segunda-feira, 20 de junho de 2016

Regulação

Em Regulação, existe uma tensão permanente entre a chamada regulação ex-ante e a regulação ex-post. 

Simplificando, a regulação ex-ante diz respeito ao conjunto das regras de funcionamento de um determinado mercado regulado. Esta é uma regulação necessariamente intrusiva, na medida em que define aquilo que os intervenientes no mercado podem fazer - e, por conseguinte, aquilo que não podem fazer. A ideia da regulação ex-ante é a de impor princípios, ou regras, aos participantes de um determinado mercado - princípios sem os quais, teoricamente, o mercado não funcionaria do modo desejado (por exemplo, não seria concorrencial; ou não sera eficiente; ou não produziria resultados justos). 

A regulação ex-post intervem quando os intervenientes num determinado mercado se portam mal. Serve para punir uma determinada conduta que se acha ter efeitos negativos, por exemplo, para os consumidores. Se quisermos, a regulação ex-post intervem quando o caldo já está entornado; a regulação ex-ante obriga o cozinheiro a fazer caldo numa panela que não entorna (ou pesada o suficiente para não ser fácil entorná-la). 

E então? O que é melhor? Impor um tipo de panela ao cozinheiro - e arriscar que se imponha um modelo de panela ineficiente e ultrapassado -, ou confiar que a punição ao cozinheiro é suficiente para que ele se porte bem - e arriscar que a panela entorne à mesma, e depois seja tarde demais intervir? Depende. De tanta coisa. Olhem, para começar depende do país. A imagem abaixo explica. 


Como resolver a anormalidade crónica dos portugueses, que insistem em estacionar os automóveis em cima do passeio? Uma escola de pensamento alega que basta a lei. Está na lei que é proibido estacionar em cima do passeio. Se alguém ousar desafiar a lei, a polícia traz o reboque, o condutor fica sem carro uns dias e tem de pagar uma multa. 

Ora a lei já existe, e todos sabemos que os condutores continuam a estacionar os carros no passeio. De pouco serve a lei para defender o deficiente que num dado momento quer passar de cadeira de rodas, ou o dono de um café que não pode estender a esplanada, ou os moradores que têm de levar com a poluição visual. Ainda assim, há quem alegue que, se a ameaça de punição por alguma razão falha, é porque a punição não é severa o suficiente, ou porque a policia não faz o suficiente para apanhar os prevaricadores. Comprem-se mais reboques, ou aumente-se a multa, ou os dois. Ora a multa já é bastante alta (100 euros, se bem me lembro), e reboques, na zona onde a foto acima foi tirada. atuam dia e noite. A solução possível, neste estado de coisas, é colocar aqueles pilaretes que impedem os condutores de estacionarem os carros no passeio (ou os danificam bastante, se tentarem). É a regulação ex-ante. Existe quando a probabilidade de a regulação ex-post ser suficiente é baixa. 

Os pilaretes são feios, é um facto. Dificultam a passagem dos peões, ainda que, seguramente, menos que a existência de carros estacionados. Seria muito melhor que não tivessem de existir, se a lei, por si só, bastasse. Mas, não bastando, é melhor que a alternativa. 

Toda esta longa explicação para introduzir o tema dos arrendamentos temporários em Lisboa. Hoje tive uma conversa com uma leitora deste blog, a Vera Barros, no Facebook, em que ela se mostrava veementemente contra a possibilidade de um condomínio proibir os proprietários desse mesmo condomínio de arrendarem os seus apartamentos em regime de curta duração. Ela chegou mesmo a alegar que seria inconstitucional - era só o que faltava que alguém me viesse dizer o que é que eu posso ou não fazer com a minha propriedade. O problema é que o proprietário não se limita a arrendar a sua propriedade privada. Também arrenda o direito de passagem e usufruto das partes comuns. Também permite a possibilidade de os inquilinos fazerem barulho e perturbarem o sossego dos outros habitantes do prédio. É um falso problema, diria a Vera. As regras são claras e aplicam-se a todos: se alguém estragar alguma coisa nas partes comuns, o proprietário é responsável; se alguém fizer barulho depois das onze da noite, o mesmo. Mas como é que o proprietário que decide arrendar a curto prazo pode controlar os seus inquilinos? Pode impor-lhes uma punição, por exemplo, ficar-lhes com parte do depósito. Mas como é que isso ajuda os outros proprietários, que levaram com bêbedos a subir as escadas do prédio às 5 da manhã e a cantar o "you will never walk alone" entre sucessivos bolsares, e que se estão a lixar para as repercursões porque, uns dias depois, já estão noutro sítio qualquer (gostaria que este tivesse sido um exemplo em abstrato, mas infelizmente não é...)? Claro que o condomínio podia impor uma multa ao proprietário, se algo deste tipo acontecesse. Mas quem é que iria conseguir provar que foram aqueles inquilinos, que entretanto já bazaram? E quanto tempo demoraria a provar? E quem é que teria a paciência para isto tudo? 

