segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Carrossel

Em 1976, Zeca Afonso lançou aquele que é um dos seus melhores álbuns, “Com as Minhas Tamanquinhas”. A música que mais me intrigava quando eu era pequeno era a última, “Alípio de Freitas”. Contava a história de um homem que em 1970 foi preso e torturado no Brasil, com a companheira e a filha. Sempre me chocou o confronto entre o tom da música e a brutalidade do que era relatado.

Mais tarde soube que quase tudo na música era factual, desde o nome da prisão, Tira-dentes, às ligas camponesas que andou a treinar. A principal imprecisão talvez seja quando diz que não havia tortura que domasse Alípio de Freitas. Em várias entrevistas que deu, Alípio confirma que de facto a tortura não o fez falar, mas só não se suicidou porque não conseguiu. Na verdade, transportava sempre um veneno consigo, para o caso de ser apanhado e torturado. Infelizmente, uns dias antes de ser capturado, o veneno que sempre trazia consigo tinha sido usado para eutanasiar um cão.

A filha, que também esteve presa com a mãe, contaria que na adolescência não percebia a música do Zeca Afonso. Que tinham sido tempos demasiado sofridos e não entendia como a prisão do pai podia servir de mote para uma canção.

Essa filha chama-se Luanda e também canta. Em 2014, mais de 40 anos depois de ter sido presa em menina, fez um álbum de homenagem a Zeca Afonso, “Com as Minhas Tamanquinhas”, onde, entre muitas outras, canta a música que Zeca tinha dedicado ao seu pai, Alípio, que, aliás, também participa nesse álbum, cantando "Traz Outro Amigo Também".

2 comentários:

  1. Luís:
    Zeca Afonso tinha a mestria de fazer canções excepcionais, verdadeiras obras-primas musicais, a partir fosse do que fosse, até mesmo dos temas da morte ou do sofrimento.
    É o caso de «A morte saiu à rua», de homenagem ao pintor José Dias Coelho, no álbum «Eu vou ser como a toupeira», de 1972.
    https://youtu.be/5IAlrXheQ7I
    De uma beleza musical ímpar, apesar de falar de uma morte.
    E a dita, que ainda durava, deixou passar isto.
    Ou o caso de «Teresa Torga», também do álbum que refere, «Com as minhas tamanquinhas», sobre um caso real da perturbação psicológica de uma mulher, passado nas Avenidas Novas, em Lisboa. Um libelo contra o voyeurismo e os paparazzi, muito antes de estes terem a importância social de hoje.
    https://youtu.be/oyvcxJV_NZg
    De facto, «Com as minha tamanquinhas», é, talvez, o melhor álbum do período pós-25 de Abril.
    Mas os álbuns «Traz outro amigo também», de 1970 (ou a frescura campestre à Bernardim Ribeiro), «Cantigas do Maio», de 1971 (ou a consistência poética e musical, com o melhor arranjos musical de todos), «Eu vou ser como a toupeira», de 1972 (ou a aparente simplicidade melódica do acompanhamento predominante da guitarra) e «Venham mais cinco», de 1973 (ou a irreverência da poética de pendor surrealista), são, para mim, de longe, os melhores de todos. Tenho dificuldade em eleger um deles como o melhor.
    Na minha modesta opinião, a obra musical de Zeca Afonso, no período pós-25 de Abril, foi prejudicada pela introdução da componente política demasiado militante e ligada às circunstâncias políticas imediatistas da época.

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    1. É difícil eleger um. Eu até do último álbum sou fã.
      Eu se tivesse de eleger um, penso que escolheria Cantigas do Maio, até pela sua importância histórica.

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