sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Na terra da direita

Como eu vivo no Texas, que não é só de direita, é de uma direita maluca, pensei falar-vos do meu almoço de ontem. Estava para vos contar ontem mesmo, mas depois não tive oportunidade por causa do trabalho e porque não tive disponibilidade emocional. Uma parte da conversa do meu almoço foi mais ou menos assim:

Eu: Então e o teu sobrinho está bem?
Ela: Sim, já está de regresso a casa da minha irmã.
Eu: Ainda bem que sobreviveu, podia ter morrido.
Ela: Ele queria muito vir. A situação lá [num país da América Latina] está muito mal. Os jovens da idade dele são convidados a juntar-se aos gangues; se não se juntarem, ou morrem ou a família é morta. Um antigo colega de escola do meu sobrinho recusou juntar-se ao gangue e a mãe e a irmã foram mortas.
[...]
Eu: Como é que ele foi deportado?
Ela: Eles levam-no de avião. Desta vez foi rápido, demorou menos de duas semanas até ele estar outra vez em casa.
Eu: Tens de arranjar os papeis para pedir auxílio aos EUA.
Ela: Sim, temos de tratar disso.

Este rapaz já tentou entrar nos EUA três vezes ilegalmente. Na segunda vez, a tia disse-me que ele tinha sido apanhado e que lhes tinha telefonado porque estava a ser mal tratado e precisava de dinheiro. Quando eu ouvi isto, pensei que ele tivesse sido raptado por foras-da-lei e estivesse a pedir um resgate. Não foi, tinha sido posto numa prisão, mas é lógico que as condições numa prisão do Texas não são cinco estrelas. Só lhe davam uma porção mínima de comida, mas ele podia comprar mais--era para isso que ele precisava do dinheiro. Fui à Internet ver o nome da prisão, onde ficava, o telefone, para me certificar de que era tudo legítimo e aconselhei a tia a enviar-lhe dinheiro.

O sobrinho ficou tão assustado, que disse que nunca mais tentaria. Eu senti um alívio porque tinha a sensação de que ele se iria matar a tentar. Mas ela tinha-me dito que ele tinha sido convidado por um gangue e ele andava a fugir deles e tinha feito queixa à polícia--como é que eu poderia sentir alívio se esta era a alternativa? Fui à Internet ver se havia organizações não-governamentais que ajudassem nestes casos e dei o nome, a morada, e o telefone de uma à tia. Disse-lhe para ela falar com eles, que eles os poderiam ajudar a pedir refúgio aos EUA, mas alguém teria de ir à polícia obter uma cópia da queixa da ameaça do gangue. Ela disse que sim, que iriam tratar disso tudo. Depois não mais falei no caso com ela.

Há algumas semanas, quando ela me contou que ele tinha desaparecido a tentar entrar no país ilegalmente outra vez, fiquei surpreendida, zangada, preocupada... Eram tantas as coisas que eu sentia ao mesmo tempo! O último contacto que a família teve com ele foi um telefonema que ele fez das montanhas, já dentro dos EUA. Telefonou à mãe, estava cansado, o frio tinha-lhe gelado as pernas e as mãos, e não as sentia. Não sabia se iria conseguir continuar pois sentia-se fraco. Isso foi numa quarta-feira. A tia disse-me no Sábado. Ela pediu-me para ir ver se o nome dele estava na Internet, na página da prisão, porque a irmã lhe tinha dito que estaria. Deu-me o número dele escrito num envelope usado. Eu disse-lhe que não estaria, que essa informação não era divulgada na Internet, só talvez telefonando. Elas queriam saber se ele ainda estaria vivo.

Perguntei à tia se ela não tinha ido falar com a organização não-governamental, ela disse que não. Como não sabia onde era, não foi. Perguntei se a irmã tinha ido buscar a cópia da queixa na polícia, ela disse que não. Estes rapaz já esteve três vezes nos EUA; em qualquer delas ele poderia ter pedido asilo, e isso pararia o processo de deportação. Eu tinha dito a ela para o informar que ele tinha de fazer um pedido de asilo enquanto estava na prisão. Ele não fez. Fiquei furiosa, mas cerrei os maxilares e não disse nada. Era melhor conter a fúria dentro de mim. É claro que eles não percebem nada desta burocracia de refugiados e asilado: os mais fracos, os mais ineptos, os menos educados não percebem! Estas pessoas não têm contacto com refugiados e asilados; têm contacto com pessoas que emigram ilegalmente--isso eles sabem como funciona.

Estas últimas semanas tive tanto medo que ele tivesse morrido e senti-me mal por não fazer nada. O que é que se faz nestas situações? Telefona-se à polícia, ao FBI? Não há informação para sequer saber o sítio onde ele está. O telemóvel que ele tinha já não tinha bateria. A fronteira entre o México e os EUA está cheia de cadáveres, ninguém se preocupa com eles. E porquê preocupar-se com os mortos, se ainda há tantos vivos a precisarem de auxílio?.. Contei o que aconteceu a uma amiga americana e ela comenta que os americanos não têm noção da sorte que têm. Eu concordo--tudo se resume a sorte e a maior lotaria é a época e o sítio onde nascemos.

Morrem todos os dias pessoas a tentar entrar no Texas, o tal sítio de uma direita maluca. Ainda esta semana, na rádio, falaram de uma criança de 11 anos que morreu por desidratação e de como os traficantes de droga exploram a travessia dos imigrantes ilegais.

6 comentários:

  1. "Direita maluca"? deve estar a brincar. Eu sei que os portugueses politicamente correctos costumam referir-se assim aos americanos, sobretudo àqueles que ainda defendem valores, mas não era de esperar isso de si. É a "direita maluca", como lhe chama, supondo que se refira aos que estão mais arreigados a valores patriotas, que tentam travar, mesmo com grupos organizados, a invasão de imigrantes ilegais, que tentam entrar nos Estados Unidos sabe-se lá com que intenções (salvaguardadas as excepções, claro). Veja no sul do Texas como esses patriotas atuam, vigiando e até, quando é preciso, pegando em armas.
    Felizmente, os Estados Unidos têm uma politica de imigração bastante mais restritiva do que a Europa. Mesmo os governos de Democratas.
    Vivi em Galveston durante vinte anos, conheço bem a realidade americana.

    A. Sousa

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    1. Eu acho o Tea Party maluco--tenho direito à minha opinião. Galveston é uma cidade maravilhosa. É por isso que a maior parte dos edifícios está a cair aos pedaços.

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    2. Doidos varridos será uma descrição mais adequada.

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  2. Típico da esquerda europeia; não só se acham moralmente superiores, como mais mentalmente sãos. Já agora, para sua informação, a "direita maluca", como lhe chama, está longe de se limitar ao Texas e está longe de se cingir ao Tea Party. Não conhece bem o país em que vive, afinal.

    A. Sousa

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    1. Típico da arrogância da direita. Se não concordam com eles só podem ser ignorantes (e de esquerda). Está-se mesmo a ver que a Rita não sabe que a direita maluca americana transcendo o Texas e o Tea Party. E é mais do que o país onde a Rita vive. É o país da Rita.

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  3. Não queria ofender. Já reparei entretanto que a Rita partilha comigo o nojo pela esquerda, sempre prontos a fazer vigarices, como no caso do apagamento de todos os ficheiros do Ministério das Finanças. Julgo que os portugueses estão finalmente a compreender isso. Este governo mostrou aos portugueses o valor dos sacrifícios a que não estavam habituados, ao trabalho duro e a viver com menos. Vamos varrer a esquerda. Felicidades, Rita, é pena não votar cá.

    A. Sousa

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