segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Passado vs. Futuro

O supermercado Fiesta, na Hillcroft St., tem uma secção de produtos internacionais extensa. Apesar do Fiesta ser uma cadeia de supermercados latinos, a secção internacional está organizada por países e tem bastantes produtos da América Central e do Sul, África, Ásia, e Europa, com destaque para o norte do velho continente, mais do que o sul. Perguntaram-me se já lá tinha ido, mas eu desconhecia onde era, apesar de saber que existia. Perguntei o nome da rua onde ficava e ontem decidi ir lá. Não encontrei grande coisa portuguesa, apenas um pacote de sal de Olhão, que estava na secção do Brasil.

Nos legumes, encontrei favas frescas e agrião de água, duas coisas que são dificílimas de encontrar. Quando vivi em Oklahoma, o único sítio onde se podia encontrar agrião era em algumas lojas asiáticas. Eu costumava ir à Cao Nguyen, um super-mercado enorme vietnamita, localizado no Asian District, também conhecido pelos locais por "Little Saigon". A secção de padaria era excelente, mas era preciso ter estômago para sobreviver à secção de comida refrigerada, pois havia lá uns bichos que pareciam insectos e não estou a referir-me aos camarões que são vendidos com cabeça e barbas, uma coisa que aflige os americanos "brancos", pois não estão habituados a ver as cabeças dos animais que comem.

Com o agrião, fiz uma sopa. As minhas sopas não seguem bem o receituário tradicional português, apesar de a técnica ser portuguesa. Normalmente, vejo os legumes que tenho no frigorífico, faço uma base e uso uma verdura. A sopa de ontem tinha batata, batata-doce, uma espécie de abobrinha de verão, cenoura, e cebola na base. Depois de cozido e triturado, levantou fervura e adicionei o agrião, apagando o lume dois ou três minutos depois do o colocar para ficar com uma boa textura. Pensei em colocar arroz, mas é uma grande chatice porque demora a cozinhar e eu não o queria triturado. Havia também a possibilidade de meter uma massinha, mas eu queria fazer sem gluten porque a filha da J. tem uma intolerância e eu queria partilhar alguma da minha sopa com a J.

Quando entreguei a taça com a sopa, conversámos sobre a minha visita à lojas de mobília. A J. tinha lido a entrada do dia no diário de há 10 anos em que relatava que o marido lhe tinha perguntado se o país tinha tido um Presidente chamado John Kennedy e se tinha sido assassinado. Sim, tinha-se recordado bem e a J. lamentava-se de um homem com uma mente tão brilhante como a do seu marido, ter sucumbido à doença de Alzheimer. Tentei animá-la, dizendo-lhe que talvez ele não se recordasse do que tinha tido, mas ela disse que não, que havia ocasiões em que ele ficava lúcido e se lembrava de que, no passado, o seu cérebro funcionava bem.

Aproveitei para perguntar à J. o que estava a fazer quando recebeu a notícia de que JFK tinha sido assassinado -- lembrei-me de fazer essa pergunta depois de ter encontrado o retrato no sótão, mas esta foi a primeira oportunidade que tive. Ela contou-me que tinha ido à baixa, ao Foley's, que nessa altura era a "the department store" em Houston, comprar um chapéu para levar a uma função das esposas do corpo de docentes da universidade onde o marido trabalhava. Nesse tempo, era necessário as senhoras usarem chapéus em ocasiões mais formais. Na loja, a notícia espalhou-se rapidamente entre os clientes e dirigiram-se para a secção de electrodomésticos para ver as notícias. "Everyone was in disbelief!" Todos estavam incrédulos com o acontecimento.

A J. perguntou-me o que eu estava a fazer, mas eu ainda nem era um projecto de pessoa. Ela já não se recordava do ano, mas eu sabia, de ver os documentários na RTP 2, que tinha sido em Novembro de 1963. O dia não me recordava, mas foi a 22. O evento da J., para o qual o chapéu era preciso, devia ter alguma coisa a ver com o dia de Acção de Graças, que foi celebrado no dia 28 desse ano. É comum organizar jantares e almoços desde o Thanksgiving até ao Natal.

Mudámos de tópico e falei-lhe de um jornalista, Jared Yates Sexton, que foi a um evento para Donald Trump, sem que estivesse identificado como jornalista. Durante o evento, enviou Tweets acerca do que ouvia: alguém tem um botão com Trump vs. Tramp, Hillary Clinton deveria ser presa para o resto da vida, os jornalistas deveriam ser presos e sujeitos a uma lobotomia, a culpa da descida de Trump nas sondagens era da comunicação social que era enviesada, etc. Segundo Jared, alguns dos jornalistas que estavam na "Press Box" sentiram medo de lá estar e preferiam não estar identificados.

Disse à J. que achava que Trump iria perder, que as pessoas que votaram em Obama são, acima de tudo, discretas e não dão nas vistas, logo é muito difícil de saber verdadeiramente o que se passa no terreno das eleições. Obama precisa que Hillary ganhe porque se Trump ganhar, o país entra em recessão rapidamente e quem levará com as culpas será a administração Obama. Ele tem todo o interesse em ajudar Hillary a vencer porque assim o seu legado será preservado. J. é mais pessimista. Ela acha que, mesmo se Hillary ganhar, é provável que seja assassinada por algum apoiante de Trump.