O veto do condomínio não é um primeiro ótimo. Seria melhor que não tivesse de existir, tal como os pilaretes e o controlo de preços da energia. Mas parece-me que é melhor que a alternativa. 

32 comentários:

  1. "... bêbedos a subir as escadas do prédio às 5 da manhã e a cantar o "you will never walk alone" entre sucessivos bolsares, e que se estão a lixar para as repercursões porque, uns dias depois, já estão noutro sítio qualquer (gostaria que este tivesse sido um exemplo em abstrato, mas infelizmente não é...)

    Ahem. Não duvido, em abstracto, que o seu exemplo não seja em abstracto. Mas parece-me bastante improvável (o que, ambos sabemos, não significa impossível). Por duas razões: 1) uma das características interessantes do airbnb é a mesma do ebay: o sistema de feedback positivo; 2) curiosamente, nas dezenas e dezenas de artigos que têm saído ultimamente sobre o assunto ainda não tinha visto esse argumento nem nenhuma "fonte" a queixar-se do mesmo.; mais uma vez, isso não significa impossibilidade, significa só improbabilidade.

    Por acaso hoje li o enésimo artigo sobre este assunto (e já aprendi que quando há N artigos sobre um assunto eles não aparecem por acaso...) e a jornalista dizia ao presidente da ALEP "A hotelaria defende que o registo de uma casa em AL devia ser autorizado pelo condomínio...". Tenho cada vez menos dúvidas do que é que está por trás desta preocupação. Que a hotelaria defenda um regime do IVA igual, compreende-se. Que as associações de moradores, de gestores de condomínios, etc, defendam que o condomínio deve ter qualquer coisa a dizer sobre a utilização do prédio, compreende-se. Agora que seja a hotelaria a defender tal coisa...

    Há qualquer coisa de terrivelmente bafiento nestes argumentos, tão bafiento como aqueles prédios que tinham um notário ou um consultório no primeiro andar e impediam o elevador de parar nesse andar. Faz-me lembrar a Lisboa sem esplanadas e em que se tocava à porta dos bares para entrar, como eu ainda conheci.

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    1. "Não duvido, em abstracto, que o seu exemplo não seja em abstracto. Mas parece-me bastante improvável ". Admito que exagerei na parte do bolsar, mas, no resto, aconteceu exatamente como descrito. O problema do sistema de feedback positivo, é que ele é dado por quem não tem de viver no mesmo prédio. Cria uma assimetria lixada. O feedback não internaliza a externalidade, como diriam os meus colegas de blog :)

      Por falar em notário no primeiro andar. Conheço um caso em que é um escritório que, pela natureza do que faz, tem geralmente a porta sempre aberta. Volta e meia o dono da empresa dá com um casal de turistas de chinelos e calções, achando que aquilo é a receção do "hotel".

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    2. Naturalmente que o feedback não é perfeito. Mas se os vizinhos do dono do andar lhe moerem o juízo, ele tem todos os incentivos para dar bolas pretas, metaforicamente falando, ao bêbado. E nenhum para lhe dar bolas brancas.

      Por acaso estive para pôr aqui uma graçola do FB a propósito de FDP do r/c a assar sardinhas no pátio. Como diz o zuricher, se esses forem ocupantes permanentes é bem pior.

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    3. A questão é que os vizinhos do dono do andar podem simplesmente não ter o tempo ou a paciência para estar sempre a anotar as vezes que os inquilinos chegam tarde e fazem barulho. Se fosse eu, não teria. E suspeito que haja mais gente como eu. O que naturalmente farão é queixar-se em abstrato, de que, por vezes, há barulho e não dá para dormir bem. Será sempre um problema. Os benefícios vão todos para o dono do apartamento, os custos são distribuídos por todos.

