terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Portas entreabertas ou o sorridente “pai tirano”

A não ser “irrevogável”, a não recandidatura de Paulo Portas à liderança do CDS-PP importa o desaparecimento, ao menos de uma forma mais activa, de um dos mais hábeis políticos portugueses do pós-25 de Abril. Para o bem e para o mal.
Formado na grande escola do jornalismo político, abjurando tudo o que fosse o exercício efectivo da política, é no mínimo irónico que seja um dos líderes com mais tempo de condução de um partido. Ainda na sombra de Manuel Monteiro, Portas acabou por se transformar no ventríloquo que, reunidas as condições, cortou os fios ao boneco que criara e deixou cair o pano, aparecendo vitorioso, qual Rasputin.
Perito em “cambalhotas ideológicas”, foi o responsável pelo fim de qualquer rasto de democracia-cristã ainda existente no CDS e afirmou de vez um PP neoliberal, mais descomprometido com a sua matriz ideológica inicial de Amaro da Costa ou de Freitas do Amaral. Dir-se-ia, em linguagem freudiana, que a Portas se deve “a morte do pai” e a emancipação do filho: feito à sua imagem e semelhança. Portas foi (quase) totalmente o partido e vice-versa. Orador muito dotado, forte no contacto popular, incomparável nos “sound bytes” e na comunicação social – não conhecesse ele o meio como as suas mãos –, preparado, estudioso: tudo características que o tornaram um adversário político temível.
Como sempre, a História encarregar-se-á de o definir, mas creio que a direita portuguesa tem agora uma janela de oportunidade para se repensar e para decidir se pretende manter-se na deriva neoliberal cujos resultados estão à vista, ou se regressa à matriz democrata-cristã e até social-democrata, entendida esta como mais próxima do ideário nórdico. Bem vistas as coisas, há mais pontos de convergência entre ambas do que à primeira vista se pode considerar.
Paulo Portas não sairá totalmente de cena. É ainda demasiado cedo para saber se almeja a Presidência da República. Um “zoon politikon” como ele não sai nunca de cena, excepto com a morte. Antevejo que permanecerá atento e vigilante, mas julgo que terá a inteligência suficiente para não regressar à liderança do PP. É exacto que tal não seria a primeira vez na vida de Portas e do seu partido, mas se já foi iludida a regra “there’s no second chance to cause a good first impression”, a “terceira hipótese” parece mesmo, mesmo irrevogável. Desta feita à séria.
Portas é daqueles políticos a que se não permanece indiferente, desde logo porque a sua “elasticidade política”, ou mesmo “contorcionismo”, não são habituais, tal como não o é o populismo indisfarçável misturado com a postura de Estado de um líder supostamente messiânico.
Confesso que, do prisma pessoal, não sentirei a sua falta enquanto governante, mas temos de convir que a política portuguesa perde o seu laboratório itinerante de mortais encarpados. Reduzi-lo ao “Paulinho das feiras” é uma caricatura pueril, tal como ao “destruidor implacável” de documentos pouco antes de deixar de ser Ministro. Dono de uma enorme ambição, aquilo que me parece hoje mais saliente é aferir se o líder agora de saída alguma vez teve uma real visão para o país. Para o partido, ou seja, para si e a sua “longa manus”, é indiscutível que sim. Mas talvez seja demasiado pedir algo de similar hoje em dia a qualquer político…
A luta interna já havia começado e é bem provável que espectáculos pouco edificantes se sucedam nos próximos dias. Portas não fecha a porta, mesmo de saída. Tudo fica sempre entreaberto. Como um prudente ancião com alguns tiques de “pai tirano” a quem se afivela uma “persona” de simpático.

2 comentários:

  1. «Perito em “cambalhotas ideológicas”, foi o responsável pelo fim de qualquer rasto de democracia-cristã ainda existente no CDS e afirmou de vez um PP neoliberal»

    Será? Quase que me arriscava a dizer o contrário: que se o Paulo Portas foi responsável por uma mudança do CDS de um partido quase-liberal, cujas bandeiras praticamente se limitavam a ser contra aumentos de impostos e favor do pagamento das indemnizaçãoes aos nacionalizados de 75 (e veja-se que o argumento que o Freitas dava para justificar a "equidistância" era que estava à direita do PSD em questões económicas, mas à sua esquerda em questões de direitos e liberdades - o que seria exatamente a posição liberal) num PP nacionalista e conservador, passando a pegar em questões como a "lei e ordem", os antigos combatentes, a disciplina nas escolas, o aumento das pensões, a defesa da "lavoura" e das pescas (sempre com uma grande ambiguidade sobre se estava apenas contra os intervencionismos europeus que prejudicariam a "lavoura", ou se estava a defender mesmo um intervencionismo favorável à "lavoura" nacional), ocasionalmente a imigração, etc.

    Ou seja, parece-me que o velho CDS (apesar da referência "democrata-cristã") era na prática quase apenas um partido liberal-económico, enquanto o novo PP passou a ser também um partido abertamente socialmente conservador (o CDS também o era, mas normalmente não ia buscar o assunto ou fazer dele tema de campanha - só em resposta a propostas da esquerda, e a verdade é que esta, com a exceção do extraparlamentar PSR, também não ligava muito a esses coisas) e mesmo na economia passou a oscilar entre o liberalismo e uma espécie de populismo semi-protecionista.

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    1. Ainda bem que a direita portuguesa tem quem lhe fixe as baias de uma ideologia socialmente aceitável - mais à direita que a social democracia é inaceitável. Tudo isto só porque sai o Paulo Portas.
      Já agora, o que diabo vem a ser o neoliberalismo?
      E o que é social-democracia de direita?
      Obrigado.

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