei com eles um pensamento terrível : será que seremos lembrados como a primeira e última geração verdadeiramente Europeia?

Esta ideia deixa-me profundamente triste. Talvez poucos portugueses se sintam tão Europeus quanto eu. Durante a minha licenciatura, fiz parte do boom do programa Erasmus (criado pela UE), através do qual estudei 6 meses emVilnius (Lituânia).
Em 2010, iniciei o meu doutoramento no Instituto Europeu Universitário em Florença – instituto o criado pela União Europeia. A minha pseudo-banda era constituída por um português, um italiano, uma finlandesa, um búlgaro e um holandês. Entre os meus amigos mais próximos encontravam-se alemães, espanhóis, suecos, polacos ou gregos.

Após o meu doutoramento, passei os meus dois primeiros anos como economista na Organização Internacional do Trabalho a analisar a reação dos governos da UE à crise no mercado de trabalho, num projecto financiado pela Comissão Europeia.

Dado  o meu percurso será natural que me sinta profundamente Europeu. E hoje sinto-me, consequentemente, profundamente triste. Triste por ver um projecto fantástico perder o rumo. E assustado pela confirmação de que, caso mudanças não sejam feitas, os falhanços da UE em anos recentes em assuntos vitais como a crise financeira ou a crise de refugiados poderão eventualmente levar à sua implosão.
Não se enganem. O Francisco Louçã não tem razão quando disse que “A União Europeia é um projecto falhado". Pelo menos se considerarmos que o primeiro e primordial objectivo da UE era (e é) a manuntenção da paz.
Mas a verdade é que o projecto Europeu tem vindo a falhar. Falhou redondamente na resposta à crise de 2007/08 e tem falhado tragicamente no que toca à crise de refugiados dos últimos anos. E quando assim acontece, a distância entre um projecto falhado e um projecto que tem vindo a falhar pode tornar-se perigosamente curta.

De modo algo paralelo ao que aconteceu com a crise, de novo o worst case scenario foi por muitos considerado de probabilidade zero. E de novo se confirmou que estavam completamente enganados. O Reino Unido está de saída da União Europeia. A Escócia estará perto de um novo referendo sobre a independência (que manteria o país na UE) e a Irlanda do Norte vai realizar um referendo para sair do Reino Unido e se unificar com a Irlanda (mantendo-se também na UE). Da França à Dinamarca, passando pela Holanda e pela Itália, políticos oportunistas pedem um referendo sobre a saída da UE.
Este não é o fim da UE. Mas poderá ser o principio do fim. A menos que os líderes Europeus  - e os povos que os elegem – tenham a coragem e a sensatez de encarar esta ameaça ao projecto europeu como uma oportunidade única para finalmente corrigir os problemas com que a UE se tem debatido, particularmente na última década, quer ao nível do seu funcionamento quer ao nível das suas tomadas de decisão.


Neste dia em que se celebra o nascimento de S. João cabe aos Europeus, juntos, acreditar que este dia pode também marcar o nascimento de uma nova e melhor União.

9 comentários:

  1. Caro André Gama:
    O Brexit, na minha opinião, teve duas vantagens:
    1.ª - relativamente pouco arriscada: a punição (e consequente) demissão de Cameron, justíssima, por ter cedido ao populismo como forma de se manter no poder;
    2.ª - bastante arriscada: a clarificação de uma vez por todas da posição dúbia do RU, sempre com um pé dentro e outro fora, a chantagear permanentemente a UE.
    Saiba a UE adoptar a linha correcta, respeitando, o mais possível, as identidades das nações que a compõem e potenciando o lado positivo da união num mundo cada vez mais global, no qual, cada um dos estados que a compõem, até mesmo os grandes, serão demasiado pequenos para não serem esmagados.
    O TTIP é a luz vermelha a piscar para os que não forem daltónicos.
    A minha 2.ª ideia é coincidente com muito do que diz no seu post.

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  2. E hoje aumentou também a probabilidade de termos outra crise financeira: o capital está sair da UE em força e a vir para os EUA.

