quinta-feira, 2 de abril de 2015

Duas obras seminais

Andei a ler e a reler (partes) das duas obras seminais de Adam Smith. A “Theory of moral sentiments” (TMS) e a “Riqueza das nações” (An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations) foram publicadas, respectivamente, em 1759 e 1776. A TMS teve seis edições e revisões do próprio Smith, e a última versão data de 1790, um ano após a morte do pai da economia e do liberalismo económico.

A grande questão que se coloca, desde a sua publicação, é se as obras são contraditórias ou não. Para muita gente, são, porque supostamente a TMS exaltaria o altruísmo e a “Riqueza das nações” exaltaria o egoísmo (selfishness). Na minha modesta opinião, não são contraditórias, são complementares. Smith achava que cada homem era, ao mesmo tempo, egoísta e “simpatético” (sympathetic, não sei como é que se traduz isto). Por outras palavras, cada obra analisa uma parte diferente do mesmo tema: a natureza humana.

A symphaty, um conceito central na TMS, é o núcleo da explicação de Smith para o julgamento moral. Symphaty é compaixão, é “sentir com”, um fellow-feeling, um feeling with. Para percebermos o que os outros sentem (uma vez que não sofremos directamente), temos de nos colocar no seu lugar. Nesse sentido, a simpatia implica imaginação. É a imaginação que nos permite colocar na posição do outro e reproduzir na nossa mente os seus sentimentos.  E, segundo Smith, todo o homem tem esta capacidade, mesmo os mais vulgares e rudes - Smith pressupunha uma uniformidade da natureza humana e sem isso, diga-se de passagem, não há ciência económica.

Para nos julgarmos a nós mesmos, Smith introduz a figura engenhosa e original do espectador imparcial (impartial spectator). Imaginamo-nos outra pessoa, que nos observa, com os seus olhos, desde fora. Construímos assim uma imagem de nós mesmos e reflectimos sobre essa imagem. A reflexão é aqui uma metáfora porque o pensamento espelha o julgamento de um observador hipotético, fictício. Os outros são o nosso espelho. Com a figura do espectador imparcial, Smith explica a natureza e a fonte da consciência, isto é, a capacidade do homem para julgar as suas próprias acções e o seu sentido de dever.

Ora bem, este é o grande assunto da TMS, o julgamento moral (dos outros e de nós mesmos) através da symphaty. Mas isto nada nos diz sobre as motivações das acções de cada um. Na “Riqueza das nações”, Smith distingue self-interest (ou self-love, como se dizia no século XVIII) de selfishness, usando este termo em sentido pejorativo, como algo que prejudica e negligencia os outros. Ao mesmo tempo, considera que cada homem deve olhar para os seus próprios interesses porque isso é um elemento necessário da felicidade privada e da virtude. Resumindo, não vejo nenhuma contradição entre as obras, mas eu não sou nenhum especialista no assunto.

6 comentários:

  1. Julgo que a melhor tradução de "sympathy", neste contexto, seria "empatia".

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    1. Uma outra opção poderia ser "sympathetic" como sendo "solidário".

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    2. Uma outra opção poderia ser "sympathetic" como sendo "solidário".

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    3. Boa, parece-me uma boa solução. Penso que não há nenhuma tradução para português da TMS. Da "Riqueza das nações" há, e é excelente, traduzida, aliás, pelo nosso colega de blogue Cristóvão de Aguiar.

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    4. Parece-me que se pode usar simpatia, faz sentido. A simpatia implica a partilha, comunhão do estado do outro (e.g. estar triste porque o outro está triste), enquanto empatia - como sugeriu a Rita - apenas exige compreensão. Sem ter lido a obra em questão (fico-me pelo Walter Scott quanto aos escoceses... ;) ) não sei dizer qual será o melhor sentido.

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