segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A AT e gestão de dados

Quando se tem dados, por exemplo, uma lista de contribuintes, e se quer seleccionar alguns para, por exemplo, pagar IMI, temos de ter em atenção várias coisas na lista matriz e nos resultados da busca. A lista matriz são os contribuintes, mas para efeitos de IMI, a AT está está interessada em contribuintes que são proprietários, que têm rendimentos suficientes para pagar imposto, que não pediram isenção de imposto, e que têm propriedades com um valor mínimo.

A lei portuguesa requer que, para se ter uma propriedade em Portugal, tem de se ter número de contribuinte, mas também há pessoas que têm números de contribuinte e não são proprietárias de nada, ou há propriedades que pertencem a mais do que um contribuinte. Quando se selecciona de uma lista, teríamos de ter em atenção os seguintes tipos de problema (lista não exaustiva, só vendo como a AT gere os dados é que poderíamos identificar todos os problemas potenciais, mas note-se que haveria mais problemas que surgiriam quando a mudança de legislação fosse implementada):

  1. duplicações: elementos da lista que aparecem mais do que uma vez. Se fossemos a ver os números de contribuinte associados a cada propriedade, este problema seria encontrado, pois há propriedades com mais do que um proprietário e se seleccionássemos todos os proprietários haveria duplicação de responsabilidade fiscal, ou seja, cobraríamos impostos da mesma propriedade a mais do que um contribuinte.

  2. elementos estranhos à lista: são elementos que estão na lista resultado, mas não são relevantes para o fim da busca. Na lista de contribuintes, que é usada para seleccionar quem nos interessa, há quem possua número de contribuinte, mas não seja proprietário, logo esses elementos não devem constar na lista que resulta da busca. Mas na lista de contribuintes que são proprietários há também elementos estranhos. No caso da alteração da lei, outros elementos estranhos ao resultado final da busca são as pessoas que são proprietárias, mas não têm rendimentos suficientes para pagar imposto; também são estranhos os elementos que têm propriedades, mas estas não valem o suficiente (€66.500) para estar sujeitas a IMI. Ainda outro tipo de elementos estranhos são as pessoas que pediram a isenção de imposto porque compraram a casa para habitação própria há menos de 3 anos (há outras restrições de rendimento).

  3. elementos que não constam na lista: neste caso incluem-se pessoas que conseguem ter propriedades sem as declarar ao fisco, podem ter ou não número de contribuinte. Nos que têm números de contribuinte, inserem-se os que têm propriedade, mas não têm rendimento obtido em Portugal suficientemente alto, mas podem ter rendimentos de outros países que não é necessário declarar em Portugal, logo estão sujeitos ao imposto se a sua propriedade valer mais do que €66.500.
Coisas que saltam à vista acerca desta notícia:
  • O problema resulta de uma falta de planeamento da Autoridade Tributária, logo é irrelevante que a mudança de critério tenha surgido de uma mudança de legislação implementada pelo governo anterior.
  • A mudança de legislação não é em si a fonte de injustiça fiscal; a injustiça fiscal decorre do mau design e da má implementação do protocolo de selecção dos contribuintes. É um problema técnico.
  • Como é que um governo que se gaba de simplificar os assuntos da República usando melhores ferramentas de recolha e análise de dados comete um erro deste tipo?
  • O problema ocorreu em Março, mas só estamos a ser informados da falha em Agosto. Será que só agora é que descobriram que cometeram um erro básico de gestão de dados?
  • Como é que este problema não foi identificado na execução do orçamento no primeiro semestre?
  • Não se compreende porque razão o problema não foi corrigido sem que se tenha produzido uma notícia. Erros deste tipo são facilmente corrigíveis.
  • Não se compreende como é que um erro tão básico não tenha sido apanhado, nem sequer planeado para que fosse evitado.
  • Para os jornalistas que cobrem estas notícias, é incompreensível que não entrevistem um especialista em análise de dados independente do governo para saber se a explicação que o governo dá é razoável ou válida.
  • A forma como a notícia é escrita é manipuladora e aproveita-se do facto do público em geral não ter conhecimentos básicos de gestão de dados.

6 comentários:

  1. Mas (como penso dizia o zuricher no outro post) também não estou a ver como esse erro era evitável (para falar a verdade, nem estou absolutamente seguro que seja sequer um "erro" - dependendo de como a lei estiver redigida, talvez um adovogado pudesse mesmo argumentar que é mesmo assim).

