segunda-feira, 23 de julho de 2018

Má memória

Um dos meus colegas americano, talvez uns 15 anos mais velho do que eu, na Sexta-feira, lamentava-se da sua fraca memória, não se recordava de nada do que lhe tinha acontecido há muito tempo. O que é muito tempo não sei, mas eu gabava-me que me lembrava da infância, em particular de alguns episódios bastante traumáticos que me aconteceram, como quando deixei de me poder balançar dos braços dos meus pais por ficar demasiado alta. Era uma das coisas que eu mais gostava de fazer e assim, de um momento para o outro, acabou sem qualquer aviso. Não mais recuperei dessa perda...

Mais recentemente, ainda me recordo das minhas leituras na escola e comecei a pensar nelas hoje quando ouvia o Governo Sombra durante o meu passeio vespertino. À medida que ouvia o programa fiquei com um sabor muito amargo porque me senti completamente anormal. Eles falavam de Eça de Queiroz, Almeida Garrett, e Camilo Castelo Branco, os grandes da nossa literatura, mas eu não percebi o destaque. Depois comecei a elencar na minha cabeça quem eu tinha lido, se bem que, quando eu era miúda, o que me torturava um bocado era exactamente o que eu não lia: Cesário Verde, Camilo Castelo Branco, Antero de Quintal, Alexandre Herculano... Bem sei que poderia ter lido por conta própria, mas sinceramente não me ocorreu porque estava mais interessada em ler a Just Seventeen e a Smash Hits.

Que li eu, então? (Antes de começar a minha lista, tenho de vos dizer que fiz o ensino secundário em três escolas diferentes e frequentei a área C.) No sétimo ano, lemos o "Romance da Raposa" de Aquilino Ribeiro. Não achei grande piada, mas lembro-me da minha professora de português me elogiar nas aulas porque notou que eu tinha lido o livro. Não compreendi o porquê de voltar a ler Aquilino Ribeiro no oitavo ano com "O Malhadinhas", que também não apreciei por aí além, mas tenho ambos estes livros aqui comigo. (Há mistérios que desconheço apesar de ter sido parte integrante dos mesmos.) No oitavo ano, também lemos "A Crónica dos Bons Malandros" do Mário Zambujal -- muito giro e não sei por que razão não trouxe esse livro comigo.

Já o nono ano foi dedicado a Gil Vicente e a Camões (sonetos e Lusíadas); não me recordo de muito mais do que isso. No décimo ano foi mais Lusíadas e Os Maias do Eça. Gostei muito d'Os Maias e desenvolvi uma pequena paixoneta pelo Ega: "Je suis Mephisto..." Também tenho cá e está na minha lista de livros que tenho de voltar a ler.

No décimo-primeiro ano, lemos "As Viagens na Minha Terra" de Garrett. Não me tocou por aí além, apenas achei curiosa a ideia de alguém cegar por ter chorado demasiado. Não me recordo de lermos mais nenhum livro, apenas textos avulso do nosso livro de leitura. No décimo-segundo ano não tive português, mas em inglês lemos alguns textos de Shakespeare e "The Great Gatsby" do F. Scott Fitzgerald. Um dos meus primos em segundo-grau leu "The Pearl" de Steinbeck, em vez do Gatzby, e decidi também ler durante as férias.

Não me senti prejudicada por ter de ler estas coisas; pelo contrário, se o ensino fosse apenas aquilo de que gostávamos, então, sim, penso que seríamos prejudicados. E para mim seria livros da Disney, do Cebolinha, e revistas de música pop. Por acaso, li vários livros da Sophia de Mello Breyner Andresen por iniciativa própria.

Penso que é curioso que não tenhamos lido autores não-portugueses nas aulas de Português, mas a coisa que achei mesmo deficiente no ensino da nossa língua materna foi a escrita criativa. Na escola primária, gostava muito era de escrever e senti grande falta quando deixámos de fazer as nossas redacções, mas eu também já estava farta de escrever sobre os mesmos tópicos: o Outono, o Inverno, a Primavera, as Férias, o Natal, etc. A PGA para mim até foi um grande prazer.

Vir estudar para os EUA e ir à livraria da universidade e encontrar "n" livros que nos ensinavam a escrever e ter aulas em que tínhamos de fazer relatórios sobre artigos ou sobre tópicos relevantes à cadeira era para mim ouro sobre azul. Quando fiz a tese de doutoramento, um dos meus professores perguntou-me quantos rascunhos tinha feito. Eu respondi que aquele era o primeiro e ele disse-me que eu tinha jeito para aquilo. Aliás, nos EUA, os meus professores achavam que eu escrevia bem e compreendia o que lia.

Em Portugal não era e não é assim: não tenho jeito para nada, nem para esquecer que li Mário Zambujal.

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