sexta-feira, 24 de abril de 2015

Pensar o papel do Estado e pensar a longo prazo...


Esta semana tive o prazer de estar numa conferência em que a oradora principal era a Mariana Mazzucato da Universidade de Sussex. É uma economista que se estuda questões ligadas ao crescimento e à inovação com especial enfase nas questões institucionais.   
As questões que colocam desafiam muito a visão conservadora hoje dominante na Europa sobre a atuação e o papel das instituições públicas na promoção da inovação e do crescimento.
Na apresentação que fez começa por caracterizar a visão dominante nos Governos europeus de hoje como uma que se limita a perguntar:

"Why doesn´t the government just get out of the way and let the private sector - the real revolutionaries innovate"?

Mariana Mazzucato questiona esta visão, e mostra que em países como os EUA ou a Alemanha foram instituições públicas que fizeram grande parte da inovação, e é o papel activo de diferentes instituições públicas que actuam em diferentes partes do processo de inovação que determina o sucesso americano em criar valor nesta área (podem ver uma talk mais curta do que a que apresentou no ISEG aqui).

Estas ideias estão no seu livro com o título provocador O Estado empreendedor que é descrito pela editora da seguinte forma: 

The Entrepreneurial State: debunking public vs. private sector myths - Anthem 2013 - is stirring up much-needed debate worldwide about the role of the state in fostering long-run innovation led economic growth.The book comprehensively debunks the myth of a lumbering, bureaucratic state versus a dynamic, innovative private sector. In a series of case studies—from IT, biotech, nanotech to today’s emerging green tech—Professor Mazzucato shows that the opposite is true: the private sector only finds the courage to invest after an entrepreneurial state has made the high-risk investments. In an intensely researched chapter, she reveals that every technology that makes the iPhone so ‘smart’ was government funded: the Internet, GPS, its touch-screen display and the voice-activated Siri. Mazzucato also controversially argues that in the history of modern capitalism the State has not only fixed market failures, but has also actively shaped and created markets. In doing so, it sometimes wins and sometimes fails. Yet by not admitting the State’s role in such active risk taking, and pretending that the state only cheers on the side-lines while the private sector roars, we have ended up creating an ‘innovation system’ whereby the public sector socializes risks, while rewards are privatized. The book considers how to change this dysfunctional dynamic so that economic growth can be not only ‘smart’ but also ‘inclusive’.

Eu confesso que concordo com muitas das ideias que apresentou. Nessa conferência tentei enquadrar o caso português, usando a experiência que tive com o estudo que fiz para a Gulbenkian. Salientei o importante avanço que houve na ciência, mas também na transferência de tecnologia e na inovação em vários sectores. Salientei que este avanço aconteceu em vários sectores, mas que foi particularmente notório em sectores em que instituições de transferência de tecnologia públicas ou semi-publicas cooperaram com associações empresariais, empresas e universidades de forma produtiva. Estes exemplos são muito variados e não surgiram apenas ou sequer especialmente em áreas de alta tecnologia.
A indústria do calçado em Portugal, por exemplo, não deu a volta por conseguir baixar salários, mas por conseguido evoluir para ter o segundo maior preço mundial. E quem conseguiu isso foram os empresários com visão, mas foram também as associações do sector, o centro tecnológico do calçado (CTCP) e a colaboração que desenvolveu com universidades, no design e engenharia, com a AICEP, o IAPMEI, etc. O mesmo pode ser dito do sector têxtil e vestuário, ou de outros tão diferentes como o sector agrícola, os produtos metálicos, automóvel, software ou do turismo.
As estratégias bem sucedidas partiram de iniciativas empresariais inovadoras, mas também da forma como estas se coordenaram com outras empresas e com instituições públicas relevantes. No sector agrícola a organização da comercialização fez uma enorme diferença. Nos produtos metálicos a melhoria da tecnologia e certificação mais avançada permitiu o salto que o sector está a dar. No têxtil e vestuário, a incorporação de novos materiais, o design e a melhoria da capacidade de resposta foram cruciais. No software, a maioria das principais empresas que temos saíram directamente da iniciativa de universitários. No caso do Turismo, uma política pública activa de atracção de “low costs” e de apoio a novos investimentos abriu novos mercados. No caso da indústria automóvel a intervenção pública foi essencial para o arranque em Portugal, mas também para o enraizamento da rede de fornecedores, tal como também foi em Espanha, na Coreia e em tantos outros países. 
Por exemplo hoje o CEIIA está a trabalhar com a Embraer e com empresas portuguesas para alargar a rede nacional de fornecedores para a industria aeronáutica. E há muitas outras áreas como a da Saúde, a Biotecnologia, a Energia, em que há ainda muitas oportunidades por explorar na resposta a problemas transversais (como o envelhecimento, os desafios da sustentabilidade, ou de encontrar novas soluções para a vivência e mobilidade dentro dos espaços urbanos), que requerem cooperação entre várias áreas do saber e entre universidades, hospitais, municípios, empresas, etc. Em todos estes casos as soluções inovadoras e a resolução mais eficiente e eficaz dos problemas sociais  A verdade é que em quase todos estes casos houve iniciativa de instituições públicas no arranque e desenvolvimento, e apoios públicos determinantes, para reforçar a competitividade empresarial. Hoje quase todas estas instituições estão subfinanciadas ou mesmo a lutar por sobreviver, centrando-se em actividades como a prestação de serviços com retorno imediato e adiando áreas em que podiam ter maior pioneirismo, mas apenas retorno dentro de alguns anos.A opinião que levei a essa conferência é a de que se tem de fazer mais nesta área e que os exemplos que há mostram que foi possível fazer muito com investimentos e recursos relativamente modestos. 


