Na sequência do meu artigo no DN esta semana sobre o Portugal na periferia dos populismos,
proponho algumas reflexões e considerações adicionais:
(1) Continuamos sem consenso sobre a definição de populismo. Mas recomendo A Very Short Introduction to Populism do qual penso haverá, em breve, uma
tradução para português.
(2) A palavra “populist” faz parte do léxico político norte-americano, mas
sem a conotação negativa que tem na Europa. Associa-se normalmente a movimentos
políticos que dizem representar “ordinary people” em detrimento das elites. Ambos
partidos, Democrata e Republicano, tiveram ao longo dos últimos 150 anos as
suas fases “populist.”
(3) Em Portugal, os movimentos populistas são consensualmente maus. A
palavra “populista” tem uma conotação muito negativa. Isso é uma valorização patrocinada
pela comunicação social que, evidentemente, defende as elites visadas pelo
discurso populista.
(4) Populismo e demagogia não são a mesma coisa. Parece-me claro que o
populismo tem uma enorme dose de demagogia. Mas nem todo o demagogo é
necessariamente populista.
(5) O populismo tem duas características fundamentais. Primeiro, oferece
respostas simples a problemas complexos. Desse ponto de vista, usa a demagogia.
Segundo, o populismo apresenta-se como alternativa ao sistema vigente, e não apenas
ao governo no poder. Isto é, o populismo não se limita a criticar o poder
conjuntural, buscando uma qualquer alternância, mas sim defende uma mudança de
sistema pelo qual as atuais elites políticas (governo e oposição) devem ser substituídas
por novas elites que finalmente resolvam os problemas das pessoas.
(6) Com esta definição, é claro que PS, PSD, CDS, CDU podem ter um discurso
demagógico, mas não são populistas.
(7) Resta o Bloco. Defendo no artigo que o Bloco foi populista, mas deixou
de ser. E dificilmente voltará a ser. Parece-me que o Bloco fez o mesmo
processo de conversão ao sistema que os Verdes alemães nos anos 90.
(8) Uma das pensadoras da esquerda radical, Chantal Mouffe,
argumenta isso mesmo. Diz ela que a verdadeira esquerda radical é um movimento e
não um partido, assalta em vez de ganhar eleitoralmente o poder. Ou seja,
quando a esquerda radical aceita as regras do jogo, entra em compromissos
governamentais, ganha eleições em vez de assaltar o poder, então já não é “populismo”
de esquerda, mas mais um partido do sistema. Como escreve Miguel Nogueira de
Brito, “o
objetivo da esquerda, dita radical, [é] «criar uma vontade coletiva das forças
democráticas no sentido de exigir a radicalização da democracia e estabelecer
uma nova hegemonia». Importaria assim à esquerda assumir abertamente uma
atitude populista de esquerda, com o objetivo de promover movimentos populares
capazes de mobilizar paixões conducentes à construção duma vontade popular
erigida contra as forças que sustêm a hegemonia neoliberal.”
(9) Portanto o Bloco deixou de ser populista no momento em que chegou a um
acordo com o PS. Independentemente da retórica que use.
(10) Quanto a Marinho Pinto e Paulo de Morais, parece-me que se
integram claramente na definição de populismo anti-elite política.
Os casos do MAPU e do MIR chilenos (durante o governo da Unidade Popular) ou até dos anarco-sindicalistas espanhóis (durante a Frente Popular) não poderão ser apresentados como contra-exemplos à tese de que um partido populista deixa de o ser a partir do momento em que apoia um governo? Ou, no outro lado do populismo (e se calhar um exemplo muito mais parecido com a realidade portuguesa atual - o António Costa não é bem o Allende ou o Caballero), o Partido do Povo da Dinamarca ou o Partido da Liberdade da Áustria, que já apoiaram ou integraram governos mas continuam a ter apelo populista?
ResponderEliminarEstes exemplos levantam um ângulo importante – pode um partido ter fases de populismo ou, tendo sido populista, deixa de ser populista ao apoiar um governo e não pode regressar a uma fase populista? A resposta tem que ser complexa. Lendo Chantal Mouffe, ela o que defende é que muito dificilmente o populismo é compatível com um apoio a um governo “da hegemonia neoliberal”, mesmo que seja apenas uma tática para destruir o sistema. Aliás, a mesma discussão existiu nos anos 30, com os partidos fascistas e comunistas… seria realmente fascista ou comunista viabilizar governos “burgueses”, mesmo num processo de autodestruição do sistema.
EliminarDito isto, no caso concreto do Bloco, não sendo impossível, acho pouco plausível que regresse ao populismo de esquerda.
Já agora, uma coisa que me ocorre (e que talvez seja relevante para a questão "pode um populista apoiar um governo e continuar a ser populista) é que me dá a ideia que muitas vezes o alvo dos populistas não é a classe política em si - no populismo de esquerda, o alvo é uma suposta aliança entre a classe política e o grande capital (do qual os políticos não envolvidos na aliança são, claro, considerados como não fazendo parte); no de direita, é um conceito talvez ainda mais misterioso chamado - sobretudo no mundo anglo-saxónico - "a elite", que parece ser uma amálgama de políticos, empresários, artistas, intelectuais e jornalistas, mas que parece depender quase tanto da ideologia e referencias culturais como da categoria social objetiva (em que políticos, empresários, artistas, intelectuais ou jornalistas deixam de ser "elite" se forem contra a imigração ou se gostarem do Rambo II).
ResponderEliminarSerá assim tão dificil apoiar um governo concreto, e ao mesmo tempo manter a narrativa "o establishment está contra nós", a partir do momento em que o establishment é definido de uma maneira que inclui simultaneamente mais e menos que a classe política? Veja-se, aliás, a Venezuela chavista ou os EUA nos tempos de G.W. Bush (e provavelmente será ainda mais assim com Trump), em que não era raro (e no caso venezuelano, era praticamente a linha oficial) serem apoiantes do governo a dizerem que estavam contra "a elite" (económica na Venezuela, cultural e académica nos EUA)? [Atenção que não estou a equivaler Chavez com Bush; o primeiro era um populista, enquanto o segundo era apoiado por alguns populistas]