segunda-feira, 13 de abril de 2015

Comer de pobres

A Gwyneth Paltrow esta semana está a comer à pobre, pois ela aderiu ao desafio de Mario Batali,--o tal do Molto Mario, porque há muito daquele Mario para toda a gente--, de viver dentro da quantia que é atribuída através do programa de food stamps nos EUA (Supplemental Nutrition Assistance Program, SNAP), $31 por semana. Ela gastou cerca de $29, ou ligeiramente menos de €28. Aqui estão as comprinhas da Gwyn:

A imprensa e os comuns dos mortais que usam o Twitter cairam-lhe em cima por vários motivos: não há calorias suficientes nas compras, aquilo não é comida para se alimentar uma família, e é difícil o acesso a lojas com secção de mercearia. Ver aqui, aqui, e aqui.

No que diz respeito às calorias, a recomendação diária é de 2000/dia; as compras dela mal chegam a 1000. Eu confesso que para mim 2000 calorias por dia é demasiado e acho que essa recomendação é extremamente má porque há pessoas que precisam de menos e outras que devem consumir mais: um fulano de 1,90 m não deve comer o mesmo que eu, que apenas tenho 1,53 m. Quando se vai ao médico nos EUA, uma coisa que me irrita é que eles dão má informação nutricional: ao mesmo tempo que me dizem que eu preciso perder peso, também me mandam comer mais lacticínios por causa do cálcio e depois recomendam doses industriais, mas é tudo low-fat, low-sugar. Ao fim de uns anos, mandei as recomendações às urtigas: se é low-fat e/ou low sugar não compro. Tento comprar o menos processado possível e leio sempre os ingredientes. Se eu não conheco o ingrediente, não preciso de comer aquilo. Para além de que sabe melhor e satisfaz-nos mais depressa. Bem, mas eu ainda vou ao médico; a maior parte das pessoas pobres têm acesso muito limitado ao médico.

Realmente, aquela comida não é realista para uma criança, apesar de a alface ter sido a minha comida preferida quando eu estava a crescer. Mas, se a família está em Food Stamps, aposto que a criança recebe ajuda para comer na escola e, digo-vos, comida de escola nos EUA é má--há escolas boas, mas há escolas muito más. As cozinhas não estão preparadas para cozinhar, é tudo para aquecer. Quem trabalha na cozinha muitas vezes nem sabe cozinhar. (Nos EUA é difícil encontrar pessoas normais que saibam cozinhar bem.) E o acesso a ingredientes está muito relacionado com o apoio à agricultura e os EUA são um país que produz muita carne, milho, soja, etc. Muita da carne que chega à cantina é carne processada. Nos últimos anos, as empresas que processam animais têm aumentado o produto que extraem de cada carcaça, i.e., têm conseguido modificar a maneira como fazem os cortes de carne para minimizar o desperdício e, até com os restos, têm conseguido criar produtos alternativos. Recordam-se, se calhar, do escândalo do "pink slime" provocado por Jamie Oliver nos EUA. Uma das piadas que se houve frequentemente é a de o Ketchup, que leva xarope de milho, ter sido considerado uma dose de vegetais (nos EUA, os tomates são considerados "vegetables", e não "fruit").

Depois há a questão de acesso a pontos de venda. Nos EUA há desertos alimentares (food deserts), quer dizer, há zonas onde as pessoas não têm acesso a mercearias, pouca gente tem carro, e há pouco ou nenhum acesso a transportes públicos. Nestas áreas, muitas pessoas dependem do fast food e do que vendem as bombas de gasolina. Mas, mesmo havendo mercearias/supermercado, a secção de produtos frescos nas mercearias mais pobres pode ser extremamente má. Às vezes, os legumes estão todos murchos e com muito mau aspecto. Eu vivo a cinco minutos de um supermercado latino, em Houston, e aquilo tem legumes horríveis e os preços não são tão baixos quanto isso. Nota-se que a loja é mal gerida. Quando vamos a supermercados para a classe média, para manter a frescura, os legumes são regados, usa-se gelo, controla-se a temperatura, etc. Em algumas lojas para a classe baixa, estas práticas não são implementadas.

Toda esta preocupação com as questões alimentares foi impulsionada politicamente quando Mike Huckabee, governador do Arkansas (Republicano), iniciou um programa de melhoramento da saúde dos Arkansanos, cuja medida mais polémica foi a medição do índice de massa corporal (BMI) nas crianças em idade escolar. Isto foi na sequência do próprio governador, que era extremamente obeso, ter perdido peso e iniciado um estilo de vida saudável, depois de em 2003 ter sido diagnosticado com diabetes do Tipo II. Depois de Barack Obama ter sido eleito e ter tomado posse em 2009, Michelle Obama iniciou uma campanha nacional (Let's Move) para mudar o comportamento dos americanos em relação à comida e ao estilo de vida. Uma componente desta campanha é trabalhar com as empresas do sector privado para aumentarem a oferta de alternativas saudáveis de comida e também para investirem nos desertos de comida, abrindo lojas. Algumas bombas de gasolina agora oferecem legumes e frutas frescas. A outra parte é a sensibilização das próprias pessoas para fazerem melhores escolhas em termos de comida. Ela não diaboliza o fast food, apenas diz que não deveria ser consumido diariamente.

Na cultura popular, também houve uma grande campanha nos media, onde se destaca o papel de Michael Pollan ( jornalista e autor de "The Omnivore's Dilemma", entre outros), Mark Bittman (autor e cronista gastronómico do New York Times), Eric Schlosser (autor de "Fast Food Nation"). Uma das primeiras pessoas que iniciou a sensibilização para a qualidade da comida que os americanos comem foi a chef Alice Waters, de Chez Panisse, na Califórnia; esse esforço já decorre há várias décadas.

No cinema, vários filmes e documentários foram influentes, como Supersize Me (2004), Fast Food Nation (2006), e Food, Inc. (2008).

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