segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Harvey, dia 4

Entrámos do quarto dia da tempestade. Hoje não há tantos avisos de tornados, mas há zonas da cidade que vão ser inundadas voluntariamente porque há duas barragens -- Addicks e Barker -- que estão em níveis críticos de capacidade e receia-se que possam rebentar. Entre uma inundação descontrolada devido a uma falha, como o que aconteceu em Nova Orleães com Katrina e Rita, e uma controlada, optou-se pela controlada. A noite passada, às duas da manhã, alguma da água foi libertada, mas mesmo assim o nível das barragens continua a subir. As populações em risco estão a ser evacuadas.

As autoridades estão a trabalhar com dois tipos de previsões: a meteorológica, que tenta prever o comportamento da tempestade, e a do movimento da água nas bacias hidrográficas. A tempestade neste momento tem o centro sobre o Golfo do México, o que lhe permite ganhar energia e vapor de água para produzir chuva. A sudoeste da tempestade, há uma corrente de ar seco que permitiu que não chovesse tanto durante a noite passada e aliviasse alguns dos bayous. As previsões do comportamento da bacia hidrográfica são mais complicadas porque esta tempestade gerou tanta chuva: há areas que se prevê receberem mais de 50 polegadas de chuva, ou seja, 1,27 metros! Nunca houve nada assim aqui.

O Bayou Brays, que é o que percorre a área mais perto de mim, já baixou de nível, o que permitiu escoar a rua que dá acesso à minha. Já vos tinha dito antes, mas volto a repetir: em Houston, as ruas principais fazem parte do sistema de controle de inundações: retêm alguma água para dar tempo aos bayous para escoar para a Baía de Galveston e depois para o Golfo do México. Assim as comunidades perto dos bayous não inundam tão rapidamente. Normalmente, ao longo dos bayous há um parque com trilhos e áreas verdes, que serve o propósito de amortizar o impacto das cheias, pois inunda primeiro e não compromete edifícios.

O planeamento das cheias é feito com base no pior cenário que pode acontecer com frequência de uma vez em 100 anos. A tempestade Harvey, neste momento, está ao nível de ser a pior coisa que pode acontecer uma vez cada 500 anos ou uma vez em 800 anos. Não é possível eliminar completamente o risco de um evento desse tipo porque o custo de planear uma coisa que acontece uma vez em 500 anos seria exorbitante. Mesmo assim, nota-se que houve bastante progresso desde 2005, quando o furacão Katrina aconteceu. Uma das diferenças que se nota é que, como estas tempestades afectam muitas pessoas numa zona alargada, é preferível manter a calma e priorizar os recursos: ver quem precisa de ajuda quando o furacão entra em terra e depois à medida que a tempestade percorre o território.

Primeiro, foram evacuadas as comunidades que seriam afectas pela entrada do furacão em terra, como Corpus Christi, depois as comunidades que se sabia logo que iriam inundar, depois o resto de acordo com os riscos a que estavam expostos. O Mayor de Bellaire, a cidade onde moro e que fica dentro de Houston, envia e-mails diários a explicar o plano de gestão da tempestade, que também podem ser consultados no blogue do Mayor. Num dos e-mails de hoje explicou a prioridade dada aos esforços de recolha das vítimas dentro de Bellaire:

"Families all over Bellaire have been stranded in their homes, with the highest number reported in Southdale, which has experienced the most severe flooding. Many of you in other low-lying areas are stuck as well. Yesterday we received more than 1,750 calls for rescue. To those still waiting, we haven’t forgotten about you. Please hang in there just a bit longer.

The first rescue operations prioritized the elderly and disabled, and those with life-threatening emergencies. Among them were a paraplegic resident who had water up to the top of his bed, a baby on medical equipment with a depleting battery, an insulin-dependent diabetic stranded without food, and others with serious medical conditions. We successfully got them all to safety. The other primary focus yesterday was on single-story homes with dangerously high levels of flooding, in which residents couldn’t simply run upstairs to get out of the rising water.