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    4. Os vizinhos que são incomodados têm uma solução muito simples: podem passar a incomodar. Podem tentar incomodar mesmo muito, sem sair da legalidade. De modo a que aquela casa no airbnb comece a ficar com péssimos comentários, tipo "a casa é gira mas os vizinhos são loucos, extremamente antipáticos".
      De modo que o dono/explorador do negócio, se o quiser manter, vai ter de avisar os seus clientes para se portarem bem e não incomodarem os vizinhos.

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    5. Boa, Helena. Ou então caminhar pelos corredores do prédio, lentamente, olhando o vazio, com um avental cheio de sangue e uma faca do talho, à hora que os turistas chegam.

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    6. hahahahah
      Terrorismo de vizinhos do melhor! :D
      (Alugo dois quartos BnB. Ainda ontem falei com a vizinha mais próxima, a perguntar se alguma vez se sentiu incomodada pelos meus hóspedes, e a pedir que me avise mal haja o menor problema. Não vá o diabo tecê-las, e ela começar a passear por aí com um avental cheio de sangue...)

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  2. "Second-best solutions" é o que não falta...

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  3. Caro Luís, bem, se a ameaça de punição não dissuade o comportamento isso significa que a punição ou a sua aplicação não são suficientes. Demonstra-se pelo resultado. Ora, se em vez de uma multa de 100€ (vou assumir que o Luís está certo embora tenha quase a certeza que não e que são ou 30€ ou 60€ dependendo dos casos e o reboque não é permitido sempre e em qualquer circunstância. Nesse da foto, por exemplo, não é) fosse de 50000€ (cinquenta mil euros, sim) remível a perda do veículo a favor do Estado, aí então provavelmente a lei bastaria. Pode argumentar-se que é uma pena desproporcionada e a minha resposta é que depende. Se o objectivo é tornar verdadeira a premissa de que a existência da lei basta para dissuadir o comportamento, não é desproporcionada. Se o objectivo for outro qualquer pois até 1€ de multa servia.

    Em relação à questão do arrendamento assim e assado... Bem, maus comportamentos podem acontecer com inquilinos duma semana ou com inquilinos com contrato de arrendamento permanente. Pelo menos os que arrendam apenas por uma semana vão-se embora rapidamente ao passo que os outros, enfim, os demais moradores têm que os aturar e é muito dificil faze-los rectificar o mau comportamento. Isto relativo a Portugal, entenda-se. Proibir alguém de alugar a sua propriedade parece-me uma brutalidade. Porém aceito que fique ao arbítrio do condomínio ainda que com algumas condições específicas. E termina aqui. Do condomínio e do dono do andar e só do condomínio e do dono do andar. O Estado não é para aqui chamado para nada nem coisa nenhuma.

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    1. Os 100 euros veio da experiência em primeira mão. Quando morava na baixa, deixei o carro estacionado no parque do s. carlos, sem ter reparado. Quando voltei a precisar do carro, uns dias depois, notei que já lá não estava. Tenho ideia de ter sido 100 euros de reboque, mais uns 10 euros por dia no parque da polícia. Mas já não tenho a certeza.

      Diz que os maus comportamentos podem acontecer com inquilinos de longa e curta duração. A minha experiência pessoal é de que é mais frequente nos de curta duração. Não tem de ser um comportamento necessariamente anti-social, atenção. Mas o chegar animado todas as noites à 1 ou 2 da manhã, como é normal em turistas, é profundamente cansativo para quem vive no prédio, e não, não é comum em quem arrende a longo prazo.

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    2. O preço do reboque é uma coisa, a coima é outra. E, realmente, a coima é muito baixa. Em todo o caso nem uma nem a outra são dissuassórias embora, saliente-se, a função dissuassória deve estar no valor da coima, não no valor do reboque.

