segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Da falta de punição dos maus banqueiros

Muita gente atribui a crise financeira de 2008 à desregulação. Partindo deste pressuposto, passaram a defender uma regulação mais apertada do sistema financeiro. Além do pressuposto poder estar errado – por exemplo, Niall Ferguson, ao contrário, acha que o problema foi o excesso de complexidade da regulação -, a emenda pode ser pior do que o soneto.
A questão não é saber se os mercados financeiros devem ou não ser regulados. Mercados financeiros não regulados (ou desregulados) é coisa que não existe. Por exemplo, sem normas para impor o pagamento de dívidas e punir fraudes financeiras não há pura e simplesmente sector financeiro. A questão que deve ser colocada é: qual é o tipo de regulação financeira mais eficaz? Os reguladores pós-crise parecem entender “regulação mais eficaz” como sinónimo de mais normas restritivas. É um erro grave. Pelo que a história nos ensina, favorecer a complexidade em detrimento da simplicidade dá sempre mau resultado – por exemplo, uma moldura reguladora extremamente restritiva como a existente até aos anos 1980 não impediu a grave crise financeira dos anos 1970.
Hayek explicou há muito por que motivo os planeadores do velho sistema soviético estavam condenados ao fracasso ao tentar dirigir uma economia moderna em toda a sua complexidade. Pode-se dizer o mesmo em relação às actuais esperanças dos reguladores pós-crise em transformar o sector financeiro num sistema imune à crise. Trata-se de uma missão impossível. O sistema financeiro é um dos sistemas mais complexos alguma vez criados pelo homem. São múltiplas as interdependências das partes, organizadas de forma assimétrica dentro de uma rede. E esta rede opera no limiar do caos. A combinação de concentrações, inovações financeiras e aceleração tecnológica é propensa a rupturas explosivas. Da regulação espera-se que reduza o impacto dessas explosões impossíveis de prever. Todavia, muitas vezes a regulação tem efeitos contrários. Ao apertar os nós da rede, pode tornar as rupturas ainda mais explosivas e catastróficas.
Em vez de sonharmos com precogs, capazes de antecipar o crime e a tragédia, o mais realista e eficaz é exigir a punição expedita dos maus banqueiros. Haverá sempre gente gananciosa e corrupta no sistema financeiro, afinal de contas é lá que está o dinheiro. Não há nada mais dissuasor de práticas fraudulentas do que o encarceramento exemplar dos maus banqueiros. Não é isso que se tem visto, nem em Portugal (onde a quadrilha do BPN continua à solta), nem sequer na Inglaterra ou nos EUA, onde o número de gente metida na cadeia é pateticamente reduzido.
Não há nada pior e mais devastador para um sistema financeiro do que o sentimento de impunidade, resultante da falta de punição. A aplicação enérgica da lei, por um lado, e a criminalização de certas condutas (inexistente em muitos casos por lacunas do direito criminal), por outro, fariam muito mais para evitar (ou atenuar) uma crise financeira do que uma regulação mais pormenorizada do sistema, como parecem crer os reguladores pós-crise.

5 comentários:

  1. Caro José Carlos Alexandre,

    "Imunizar" de forma completa o sistema financeiro é impossível devido à complexidade, completamente de acordo. E trabalhar nesse sentido muito provavelmente só dará azo a mais problemas. Mas a posição oposta (laissez-faire) é igualmente errada e perigosa. Porque se baseia num príncipio (errado) que os mercados são um sistema que tende para o equílibrio, quando (pelo que se vê) tendem para extremos. O problema de uma boa regulação (e não estou a dizer que sei como se faz) é que a mesma passa obrigatoriamente por colocar travões, ou seja, limitar crescimentos excessivos. E isso é muito impopular.

    Quanto à punição e à mão pesada, absolutamente de acordo em base morais, mas tenho dúvidas que isso leve a uma menor ocorrência de crises. Quem cria as crises por norma é narcisista na sua visão do mundo. Não consegue entender que esteja a fazer "mal" (de acordo com o seu conceito) e mesmo que saiba que está a fazer algo de perigoso, acha que a ele não vai acontecer nada.

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  2. Caro Carlos Duarte,

    Trata-se sem dúvida de um problema muito delicado e complicado e de solução extremamente difícil. Penso que o máximo que se pode fazer para reduzir o número de rupturas e o impacto das crises financeiras é encontrar paliativos, e a questão é encontrar o melhor paliativo possível. A regulação é inerente à existência de um sector financeiro; como refiro no post sem regulação não é sequer possível a existência de um sector financeiro. O meu ponto é se uma regulação mais apertada, mais restritiva e complexa é a mais eficaz. Penso que não é, dada a natureza extremamente complexa e volátil dos mercados financeiros. No fundo, parece-me que estamos de acordo.
    Sobre a punição, compreendo o seu ponto e talvez tenha alguma razão, o mundo financeiro está cheio de psicopatas, imunes ao medo, mas quando há fraude e crime e não há castigo (exemplar) é a lei da selva e lá se vai a confiança, elemento crucial para o bom funcionamento do sistema