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  3. Que podem ter o Trump como presidente anets do final do ano. Os deuses devem estar loucos.

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    1. Veremos... “Men and nations behave wisely when they have exhausted all other resources.” Abba Eban, 1967

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  4. A demissão do Cameron serve de pouco se o que lhe tomar o lugar for igual ou pior, o que pode perfeitamente acontecer.
    Quanto ao segundo ponto a saída do RU não clarifica posição nenhuma, simplesmente remove-os da União.
    Mesmo assumindo que a cultura do opt-out que o RU tanto gostava seja diminuida, não me parece que nenhuma das vantagens seja significativa para deixar de considerar o que aconteceu uma grande perda/derrota para a UE (e para o Reino Unido, que a este ritmo vai deixar de o ser (unido) não tarda nada).
    O problema é que o lado optimista da questão - que pelo que percebi ambos partilhamos até certo ponto - vai contra o passado recente da UE. Ou seja é bem possível que seja mais ingenuidade que optimismo. O futuro o dirá.

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  5. Calma, os países não saiem do lugar. Mesmo que a União Europeia acabe, não têm de acabar os seus projectos bem sucedidos, como o Mercado Comum, o Erasmus, a paz entre países, a mobilidade social, ... Tudo isso pode funcionar, na mesma, sem uma elite burocrática sovietizante em Bruxelas e Francfurt. Esta chacoalhada tinha que acontecer. Quanto mais tarde, pior.

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  6. Vou debruçar-me sobre o tema da Escócia e da Irlanda do Norte.

    «A Escócia estará perto de um novo referendo sobre a independência (que manteria o país na UE) »:

    1º Nas eleições do mês passado, o SNP perdeu a maioria no parlamento de Edinburgo. Afigura-se bastante difícil que consiga promover outro referendo, nessas circunstâncias (e ele tem sempre , também, de ser aprovado em Westminster);

    2º As mais recentes sondagens, mesmo com o pressuposto de uma vitória do Brexit, continuam a dar vantagem ao "Não" à independênca;

    3º Se escolhesse sair do Reino Unido, a Escócia não permaneceria na UE automaticamente. Teria de se candidatar à admissão, a qual pode ser vetada por qualquer estado-membro. Dificilmente a Espanha aprovaria a entrada escocesa, pois isso seria um precedente para eventual pedido semelhante da Catalunha (por isso a Espanha se opôs ao referendo no Montenegro e à independência do Kosovo).

    "(...) a Irlanda do Norte vai realizar um referendo para sair do Reino Unido e se unificar com a Irland. "

    Calma aí!;-) Essa hipótese - e não passa disso mesmo - foi aventada pelo Vice-Chefe do executivo de Belfast, Martin McGuiness, do Sinn Féin. Estamos muito longe de o governo britânico concordar com tal coisa e , mais uma vez, nenhuma sondagem dá qualquer vantagem a uma junção da Irlanda do Norte com a República da Irlanda, antes pelo contrário. Ainda estará para chegar o dia em que os protestantes do Ulster engulam o facto de serem governados por Dublin, ainda para mais por causa da União Europeia.



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  7. Acho que deixei claro que essas são possibilidades, não eventos necessariamente prováveis. Mas penso que são neste momento mais prováveis que a saída do Reino Unido da UE era por alturas do Natal...

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    1. Não, você afirmou taxativamente que "a Irlanda do Norte vai realizar um referendo" e que uma Escócia independente permaneceria na UE.

      Da Escócia não faço previsões, mas quanto à Irlanda do Norte, o apego dos protestantes do Ulster (até conhecidos por unionistas)ao Reino Unido é mais forte que o apego que têm pela UE. E os unionistas são a maioria do eleitorado na Irlanda do Norte. Além disso, ninguém ouviu o governo de Dublin a encorajar tal referendo, nem a reunificação da Irlanda, da qual oficialmente desistiu no Acordo de Sexta Feira Santa, de 1998.

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