segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Crescimento "robusto"

Quem estuda economia sabe que medir a economia é uma grande chatice. O PIB, uma medida que já vem de 1937, foi proposto por Simon Kuznets e inicialmente foi importante para medir o progresso que se fazia na luta contra a Grande Depressão. O mérito do PIB mais apreciado naquela altura é que descia quando as coisas ficavam más e subia quando elas melhoravam. Hoje em dia a lógica é a inversa, pois nós sabemos que as coisas estão más quando o PIB desce e melhoram quando ele cresce--ou será que melhoram? Medir uma economia através do PIB tem muitos defeitos, mas é a métrica mais popular e mais fácil de compreender.

A semana passada saiu a revisão da estimativa para o crescimento da economia americana no segundo trimestre: o crescimento homólogo do PIB foi revisto de 2,3% para 3,7%. A Bloomberg teve logo uma peça em que se aconselhava cuidado com o número do PIB porque o Rendimento Doméstico Bruto apenas aumentou 0,6%. A verdade deve estar entre um número e o outro. Entretanto, em Agosto, os americanos estão um bocadinho deprimidos, pois onível de confiança dos consumidores caiu.

Talvez se recordem que a economia alemã expandiu a 0,4% no segundo semestre, depois de ter expandido a 0,3% no primeiro. A The Economist denota o desempenho robusto da Alemanha, que contribuiu para o maior crescimento da Zona Euro. O governo alemão também está feliz com o resultado. Deus abençoe a Alemanha, que eu não tenho uma bênção aqui à mão. Depois de ler a Bloomberg, fiquei confusa com a definição de "robusto". Das componentes do PIB da Alemanha, as exportações cresceram 2,2%, mas o terceiro parceiro comercial mais importante para a Alemanha é a China. Hmmm, será isto robusto?

Já sei que, de acordo com algumas pessoas, os problemas da China têm a ver com o mercado bolsista, não são reais. Na realidade, construir cidades vazias é uma óptima alocação de recursos. Ter terras agrícolas tão poluídas que os agricultores e os seus filhos têm cancro, mas continuam a comer o arroz porque arroz poluído, que eles sabem que os mata, é melhor do que morrer de fome também é óptimo. Construir escolas que "obedecem" a leis de qualidade de construção civil tão más que elas caem com crianças lá dentro também é bom. E que dizer de usar imobiliário para garantir empréstimos para se "investir" na bolsa? A realidade é aquela coisa que nos morde de vez em quando, não é?

Os gregos continuam a desapontar: não bastava terem sido chamados de uma oddity pelo The Economist, quando se anunciou o seu crescimento de 0,8% no segundo trimestre, como agora o seu crescimento foi revisto em alta para 0,9%. A maior causa deste desempenho foi a descida das importações, que contraíram 4,9%. A Bloomberg diz que os economistas ficaram chocados com estes números e estão a contar com más notícias no terceiro trimestre para o tradicional "I told you so..." No entanto, os números foram cozinhados pela própria Grécia, logo sabe Deus se são confiáveis ou não.

9 comentários:

  1. Rita, o grosso da exportação alemã para a China são máquinas, sendo que muitas delas não se destinam tanto ao "consumidor final" (malgrado os Audi e Mercedes - a BWM é mal-vista na China) mas sim a processos produtivos. Ou seja, enquanto a China fabricar "coisas", os alemães vendem máquinas - isto, obviamente, até ao dia em que copiem a totalidade das referidas máquinas e/ou o seu mercado de exportação cesse.