After nightfall, we continued rescue operations in the dark as conditions allowed. Our first responders were out in high-water vehicles transporting people, as was the National Guard. Metro assisted with transfers to area shelters. Hundreds remain stranded, but overnight many who had previously called for help opted to stay in place after all. We appreciate their resilience and will check in on them as conditions gradually improve.

As dawn breaks on a new day, we’re relieved to find that yesterday’s flood waters have at long last started to recede. Brays Bayou is at the moment back within its banks, but barely. This does not mean you can let your guard down, but it does mean we caught a break with lower overnight rainfall amounts than had been forecast, and that should help considerably with today’s rescue efforts."


Andrew S. Friedberg, Mayor de Bellaire


Na conferência de imprensa desta madrugada -- desde a tempestade, levanto-me sempre a meio da noite para ver se a minha rua continua bem e para avaliar as notícias e as previsões --, Brock Long, o Director da FEMA, explicou como se estão a gerir os recursos: as autoridades locais estão em controle da situação, pois são as que têm mais informação, conhecem melhor o território, e têm protocolos de coordenação do auxílio às comunidades. Quando os recursos das cidades e dos condados são esgotados, pedem ajuda ao governo do estado; quando estes recursos são esgotados, pedem ajuda ao governo federal. Talvez tenham reparado que as autoridades locais pediram logo ajuda ao governo estatal e este ao governo federal ainda antes da tempestade atingir, porque viram que não teriam recursos suficientes.

Desta vez, houve mais cooperação e comunicação entre autoridades, hospitais, bombeiros, polícia, comunidades afectadas, etc. porque depois das falhas de Katrina (2005) foram implementados protocolos de disseminação de informação. As instalações físicas em Houston também foram melhoradas e isso deve-se às falhas que se observaram durante o furacão Allison, que atingiu Houston em 2001, quando muitos dos hospitais ficaram inundados -- as falhas dos hospitais em Nova Orleães com Katrina também serviram de lição. Mesmo assim nota-se que há coisas que têm de ser melhoradas: os hospitais no Centro Médico estão quase todos operacionais, mas os acessos para chegar aos hospitais não estão bons, logo é uma das áreas em que terão de melhorar.

Os canais de comunicação usados são variados. Todas as autoridades estão na Internet: Twitter, Facebook, blogues ou páginas de Internet. Recebemos também informação por e-mail se optarmos por subscrever às newsletters e isso é feito quando nos registamos como residentes da cidade. A app do Weather Channel envia SMSs com informação urgente, como avisos de risco de cheias repentinas, tornados, etc., para além de ter as previsões das condições atmosféricas. Os canais de TV locais estão com a emissão completamente dedicada à cobertura da tempestade e também têm presença na Internet, especialmente nas redes sociais. As rádios também têm cobertura. Se há um aviso urgente das autoridades, a emissão das rádios é interrompida, aparece um barulho esquisito para nos alertar que vamos receber um aviso de emergência (durante alturas de não-emergência, há interrupções de rotina a ensinar-nos a reconhecer estes avisos).

Apesar da enormidade desta tempestade, nesta altura apenas se sabe da morte de 8 pessoas, o que é bastante bom, dado que a tempestade afecta 6,8 milhões de pessoas, quase um 1/4 da população do estado. Como comparação, em Agosto de 2016, em cada fim-de-semana morreram mais de 25 pessoas em acidentes de carro no Texas. A tempestade vai dirigir-se para a Louisiana, a seguir ao Texas. Esperemos que as autoridades estejam preparadas.





1 comentário:

  1. Ainda bem que foi aprendido pelas autoridades e outros agentes de segurança com os erros observados na crise provocada pelo Katrina.
    Assim aprendessemos nós, portugueses, com os erros cometidos durante décadas no combate aos fogos florestais.

    Mas, muito sobretudo, ainda bem que a Rita está bem!

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