PS - Em jeito de resposta à Rita - A Mariana Mazzucato veio a Portugal por convite do António Costa, que encerrou a conferência. 

3 comentários:

  1. Manuel, adorei que tivesses pensado em mim--muito obrigada! Mas gostaria que ficasse claro que a estratégia dos EUA para fazer aviões militares, ir à lua, ser independente do ponto de vista da energia, etc., não está sujeita a ciclos eleitorais. Por exemplo, eu acho que a aposta do governo Sócrates em energias alternativas foi uma política de visão excelente, já a forma como foi implementada pode ser melhorada.

    Acho bom que se olhe para os EUA como um sítio onde buscar bons e maus exemplos: uns para seguir, outros para evitar. Mas muitas vezes, acho que se olha para os resultados e não se olha para a metodologia americana. Não basta apenas desejar ser como os EUA. Aqui há uns anos, a UE desejou competir com os EUA na produção de resultados científicos, mas depois a implementação não foi à americana. A investigação nos EUA é uma colaboração do estado e dos privados. É prática comum as empresas e os particulares darem "endowments" às universidades. Há pessoas nos EUA que morrem e deixam a herança a uma universidade. E as companhias usam essa investigação. Tu não podes escrever uma grant proposal sem incluíres o impacto da mesma na sociedade: quantas pessoas serão afectadas, uma estimativa desse valor, etc. A investigação tem de ser justificada por algo mais do que apenas o seu valor de existência.

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  2. Costuma-se dizer que em Portugal nada se cria, tudo se copia. Portugal precisa, antes de mais, de um bom governo e de boas reformas. E não se vai lá, como é costume, copiando uma coisa ali e outra acolá. Portugal é useiro e vezeiro nessas misturadas, com o os resultados que se conhecem. É claro que, com as devidas adaptações, a experiência dos outros pode ser aproveitável, mas um bom sistema de governo não é importável, depende das tradições. É preciso perceber o país, ter uma visão histórica do país, um pensamento organizado sobre a sociedade portuguesa. E não existe nada disso. No século XIX, queríamos copiar a Bélgica (o que o Eça gozou com isso), depois era a Irlanda, no tempo de Sócrates era a Finlândia e agora são os EUA!!!

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  3. Na intervenção que fez, a Mariana Mazzucato salientou que em muitos países europeus houve uma cópia do modelo americano incompleta. Avançou-se com o modelo de universidade de investigação, com incentivos a publicações, mas não se deram os mesmos passos no desenvolvimento do apoio às várias fases do desenvolvimento. Houve uma visão de que apenas na investigação pura havia uma falha de mercado e, ao contrário dos EUA, não se actuou, também em outros aspectos da cadeia de inovação (há excepções como a Alemanha, a Suécia, etc).
    No caso português existem problemas comuns ao que se fez noutros países europeus. A área de transferência é ainda pouco valorizada e promovida nas universidades e ao nível das politicas públicas e também pouco aproveitada pelas empresas de muitos sectores. No entanto, é algo que está a mudar, e está a mudar já há algum tempo. Por exemplo na relação universidade-empresa nos inquéritos do WEF Portugal surge hoje na posição 22, à frente de muitos países da OCDE, quando há sete ou oito anos estava na posição 40.
    Quanto à estabilidade de politicas. É um problema. Não exclusivo de Portugal.
    Nos EUA os republicanos falam de acabar com o Obamacare, e com várias outras coisas.
    Em Portugal na ciência houve alguma estabilidade entre 1995 e 2011, que foi posta em causa nos últimos anos. Nas renováveis há uma situação caricata, houve entusiasmo no ultimo Governo do PS, houve grande critica da primeira parte do Governo PSD-CDS, tudo o que se tinha feito era uma asneira para reverter. Hoje o ministro do ambiente e energia é um radical entusiasta das energias renováveis, numa total inversão de politica face ao mesmo Governo.
    Quanto a copiar e seguir modelos estrangeiros, o mais interessante neste caso é que há vários casos de boas práticas na Europa, quer na Suécia, ou mais recentemente na Inglaterra, quer em Espanha e Itália em alguns casos de industrias tradicionais, e noutras menos tradicionais, quer também em Portugal.
    Há já em Portugal muitos exemplos de centros tecnológicos, unidades de transferência de tecnologia, ou de estratégias de eficiência colectiva, que funcionaram bem, veja-se o Portugal fresh (na agricultura), ou o "Health cluster", ou o trabalho feito pelas universidades do Porto, Minho e Aveiro, ou casos como o IPN em Coimbra, ou a nível sectorial o CTCP, Citeve, CEIIA, entre outros. Há por Portugal um bom conjunto de bons exemplos, que não seguiram todos a mesma cartilha, copiando seja o que for. Alguns são até hoje exemplos citados noutros países como exemplos de boas práticas.
    Há infelizmente também muitos centros tecnológicos subutilizados. A maioria destes casos são projectos municipais que só foram desenvolvidos para usar fundos comunitários.
    Devemos aprender e não repetir estes erros.
    Devemos aprender com o que noutros países se está a fazer melhor.
    Mas acho que eventualmente o melhor é pegar nos exemplos que já funcionam bem, e dar-lhes condições para se desenvolverem e nos casos em que façam sentido reproduzi-los noutras áreas.

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