      Concordo que provavelmente os comportamentos incomodativos sejam mais comuns nos turistas. Mas, Luís, isso acontece porque em Portugal não há a cultura da sociedade actuar nesses casos. Os Portugueses têm no seu imaginário que os Espanhóis são barulhentos. Porém, se há coisa em que os Espanhóis em geral são muito ligeiros a chamar a polícia é com casos de ruído em condomínios. Em Portugal nem é comum as pessoas chamarem a polícia por casos desses como, enfim, a polícia leva tempo a aparecer, quando aparece, e é visto como coisa menor. Na Suíça, por outro lado, acho que nem pela cabeça de ninguém passa incomodar seja quem for directamente e por natureza. Se os incómodos em prédios - seja ruído, fumar ou conspurcar as partes comuns, etc, etc - fossem levados realmente a sério provavelmente esta questão de permitir ou proibir os alugueres a turistas nem sequer se colocava. Neste aspecto Portugal está muito mais próximo da África Negra, onde é normal cada um fazer o barulho que quiser e os outros que se amolem, do que do resto da Europa.

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    3. "O preço do reboque é uma coisa, a coima é outra. " Para quem paga, a desagregação é perfeitamente indiferente. Bom, eu nem lhe sei dizer quanto dos 100 euros é reboque e quanto é coima.

      Eu acho natural que as pessoas tenham pudor em chamar a polícia para resolver um problema de condomínio. Não se pode deixar nos ombros das "vítimas" o peso de estar sempre a chamar a polícia para resolver os problemas. Se há problemas sucessivos, é preciso a tal regulação ex-ante.

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    4. Mas não devia ser indiferente dado serem coisas formalmente diferentes com funções diferentes. A coima é a sanção pelo comportamento. O preço do reboque é uma taxa paga por um serviço.

      Acha natural que as pessoas tenham pudor em chamar a polícia quando se sentem incomodadas? Perdoar-me-á, Luís, mas só mesmo um Português para dar essa resposta! Embora, sinceramente, compreenda-o. Em Portugal eu era visto mais ou menos como alien por chamar a polícia para coisas para as quais ninguém mais o faria. Por outro lado, se as coisas forem bem feitas, não se põe a questão de chamar repetidamente a polícia. Basta uma vez. Em Espanha precisei de o fazer uma vez. E apenas uma. A vizinha atrevida quando viu a patrulha da polícia local à porta aprendeu a lição. Sabia perfeitamente que se a coisa se repetisse seria autuada com 400€ e que não o ter sido logo naquele momento foi pura sorte. É certo que me retirou a saudação. Mas também nunca mais me incomodou com barulho.

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  4. Cumpram-se os contratos, só isso.

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  5. Existe um problema adicional nos condomínios - estes não podem, legalmente, cobrar multas (e falo por experiência no meu e o uso abusivo de partes comuns para estacionamento selvagem). Logo, a única maneira é com a proibição legal em termos de regulamento municipal ou camarário.

    Em relação ao AirBnB, em gostava de saber como é que o arrendamento de curto prazo se enquadra na legislação nacional. As regras de arrendamento são da altura do Estado Novo e ninguém parece muito interessado em mudá-las, salvo toques cosméticos e não contemplam arrendamento de curto prazo. Se a saída for a via comercial, existem alvarás? Vistorias? Toda a papelada requerida para a prestação de um serviço de hotelaria? O que me parece que acontece é que "legalmente" os donos do apartamento "emprestam" o mesmo a terceiros - como é que se regulamenta o empréstimo?

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    1. Esse é um ponto essencial, Carlos. Nisso os hotéis têm razão. Estão a competir desigualdade, porque têm de cumprir com todo o tipo de legislação e de regras de segurança.

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    2. Luís, o antigo Sec Estado do Turismo (Adolfo Mesquita Nunes) fez um excelente trabalho na desburocratização disso mesmo, mas parece-me que, no caso de alojamento - e até mais que serviços "geneticamente" parecidos, com a Über - tem de existir alguma regulamentação por uma questão de segurança dos turistas.

      Quanto à questão (que não peguei) dos condomínios, é preciso não esquecer que, ao contrário de uma habitação "unifamiliar" (vulgo moradias) o direito à propriedade tem restrições por via do que consta do título constitutivo das fracções e carecem de autorização do condomínio para alterar o destino da fracção - e voltamos ao mesmo: qual é o enquadramento jurídico do aluguer de curto prazo?

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    3. Têm de fazer algumas vistorias pelo menos, penso eu (segurança, etc). E, se tiverem feito uma renovação segundo as regras, têm de ter uma ficha de televisão na cozinha, por exemplo (e não, isto não é uma regra do Estado Novo, que nessa altura ainda não se tinha pensado em dar de comer a N serviços de certificação).