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  3. Caro José Alexandre,

    Concordo inteiramente consigo: não é por falta de regulação que os banqueiros fazem as manobras que fazem e nos mandam a conta a casa quando os bancos dão de lado. Penso o mesmo há muito tempo. Tanto que escrevi vários apontamentos sobre o assunto no meu bloco de notas - vd. p.e. aqui
    http://aliastu.blogspot.pt/2009/01/bancos-ecolgicos.html
    em Janeiro de 2009

    O que falta não são leis (quanto mais leis mais se lambem os advogados) mas a capacidade e competência e capacidade para punir os infractores. Muita gente fala e escreve sobre o assunto - Em Dezembro de 2009, Ben Bernanke, nesse ano considerado figura do ano pela Time, afirmava que "Too big to fail is one of the biggest problems we face in this country". Mudou-se alguma coisa nos EUA ou no resto do mundo para resolver realmente o problema? Não fez. E não fez porque o sistema está subordinado aos interesses dos novos donos do mundo, aqueles que, mesmo depois do deflagrar da crise em 2008 continuam a apropriar-se de maiores quinhões de riqueza. São os "managers" das grandes corporações financeiras, e não só, que actuam de forma imparável e impune na ultrapassagem de quaisquer regras que encontrem pelo caminho. A evolução desta apropriação desregrada está bem demonstrada em "Capital no sec. XXI" de T. Piketty.

    A Justiça (melhor dizendo, a falta dela) é a grande culpada de muitas mascambilhas a que temos assistido. E quando falo em "Justiça" falo em justiça em sentido lato, independentemente dos agentes incumbidos de velar pelo cumprimento das leis ou das regras. Neste sentido, os supervisores, e nomeadamente o Banco de Portugal, é um agente da justiça na medida em que lhe compete supervisionar e punir os infractores em tempo oportuno. Aos tribunais só chegam, quando chegam, os casos susceptíveis de procedimento criminal. E lá, a experiência demonstra, acabam por adormecer o sono dos coniventes até ao dia em que acordam libertados por prescrição.

    Se repararmos no que se passou com todas as manobras banqueiras que contribuiram para a ruína da economia e assaltaram os bolsos dos contribuintes, há uma constante em todos eles: o falhanço da supervisão do Banco de Portugal. Por falta de leis? Por falta de regras? Não. Por falta de competência e de, perdoe o plebeísmo, tomates. Quando Ricardo Espírito Santo foi apanhado em falta de cumprimento de impostos ou no envolvimento em redes de branqueamento de capitais, deveria ter sido imediatamente suspenso das suas funções até averiguação final dos acontecimentos por falta de idoneidade bastante. A um banqueiro não basta ser sério, também tem de parecer ser sério. Mas a ConsTacio Primeiro sucedeu Constâncio Segundo, e parece que, para eles, a indolência compensa.

    As conivências entre o BES e a PT vinham de há muito tempo e qualquer auditora que não estivesse dependente dos humores dos auditados teria denunciado o exotismo daquelas relações. A ninguém, minimamente envolvido na supervisão, auditoria e revisão de contas (ninguém fala no papel de embrulho dos ROC) do BES poderia escapar uma situação tão evidente: o financiamento do BES ao GES, a triangulação de empréstimos entre o BES, o GES e a PT. Além de muitas outras triangulações, porventura menos salientes.

    Há dias, um desavergonhado, advogado, membro não executivo do CA do BES afirmava em entrevista do jornal i que todos os membros entravam mudos e saíam calados das reuniões. Num país onde houvesse o mínimo respeito pelo cumprimento das regras este fulano deveria ser imediatamente chamado a prestar declarações à polícia. Porque ele, enquanto membro do CA de um banco, e o facto de ser membro não executivo não o iliba de responsabilidades, se testemunha que o CA não cumpria as suas obrigações, ou fala verdade - e deve ser punido por incumprimento dos deveres que lhe competiam - ou não, e deve ser punido por perjúrio.

    Mas nada disto vai acontecer.
    Acontecerá o costume: pagam os mesmos a factura.

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  4. O meu comentário saiu com algumas gralhas.
    Uma edição revista e ilustrada, sem garantia de isenta de outras gralhas, encontra-se aqui
    http://aliastu.blogspot.pt/2014/09/leis-mais-justica-menos.html

    Ao dispor de quem não concordar.

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  5. Ao ouvir as desculpas do Presidente com o 1º ministro. esse com o Bdp. este com o auditor e estes com o responsaveis do BES, faz lembrar a do fulano que se desculpou de não ter atuado com a casa roubada, porque o sr. que ia a sair lhe garantiu que estava tudo em ordem.
    Neste circuito estão provavelmente umas centenas de milhares de euros mensais de irresponsaveis, que não têm a coragem e denunciar a marosca que o outro teve.

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