terça-feira, 18 de agosto de 2015

Circunlocuções

Há anos, o Nuno Amaral Jerónimo explicou-me, na sua qualidade de sociólogo, que os palavrões só são usados pelas classes altas e baixas. Ao contrário, as classes médias ficam horrorizadas com os ditos cujos. Uma das minhas leituras de verão foi o último romance de Humberto Eco, “Número zero”. Um grupo de jornalistas reúne-se para discutir o formato e conteúdo do número zero de um jornal a ser lançado, o “Amanhã”. Alguém sugere que se inove utilizando palavrões, à semelhança do que fazem as elites italianas, que, pelos vistos, os usam com abundância: «Agora todos usam palavrões … e dizem caralho, inclusive as senhoras.» Porém, o director opôe-se a essa “ideia brilhante”, argumentando que o «que faz a alta sociedade não nos interessa. Nós devemos pensar nos leitores que têm medo dos palavrões. Usar circunlocuções.»

Esta cena passa-se em 1992. Em 2015, os palavrões permanecem interditos nos jornais, que continuam a preferir circunlocuções, circunlóquios, perífrases, rodeio de palavras. Caralho.

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