      Não, não é um empréstimo nenhum. Aliás, o interesse principal desta legislação (mais ainda que a renovação dos centros da cidade, que veio por acréscimo) é ter legalizado e, por conseguinte, trazido para o regaço do fisco, milhares de apartamentos e actividades subterâneas. Que vão, naturalmente desaparecer imediatamente para onde vieram se os chatearem muito. Ou pensam que vão dar um suspiro, encolher os ombros e passar para o aluguer de longa duração por uma fracção do preço?

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  6. Caro Luís:
    Aprecio cada vez mais os seus textos, o Luís, ao contrário de muita gente na blogosfera, nos textos que li, nunca agride ninguém, nunca faz política partidária encapotada de opinião, deturpa ou omite factos para que a sua narrativa, eivada de proselitismo ideológico-partidário, bata certo.
    Faz precisamente o contrário, com bonomia, delicadeza, respeito por quem o lê, muitas vezes, como agora, de uma forma até muito didáctica.
    No entanto, como todas as pessoas, tem as suas opções ideológicas que são manifestas nos seus textos e que determinam a sua forma de olhar as coisas e de as tentar resolver.
    É para isso que cada um tem as suas opções ideológicas, para tentar consertar o mundo pela maneira que lhe parece melhor, sem ser necessário ofender os visados ausentes ou os leitores presentes.
    Fixando-me agora no texto:
    «era só o que faltava que alguém me viesse dizer o que é que eu posso ou não fazer com a minha propriedade», disse a Vera Barros.
    Desconhece que, quando se licencia um prédio, as suas fracções ficam licenciadas para determinados fins.
    Nós, portugueses, criativos, pervertemos tudo e damos fins comerciais ou outros a apartamentos que se destinam a habitação.
    Não só o condomínio, como entidade com certos poderes num prédio definidos na lei do condomínio, como qualquer condómino individualmente, pode acionar uma acção contra quem isso faça. E ganha sempre. Raramente se faz. Por isso vemos consultórios médicos e escritórios de advocacia em frente de apartamentos de habitação.
    E há as queixas à polícia, que é obrigada a registar e dar andamento às ocorrências.
    Depois, entre nós, porque não queremos chatices (as queixas dão chatices e outros incómodos), há o hábito de encolher os ombros e barafustar no café da esquina.
    E a justiça e a polícia, todas as nossas instituições, funcionam muito mal, devido ao que o Alexandre O'neill chamava o «modo funcionário de viver».
    Pensar-se em alugar uma casa de habitação (tal como o estacionamento no passeio da sua foto) e as instâncias administrativas (policiais e judiciais) demitirem-se de actuar são as duas faces da moeda que é o nosso «modo funcionário de viver».
    Isto anda tudo ligado.

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    1. Obrigado, Manuel. É muito gentil.

      "Depois, entre nós, porque não queremos chatices (as queixas dão chatices e outros incómodos), há o hábito de encolher os ombros e barafustar no café da esquina."

      É isso, é. É mesmo por isso que eu acho que em Portugal a lei não basta, são precisos pilaretes. Não se pode exigir das "vítimas" que sejam as sentinelas profissionais, não pagas.

      Algo que não referi no post, mas julgo já ter referido antes, é que, no meu prédio em Londres, é proibido o arrendamento temporário. Se um inquilino sub-arrendar em regime temporário, é expulso. Se for o senhorio, paga uma multa grande. Novamente, a razão invocada é o tratamento dos espaços comuns e o barulho. E isto é em Londres onde, apesar de tudo, as instituições funcionam bastante melhor que em Portugal.

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  7. AHHH, entendo! Como as pessoas são incapazes de mexer-se por si próprias, andam sempre à procura de alguém que faça tudo por elas e não passam do barafustar no café da esquina criam-se normas que prejudicam todos. Brilhante!

    Bem me parecia que era essa a mentalidade vigente...

    HUMPF! Pffff

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    1. Eu cá gosto muito dos comentários do Zuricher! Concordo totalmente com este último. É uma mentalidade muito portuguesa...