    Pelo menos fazendo por um filtro na lista da Autoridade Tributária, das duas uma - ou isenta-se a toda a gente que ganha menos que tanto em Portugal (mesmo que ganhem uma fortuna na Noruega), ou então metia-se um critério adicional, e a isenção não se aplicava a residentes (mesmo que sejam realmente pobres)

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    1. Acho que há duas coisas diferentes em causa: a lei e a forma como as pessoas foram seleccionadas para a implementar. Se a lei tivesse esta falha, o problema teria sido levantado quando foi passada. O problema só surgiu quando a lei foi implementada usando um método que existia para a lei antiga. Quando se faz gestão de dados, especialmente quando fazemos buscas em bases de dados enormes, é normal haver casos extremos que requerem mais atenção e tem de haver outros métodos complementares. O que não é normal é culpar o método de busca, em vez das pessoas que o implementaram. Alguém programou aquilo assim e, se mudaram a lei, então deviam ter mudado o programa. Se não o fizeram é sinal de incompetência, acima de tudo. E neste caso o que é flagrante é o tipo de erro ser tão básico.

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    2. Rita, não, não é um erro da forma que o estás a ver. É mesmo informação que o fisco Português não tem nem tem maneira de ter. Nomeadamente os rendimentos globais dos contribuintes não residentes.

      Pegando numa frase do teu post: "a AT está está interessada em contribuintes que são proprietários, que têm rendimentos suficientes para pagar imposto, que não pediram isenção de imposto, e que têm propriedades com um valor mínimo.". É esse "que têm rendimentos suficientes para pagar imposto" que é impossivel aferir.

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  2. Esta questão tem um erro de base, que é a atribuição "automática" da isenção. Isto nunca deveria acontecer. A concessão de benefícios, desta ou de qualquer outra ordem, só devem ser concedidos se solicitados. O que vale para a isenção do IMI também vale para a concessão de bolsas ou para a atribuição do "rendimento mínimo". Com esses automatismos saem beneficiada muita gente que não merece, nem tem necessidade.

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    1. Um bom argumento a favor dos automatismos é que nem toda a gente passa a vida a estudar as isenções, descontos e subsídios diversos que vão sendo criados (de qualquer forma, o rendimento mínimo não é automático); e nem me parece tão certo como tudo isso que a proporção de "gente que não merece, nem tem necessidade" seja mais elevada no grupo "pessoas que recebem automaticamente, mas não iriam pedir se fosse preciso" do que no grupo "pessoas que iriam pedir" (é verdade que, por um lado, quem não tem necessidade teria menos motivação para se dar ao trabalho de ir pedir o apoio; mas, por outro, se calhar os "profissionais do subsidio" até se dedicam mais a estudar os apoios existentes do que aqueles que, por azar, caíram numa situação de baixo rendimento)

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    2. Miguel Madeira, saiba que também sou contra a criação de uma miríade de isenções e de subsídios, pelas mais variadas instituições públicas, que não só pela segurança social. Ele são as Câmara Municipais, as Misericórdias e outras instituições congéneres, as Juntas de Freguesia, etc.. Somos um Pais com uma taxa elevadíssima de subsídio-dependentes...
      Quanto à atribuição de subsídios, parece-me que todos deveriam validados por um organismo que centralizasse toda as informações sobre a família em questão, procurando-se evitar que sejam concedidos apoios a quem não necessite, como é o caso de muitas bolsas estabelecidas para apoio a famílias carenciadas e cujos beneficiários se apresentam, nas faculdades, a conduzir carros de elevada cilindrada.
      Sim, é verdade que já existem "profissionais do subsídio" e firmas especializadas no aconselhamento dos subsídios existentes.
      Do meu ponto de vista, a Juntas de Freguesia, neste capítulo, poderiam desempenhar um papel importante, denunciando os casos de abuso, que são muitos, acredite.
      Também penso que algumas das ajudas deveriam ser publicitadas, para facilitar o seu escrutínio pela comunidade. Por exemplo, as Câmara Municipais deveriam publicitar o nome das famílias a quem concederam habitação gratuita. Se isso fosse feito, muita gente iria ficar escandalizada.

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