segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Finalmente, a paz...

Caros homens,
Não tentem enviar-me piropos via Facebook Messenger porque é ilegal. Não me digam que sou só sexo e vocês batem 10 punhetas ao dia a pensar em mim. Não me acusem de ser uma pessoa tão cruel e falsa porque não correspondo a tão generosos avanços. E escusam de enviar fotografias das vossas erecções para a minha caixa de mensagens--ou será que isso ainda é legal? [Valha-me S. Rita, que eu vejo-me aflita! A lei portuguesa é muito complicada...]

Assinado,
Rita do Texas

9 comentários:

  1. Rita, isso são questões francamente interessantes (chapéu de jurista amador colocado):

    A lei diz, e cito:

    "Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal."

    Ora se alguém disser que bate 10 punhetas ao dia a pensar em ti, isso é uma proposta? Parece-me uma observação, não uma proposta. O mesmo se aplica a dizer que é só sexo. Ou que és boa como o milho. Ou outras coisas do género.

    Esperarei pelas interpretações que certamente serão feitas no futuro em sede de julgamento sobre o que é (ou não) "proposta de cariz sexual".

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    1. A questão penso que se justifica facilmente no "praticando perante ela atos de carácter exibicionista" (mas pensei que isso já era penalizado como atentado ao pudor?) Enviar fotografias não solicitadas de erecções facilmente cai neste ponto.

      O "constrangendo-a a contacto de natureza sexual" parece-me também justificado e pensava que já estava penalizado.

      Sobra o "formulando propostas de teor sexual", que, reconheço me parece dificil de determinar de forma objetiva. Admito que ser objeto dessas propostas possa ser um problema para certas pessoas (e que afeta mais o sexo feminino que o masculino). Pessoalmente, como introvertido reconheço que qualquer contacto não solicitado pode ser desagradável, e consigo imaginar que para certas pessoas possa ser visto como mais do que isso, em função de diferenças de (percepção ou facto) de relações de poder.

      Se o contacto não solicitado for efetuado de forma continuada, o afetado deve possuir mecanismos para o impedir. Não sei se a sua ilegalização de forma genérica será o melhor caminho, mas ao contrário do sistema americano onde se poderia simplesmente recorrer ao tribunal independentemente da legislação, dificilmente poderá haver recurso em Portugal para o impedir se não for tipificado legalmente.

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    2. iv, veja-me este artigo do Código Penal, bastante mais antigo que a "novidade do piropo":

      "Artigo 153.º
      Ameaça

      1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
      2 - O procedimento criminal depende de queixa. "

      Continuo na minha - o que agora se "criminalizou" já era crime, com a vantagem adicional que casos que apenas perturbam poderiam ser enquadrados.

      Pegando no exemplo da Rita e das 10 punhetas, uma afirmação dessas não é, por mais que as pessoas se torçam, uma "proposta de cariz sexual": quem diz tal coisa não "propõe" nada à mulher em causa. Já, por outro lado, pode facilmente ser percepcionada como uma ameaça (e deve-lo ser) e enquadrada no artigo que transcrevi acima.

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    3. "uma afirmação dessas não é, por mais que as pessoas se torçam, uma "proposta de cariz sexual": quem diz tal coisa não "propõe" nada à mulher em causa."

      Pelo contrário, até está a dizer que não necessita dela, que se desembaraça bem sozinho.

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    4. Ah, não era bem assim. Era necessário que eu dissesse que lhe dava um broche para o prazer ser maior. Eu não disse e por isso sou má pessoa: uma teórica que não cumpre, falsa, ingrata, arrogante, um bluff, etc. Ah, e vou ter mau Karma porque mereço...

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    5. Exacto, Luís, é em regime de self-service.

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  2. O piropo não foi criminalizado, antes "importunar outra pessoa...formulando propostas de teor sexual".

    Com linguagem tão vaga, eu não sei o que é que tem de novo em relação à lei existente.

    Não menos, acabo de encontrar uma prosa explicativa a que adiro:
    «...
    O fervor repressivo contra o “Crime de importunação sexual” parece mais uma cruzada contra a má-criação do que a medida dissuasora da violência contra as mulheres, numa sociedade cuja herança misógina assenta nos livros santos herdados da Idade do Bronze. Assusta-me a promíscua unanimidade da Assembleia da República, a beata harmonia de 7 (sete) partidos com representação parlamentar, a lembrar o júbilo saloio que conduziu Amália e Eusébio ao Panteão. Não vislumbro na repressão do piropo o mais leve benefício para a educação cívica ou a mínima eficácia na redução de atos de boçalidade, mas temo as cruzadas moralizadoras, hoje contra o piropo, amanhã contra o beijo, depois para o simples olhar. A sanha persecutória, à semelhança do que se passa nos EUA, é mais uma arma para a destruição de adversários políticos do que para a defesa da mais fracos (mulheres?) e a redução do número de vítimas. Se começamos a tolerar todas as medidas repressivas, é a liberdade que hipotecamos, é a submissão a fantasmas refletidos na lei, o abrir de portas a novas inquisições. Prefiro ficar sozinho na desconfiança a participar na euforia coletiva da fúria repressiva.
    ...»
    [Carlos Esperança, 29/Dez./2015, 1840 in FB "carlos.esperanca.1"]

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    1. "Com linguagem tão vaga, eu não sei o que é que tem de novo em relação à lei existente."

      Tenho estado a pensar no assunto. Parece-me que o que tem de novo situa-se algures entre o nada e o muito pouco.

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    2. O que, do ponto de vista do legislador, é o melhor tipo de leis: impacto mediático, sem qualquer efeito prático.

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