      Vivi muitos anos num bairro histórico em Lisboa que começou a estar na muito na moda. Tinha de chamar a polícia noite sim noite também. Se não chamava a polícia não conseguia dormir por causa do barulho (na maior parte das vezes não eram turistas, mas "intelectuais" portugueses que gostavam de cantar e tocar às altas horas da madrugada). Se chamava a polícia ficava enervada à espera que ela chegasse e não conseguia voltar a dormir na mesma. A polícia vinha, mas não passava multas a ninguém. Nunca. Dissuadia os prevaricadores de fazer barulho e todos seguiam o seu caminho. Até à noite seguinte.

      O problema aqui não é o turismo ou a vida nocturna. O problema é NUNCA se fazer cumprir a lei do ruído, aplicando multas pesadas aos prevaricadores.

      PS-Lembro-me que estacionar em cima da passadeira pode conduzir a uma sanção inibitória de condução. Isso parece não dissuadir os condutores de estacionarem na passadeira porque a multa NUNCA é aplicada.

      SusanaV

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    2. Susana, eu também vivi num desses bairros, e também perdi a conta das vezes que chamei a polícia. Também não dormia nas noites em que o tinha de fazer, porque a polícia geralmente demorava cerca de duas horas a vir.

      Não se fazem regras, ou leis, em países ideias. Fazem-se em países concretos, que funcionam do modo como funcionam. Não tomar em consideração o país concreto quando se fazem regras é, acredito, parte da razão do nosso atraso. No país que temos a polícia demora duas horas a chegar, as pessoas sentem que não há problema nenhum em estacionar em cima do passeio porque "é só um jeitinho enquanto vou ao café", etc. E é por isso que é preciso regulação.

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    3. Agradeço as respostas ao meu comentário.

      Zuricher, isso é de facto uma legislação forte. Não sabia. Mas de facto, quando estive em Madrid, notei sempre que o silêncio à noite era sepulcral. Assim como em Berlim. Mas as coimas pesadas têm de ser aplicadas para produzir efeitos. No caso parece que são mesmo!

      Luís, se não se faz cumprir a lei para que serve a regulação? Aqui estou com o Zuricher: serve apenas para tornar a vida mais complicada a quem cumpre... Não há volta a dar...

      Os problemas com os turistas não são diferentes dos problemas entre portugueses na questão dos condomínios. Mas com os turistas há uma maior intolerância. No meu prédio em Alfama um dos proprietários alugava o apartamento a estrangeiros e só houve problemas uma vez. Um caso chato mas que se teria resolvido facilmente chamando a polícia. Mas, como eu estava fora, ninguém chamou a polícia... O pessoal do bairro foi de facto para o café lamentar-se do comportamento inadequado "dos turistas"...

      Eu acho que os portugueses não têm maior falta de civismo que os outros povos em geral. O que acontece é que em Portugal há impunidade.

      Cumps.

      SusanaV

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    4. Susana, em Espanha, as multas e penas em geral, seja para o que for, são muito elevadas. Com o pormenor nada dispiciendo que as coimas, sejam elas quais forem, pagam-se mesmo ou sim ou sim. É que se não se paga a bem, paga-se a mal porque ou há cobrança coerciva (muito comum) ou aparecem na factura fiscal do ano seguinte e aí já não pelo valor original. Depende de organismo para organismo. É o país da Europa com o mais elevado tempo médio de penas de prisão e, salvo-erro, também o país da Europa Ocidental com maior percentagem da população a cumprir pena. As polícias em Espanha são muito, muito firmes. As leis, por seu lado, são também muito diferentes das leis em Portugal e dão muito maior latitude à acção policial. Poderá perguntar como é que eu conheço a legislação do ruído de Madrid tão a fundo. É que fui multado em 600,01€ por uma brincadeira dessas no meio da rua... E, enfim, não tiro razão aos autuantes. De todo, mesmo.

      Sim, não duvide que Portugal é um país onde grassa uma enorme impunidade. Comparado com vários outros países Europeus é um país com imenso laxismo no que toca à criminalidade.

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  8. Cara Susana, obrigado pelas simpáticas palavras.

    Deixe-me explicar-lhe como funciona em Madrid cidade para poder comparar. Refiro apenas Madrid cidade dado a regulamentação da lei do ruído para situações leves ser competência municipal pelo que cada cidade tem as coimas que achar adequadas e uns municípios estão mais bem equipados do que outros.