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    1. É exactamente esse o problema. Como os custos do trabalho na China aumentaram muito (quadruplicaram entre 2009 e 2014), muitas empresas estão a ir para outros países asiáticos (Índia, Bangladesh, Cambódia, etc.) para lá produzirem. Há também um aumento do número de companhias americanas a irem para o México ou até a ficarem nos EUA em vez de produzirem na China. http://ivn.us/2014/06/27/u-s-companies-leaving-china-mexico-home/

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    2. Já desde as negociações da NAFTA que se ouvem comentários em como as empresas americanas estão definitivamente a desmobilizar para o México. Na verdade nunca percebi a persistência desses argumentos. Se o retorno do capital é mais baixo nos EUA do que no México, não vejo onde é que está o problema do investimento seguir a rentabilidade mais elevada, antes pelo contrário. E se o argumento é sobre a destruição de emprego nos EUA, do que sabemos do comércio internacional é que as duas razões mais consensuais que explicam o FDI não são consistentes com a destruição de emprego: uma é sobre o contornar de tarifas e outras barreiras (pouco plausível no México); outra é com a procura de factores de produção mais baratos que complementem a produção doméstica (FDI vertical) o que, em vez de reduzir, aumenta a procura doméstica de emprego (a Apple é o exemplo típico). Estudos empíricos a nível empresarial concluem que empresas activas em FDI são mais produtivas e maiores que empresas que apenas exportam, que por sua vez são ainda mais produtivas e maiores que empresas que baseiam as suas actividades exclusivamente no território doméstico.

      Para finalizar, talvez seja instrutivo o debate entre no Charlie Rose entre o Sir Goldsmith (não faço a mais pequena idea de quem é este sujeito) e a Laura Tyson (na altura economista chefe da administração Clinton). É interessante que esse debate tenha mais de 20 anos (pode ser encontrado no youtube).

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    3. Sim, Rita, mas isso é indiferente para os alemães. Sejam as fábricas Chinesas ou Vietnamitas, as máquinas continuam a ser alemãs.

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    4. Irá depender da produtividade também. Uma máquina alemã nos EUA ou no México se calhar produz mais do que uma máquina alemã na China.

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  2. Gostei muito deste post. :)

    Mas eu até tenho uma dúvida sobre este tema: o PIB é suficientemente bom para calcular a riqueza de um ano num país? Será que um país que produz 1000 num ano é tão rico como um que produz outros 1000 nesse ano?

    É uma dúvida porque se Moçambique produzir o mesmo PIB per capita que a Noruega no próximo ano, suponho que economicamente a Noruega ainda dispunha de maior riqueza. Parte com mais estruturas, etc.

    Ou numa caricatura micro, mesmo partindo do zero, não é igual ter estes mesmos países:

    A) Produz durante um ano: 500 alimentação e 500 habitação. Teve 4 terramotos que destrui por 4 vezes as habitações totalmente, tendo de se reerguer pelo valor total de 100.

    B) Produz durante um ano: 900 alimentação e 100 habitação. Não teve terramotos nem necessidades de reconstrução.

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    1. Certo. O PIB é um variável fluxo, é como os seus rendimentos anuais, a riqueza é uma variável stock, ou seja é um valor acumulado ao longo dos anos.
      Se alguém tem exactamente o mesmo salário que eu, tal não implica que alguém seja tão rico como eu. Eu, por ter ganhado (ou poupado, ou herdado) mais no passado posso ser mais rico.

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    2. Um país pode ser rico em recursos, mas ser pobre em rendimento (PIB), porque não sabe monetizar esses recursos ou o mercado ainda não valoriza esses recursos. A riqueza da Noruega vem do stock de petróleo, mas a Noruega nem sempre foi rica. Só enriqueceu quando conseguiu extrair e monetizar esse recurso.

      Como o João menciona, uma das críticas que se faz ao PIB é de que não leva em conta se a actividade contribui para a criação de nova riqueza ou é apenas recuperação de riqueza perdida--caso da reconstrução devida a um terramoto, dos gastos de tratamento de asma por causa da poluição, etc. Nesse sentido, ter legislação ambiental, de protecção de trabalhadores, etc. diminui o crescimento potencial do PIB. Isto significa que até é difícil comparar o crescimento de países diferentes porque têm legislação diferente.

      Os EUA tradicionalmente têm muitas catástrofes naturais, o que também contribui para o seu crescimento; este ano ainda não sofreu nada de significativo.

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    3. Exacto, aliás a questão ambiental é uma das que me faz lembrar esta questão.

      Mas, se não for exigir muito, fica a minha outra dúvida: não é viável o cálculo da riqueza de um país para além do PIB? Ou já existe, mas também tem problemas de análise?

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