Mais tarde pensei no assunto, acho que já tinha eliminado da mente que vivesse numa altura e num sítio em que o Presidente poderia ser assassinado, ou que o país ficasse tão dividido que houvesse pessoas que quisessem usar violência para impor o seu ponto de vista. Mas enganei-me, riscos deste tipo nunca serão eliminados. Foi sempre uma constante da nossa história humana; por vezes, temos a sorte de viver momentos mais calmos.

6 comentários:

  1. Rita, Obama, com as suas acções, aqui em particular com o seu menosprezo para todos os que pensam de forma diferente dele - normal em esquerdistas e advém do seu voluntarismo e auto-convencimento de estarem sempre certos em tudo - e permanente atitude de desafio em várias frentes criou imensas tensões na sociedade Americana que são muito sensiveis neste momento. A tensão racial de que falámos há dias é apenas uma delas.

    Não tenho quaisquer dúvidas em qualifica-lo como o pior presidente Americano do pós-guerra - conseguir ser ainda pior do que Jimmy Carter é obra mas este conseguiu - e aquele que deixa o pior legado tanto para os EUA, internamente, como para o mundo. Foi uma tragédia de criatura. Hillary Clinton penso que não irá placar essas tensões, de todo. Talvez o contrário até pelo que se tem visto. Já com Trump vejo que essas tensões podem bem amenizar-se, quanto mais não seja porque ele ignora-as o que lhes tira rapidamente o fole que têm hoje em dia.

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    1. Não concordo, penso que nem ele é muito de Esquerda, nem será considerado o pior Presidente na história dos EUA--pior do que Bush II é difícil, mas os europeus estavam completamente a leste dos problemas que a Administração Bush causou. Mas ainda é cedo para avaliar. Daqui a uns anos, poderemos comparar notas e tirar uma conclusão.

      Trump será pior do que Bush II. Isso é claríssimo, mesmo agora. Trump nem conhecimentos básicos possui para ser Presidente. Julgo que presumes que os apoiantes de Hillary se resignarão muito mais facilmente do que os apoiantes de Trump a uma vitória do outro candidato -- mas isso é porque os apoiantes de Hillary respeitam resultados democráticos muito mais do que os de Trump. Não tem nada a ver com o amenizar de tensões; tem a ver com saber viver em democracia.

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    2. Bem, não podia discordar mais. Para mim o Obama foi dos melhores presidentes que os EUA tiveram e então comparado com a desgraça que o antecedeu, não há mesmo comparação possível. A grande "falha" do Obama - como da maioria dos presidentes norte-americanos - foi mesmo a política internacional: mesmo considerando que herdou uma situação complicada, o curso algo errático (especialmente em relação à Síria) não ajudou.

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    3. Rita, essa descrição do "nem conhecimentos básicos possui para ser Presidente" assenta como uma luva - e muitos o disseram na altura - a Reagan candidato. Foi dos melhores Presidentes que os EUA já tiveram. Por outro lado, não me vejas como Europeu distante. Por um lado sempre estive muito próximo dos EUA tanto pessoal como profissionalmente, por outro, vivi aí on/off durante cinco anos e, por fim, embora não viva nos EUA eu estou no teu hemisfério e onde venho estando nos últimos meses as influências são totalmente Americanas e a Europa aqui não pinta nada. Não estou nas proximidades da Europa. Mental e emocionalmente nunca fui nem Português nem Europeu simplesmente. Acompanhei com muito interesse os tempos de Bush II. Fez alguns disparates, sem dúvida. Há, porém, um que muita gente considera disparate e eu não, de todo, a invasão do Iraque. Fui a favor da invasão do Iraque dado o contexto regional do momento, mormente na Arábia Saudita com a morte do saudoso Rei Fahd e a ascensão de Abdallah. Deste ponto de vista, se era este o objectivo, foi plenamente atingido dado Abdallah ter mudado totalmente de tom quando viu as tropas Americanas ao lado. Onde as coisas correram mal foi em não ter sido feita uma ocupação correcta do território. Bush pai recusou ir até Bagdad aquando da libertação do Kuwait por receio de não ter tropas suficientes para ocupar o Iraque. Bush filho tentou ocupar o Iraque com metade das tropas. Deu asneira e, este sim, foi o grande, enorme, erro, que transformou uma ideia óptima e até necessária dado o contexto do momento no que acabou por ser. Que, enfim, Obama só piorou com a retirada total de tropas Americanas que agora estão a voltar.

      Essa dos eleitores de Hillary respeitarem muito mais resultados democráticos, enfim. Referes-te aos Black Lives Matter? Ou aos arruaceiros (ex-Sanders, agora Hillary) que rebentam tudo quanto é função do candidato Trump?

      Carlos Duarte, foi, óptimo. Começando pela tragédia do Obamacare, continuando pelas tensões relativamente às armas que dividiram o país como nunca antes sobre este tema e continuando pela política internacional em que a Síria é apenas o último dos disparates, onde está o óptimo?

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  2. Obama foi um muito bom Presidente para a América. Segurou a maior crise financeira dos últimos 80 anos, entrega uma economia pujante, sem desemprego, com as empresas americanas a liderar, distanciadas, a intermediação de bens e serviços a todos os consumidores do planeta. Já para o resto do mundo, as boas intenções da sua política internacional deram em nada, ou em mal. Muito devido à herança catastrófica do seu antecessor e à inépcia da sua Secretária de Estado Hillary Clinton. À excepção de Rand Paul e Bernie Sanders, todos os candidatos a esta eleição ficam a milhas da estatura política de Obama, e são muito perigosos.

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  3. Se quiser fale com eles no supermercado que eu exporto umas bananas da Madeira para lá

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