quarta-feira, 23 de março de 2016

Interregno: istória sem agá

É tão peculiar a letra agá que
nem precisa de si própria para escrever o seu próprio nome. É uma letra discreta, que parece inofensiva, quase inútil. Sem agá, um ospital ou uma orta ou um elicóptero, um ematoma, um olograma ou mesmo um omem continuam a funcionar sem perder nada quando se ouvem e causam apenas um pequeno desconforto quando se lêem, já que o omem é uma criatura de ábitos e tem, por isso, uma sensibilidade conservadora. Mas sendo verdade também que a sensibilidade à escrita é menos abitual do que poderia pensar-se, seriam poucos os omens a incomodar-se com a falta de agás em irsuto, em onra e em eptagrama. Sem agá, a epatite continuaria perigosa, um erege continuaria escandaloso e omologar continuaria a ser um acto burocrático. A ipocrisia seria ainda viciosa sem agá, e um iato a suspensão de uma continuidade qualquer, uma falta, um intervalo, uma lacuna, uma interrupção. O caso do agá é um caso perdido, pois, ou assim é na maior parte dos casos. Porque os casos em que um agá faz sentido e tem efeito salvam-no da futilidade a que a maior parte das palavras tenta reduzi-lo. O que torna, então, o agá peculiar não é tanto o facto, superficial e enganador, de nem precisar de si próprio para escrever o seu próprio nome mas o facto, profundo e estimulante, de só de vez em quando fazer alguma diferença e uma grande diferença. Que o digam as mulheres, as filhozes, os canhões, o verbo haver e o pronome pessoal da terceira pessoa do singular dos dois géneros.

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