    Quando se chama a polícia por motivos de ruído o normal é aparecer uma patrula com sonómetro. Em Madrid existem várias patrulhas com eles e os agentes estão formados para o seu uso. A minha vizinha não foi autuada pelo simples motivo que a patrulha que acudiu era uma patrulha em mota e não em automovel pelo que não tinham sonómetro com eles. A pena, para particulares, vai até 3000€. Não tem mínimo mas não há história de alguma ter sido inferior a 400€. Todos sabemos sempre que por ruído são 400€ e pronto, é o que há. Se a infracção for reiterada e comprovadamente causar incómodos relevantes a terceiros então sai da alçada das competências municipais e passa para a alçada da lei sobre a contaminação acústica do Reino. Deixa de ser uma sanção administrativa e passa a delito, o equivalente a crime em Portugal. Aqui estamos a falar de palavras maiores podendo chegar a tempo de prisão se as multas (muito mais elevadas mas não sei o valor) não forem pagas. Tem ainda a sanção acessória de, sendo um inquilino, ordem de despejo e, sendo o proprietário, precinto da vivenda por um período até seis anos.

    Funciona!

    Posso dar-lhe outro exemplo de incómodos causados a vizinhos que se resolvem facilmente em Espanha. É um país de fumadores e toda a gente fumava em todo o lado até à actual lei anti-tabaco. Note, eu sou fumador e em certos casos acho a lei algo draconiana mas é o que há e efectivamente funciona. A proibição de fumar aplica-se também aos espaços fechados colectivos como é o caso da escada ou do elevador dum edifício. A coima por primeira infracção é de 30€. Por segunda infracção continua a ser de 30€. À terceira e seguintes a coima passa a ser de 600€ a 10000€, graduado o valor consoante as circunstâncias do caso que incluem sempre a quantidade de reincidências.

    É forte? Sim, claro que é e é esse o objectivo. Funciona!

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  9. Luís, bem, se a polícia nao actua é indiferente a regulação e as sanções que haja, não é? Se cada um faz o que quer na mesma e ninguém liga ao que está escrito é igual que diga isto, aquilo e o outro.

    Em todo o caso entendo onde o Luís quer chegar. Nomeadamente o Luís está a elencar um dos mais execráveis defeitos da sociedade Portuguesa e em larga medida culpa do seu atraso societal, o insuportavel nacional-porreirismo em que se vive. Toda a gente reclama (no café, claro está) mas ninguém faz mais do que isso e, na realidade, nem quer fazer. Todos se sentem contentes com esse estado de coisas e, como algo não funciona a tendencia logo é atafulhar com mais leis e regulamentos e palavras vãs afins em vez de fazer funcionar o que já existe. É assim, simplesmente, e realmente penso que não muda porque é efectivamente cultural.

    Muito, muito complicado para a minha cabeça entender. E insultuoso, convenhamos.

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    1. Sim. Incorporo em mim um dos mais execráveis defeitos da sociedade portuguesa, que a empurram para baixo. É um peso que carrego com dificuldade fora do país.

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  10. Discordo que o mau hábito de estacionar em cima do passeio seja coisa generalizada em Portugal. A minha experiência diz-me tratar-se, essencialmente, de um fenómeno lisboeta. Nunca vi isso no Porto, em Guimarães ou em Aveiro, pelo menos de modo sistemático.

    Penso que a origem do fenómeno, em Lisboa, se deveu ao facto de os prédios antigos, que são imensos, não disporem de garagem, e foi-se tolerando o estacionamento em cima do passeio. A regulação ex-ante devia, assim, obrigar à existência de garagens.

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    1. Talvez tenha razão, Geraldo. Admito o meu centrismo alfacinha, porque foi onde nasci e passei a maior parte da minha vida.

      É curioso que diga que o problema é a falta de garagem. Vivo em Londres, e são muitos raros os prédios de habitação no centro da cidade que têm garagem. Bom, são tão raros que não estou assim de repente a lembrar-me de um só que seja. Carros no passeio também é coisa que nunca vi.

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    2. O problema de origem foi a falta de garagem e a falta de civismo, a qual se não manifesta em Londres, Birmingham (onde vivi vários anos), Newcastle-upon-Tyne e talvez também Rochdale e Truro.

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