quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O problema não é o burkini

A questão fundamental da proibição do burkini nalgumas praias francesas é esta: há dois ou três anos nenhum político francês se atreveria a uma medida destas, nem nenhum tribunal teria coragem para a sancionar. Toda a gente acharia ridículo e inadmissível que o Estado mandasse vestir ou despir peças de roupa a uma senhora numa praia. O que se está a passar é uma das consequências do terrorismo islâmico. Se isto se tornou possível, significa que muitos franceses sentem que estão agora criadas as condições para manifestarem publicamente a sua desconfiança em relação aos muçulmanos. Verdade que o islão é incompatível com os direitos das mulheres, pelo menos como os concebemos actualmente no ocidente. Todavia, não foi essa a preocupação das autoridades francesas quando decidiram avançar com a proibição. O burkini é apenas um pretexto. Os políticos querem simplesmente ir ao encontro de um sentimento popular, mostrando um sinal de força e deixando claro quem é que manda. Se os atentados se prolongarem e a comunidade muçulmana não se demarcar claramente deles, podemos contar com outras medidas do género. Medidas que nem nos passam pela cabeça.

5 comentários:

  1. É pior a emenda do que o soneto. Andar a mandar despir mulheres na praça pública é, para mim, incompatível com os direitos das mulheres como os concebemos no Ocidente. Se querem proteger as mulheres, comecem por não as humilhar em público.

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  2. Pois para mim, e repito, para mim, o problema é definitivamente o burkini.

    Talvez se perceba melhor se, em vez de burkinis, eu falar de sotainas:

    Não tenho problema nenhum com padres em geral. Ia a dizer que não tenho nenhum no meu círculo mais próximo mas já me estava a esquecer que trabalhei durante anos com um, que foi meu professor e orientador. As nossas relações não tinham nada a ver com a sua condição de padre, e não me lembro de grandes conversas com ele que não pudesse ter tido com um não padre.

    Até aqui, posso comparar perfeitamente os padres com os muçulmanos excepto que, tanto quanto sei, nunca privei com nenhum.

    Os padres que eu conheço, incluindo este de que falei, vestem-se como qualquer outro homem (uns assim, outros assado), eventualmente com uma cruzinha discreta algures, como as bandeirinhas portuguesas que os anteriores ministros usavam na lapela (talvez ainda mais discreta por não ser colorida); ou então usam cabeção, o que implica uma camisa um bocado diferente que hoje em dia acho que é cinzenta. Não tenho opinião nenhuma sobre a indumentária deles, nem nunca me ocorreu meditar sobre as vantagens relativas de parecer uma pessoa como todos os outros ou mostrar claramente o seu estatuto e a sua função.

    Até aqui, continua tudo igual para mim, padres e muçulmanos.

    E depois, de vez em quando há uns que usam sotaina. Não foi sempre assim mas, que eu saiba, hoje em dia um padre que use sotaina pertence seguramente às correntes mais conservadoras da igreja. Não serão todos seguidores de Monsenhor Lefèbvre, e haverá outros conservadoríssimos que não usam sotaina mas o certo é que essa vestimenta me dá a indicação de uma forma de pensar e estar no mundo que está a léguas de distância da minha e em relação à qual não tenho simpatia nenhuma.

    E aqui voltamos ao burkini. Há uma infinidade de formas de estar dos muçulmanos que não me suscitam qualquer espécie de opinião. Sei perfeitamente que a posição das mulheres em muitas comunidades muçulmanas é muito pior do que eu gostaria que fosse, mas sei também que nem sempre isso se deve à religião propriamente dita mas sim à cultura subjacente; sei também que as aparências são muitas vezes enganadores e as mulheres podem ter muito mais poder do que se imagina. E, na pior das hipóteses, sei também que não se podem salvar as pessoas contra a sua vontade. De qualquer forma, tal como em relação aos padres, não tenho nada a dizer sobre a vastíssima maioria dos muçulmanos, que vivem a sua vida como entendem, tal como eu. Mas tal como a sotaina é um sinal exterior e deliberado duma forma de pensar e viver que me é totalmente alheia, há formas de vestir, em geral o corpo das mulheres, que são um sinal exterior e deliberado duma forma de pensar e viver com a qual eu não quero ter nada a ver.

    Soluções, como sociedade? Não tenho nenhuma.

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  3. BRAVÔ! Muito bom post, José Carlos Alexandre. Dá precisamente no ponto. A questão não é o burkini nem a burka nem qualquer outra trapagem islâmica. Também não é uma questão de dicriminação sexual como a Rita intuiu ou de certos e errados como o Luís Gaspar deixa no seu post. É, evidentemente, uma questão de alarme social causada pelos muçulmanos pelo que o que os políticos Franceses estão a fazer é a tentar reduzir a visibilidade pública do islão como forma de minorar esse sentimento de insegurança na população. Parece-me algo claríssimo. Tentar andar a procurar explicações noutros lados para algo que me parece tão simples é inglório. Agora duvido que seja possivel levar isto muito mais longe dado que estamos muito perto de entrar em questões de discriminação religiosa e isso na Europa é tema muito sensivel e vedado constitucionalmente em todos os países da União Europeia.

    Uma última nota. Escreve, no fim do seu post que podem ser tomadas medidas muito mais duras, medidas que nem nos passam pela cabeça. Pela do José Carlos não sei. Pela minha passam e não passam agora. Há talvez 10 anos que escrevo sobre este problema que, de resto, não é novo. Começou a desenhar-se no final dos 1990s mas nessa altura quem abrisse a boca para falar nele era rotulado de xenófobo, nazi e mimos similares. Portanto as coisas foram-se deixando andar e hoje chegamos onde chegamos. Há, porém, uma coisa ainda pior do que os governos tomarem medidas duras. É as populações cansarem-se e, maciçamente, começarem a agir por sua conta e risco. Este sim é o meu grande receio nesta história toda. Se isto vier a acontecer será uma tragédia desde logo em França mas também em Inglaterra, Alemanha e Suécia, pelo menos. O receio de que isto suceda é o grande motivo pelo qual sempre defendi que se atalhasse o problema quando ainda era possivel faze-lo sem problemas de maior. Esta opção já não existe e o que quer que seja feito trará sempre alguma dor. Mas muito menos do que continuar a empurrar o problema com a barriga e a adiar soluções. O problema, em todo o caso, resolver-se-á. A bem já não será. Isso era há 7-8-10 anos. Agora só resta ver se se irá resolver a mal, a muito mal ou de forma trágica. Infelizmente e do que conheço da Europa aposto, muito a meu pesar, na terceira opção...

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  4. E eu continuo a dizer que a questão não é o Islão, nem sequer a visibilidade pública do Islão. Mais precisamente, essa confusão em que estamos a cair que nem os patinhos serve exclusivamente o projecto político que só tem a ganhar com o tal alarme social e o endurecimento de posições no Ocidente. Isto não é uma questão religiosa.

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  5. Obrigado, Zuricher, no essencial estamos de acordo. Também acho que as explicações mais sofisticadas sobre a discriminação, a liberdade e direitos da mulher, etc. passam ao lado dessa questão essencial: a desconfiança em relação aos muçulmanos aumentou nos últimos tempos por causa do terrorismo, muita gente começa a manifestá-la publicamente e os políticos, sentindo isso, querem ir ao encontro desse sentimento. Isabel, sinceramente não vejo como é que se pode tirar o islão desta equação, desde logo porque o burkini (esteticamente horrível, mas isso não é motivo para proibição) funciona neste caso como um símbolo, é assim que as pessoas o vêem.

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