segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Frases famosas 7


7. Disse o Almirante Nelson, devo todo o meu sucesso a estar sempre quinze minutos à frente do meu tempo. 
Nem toda a gente consegue, ou estando toda a gente quinze minutos à frente do seu tempo ninguém estaria quinze minutos à frente do seu tempo. E da grande maioria de nós podemos simplesmente dizer o que disse Beckett, que não somos santos mas respeitámos os nossos compromissos.A grande maioria de nós é, com certeza, um exagero, como nos avisou Beckett logo a seguir dizendo. Quantos de nós podemos gabar-nos de tal coisa. Pelos vistos, então, somos poucos os pontuais. E menos ainda serão os adiantados. Não sei quantos minutos adiantado andava o Duque de Wellington, mas devia ser menos do que o Almirante Nelson, a julgar pelo braço que perdeu, e pelo olho que também. O Duque de Ferro, assim chamavam a Wellington, provou deste modo o que diz ninguém em particular, quem com ferro fere com ferro será ferido. Isto na hipótese de ter sido algum pedaço de ferro a arrancar-lhe um braço e esvaziar-lhe um olho. Sobre o braço, Wellington deu ordem ao cirurgião para que se despachasse a amputá-lo, não se atrapalharia só com um e duas pernas. Teve razão nisso, deixou para o futuro, e não só para os quinze minutos que Nelson andava adiantado, o seu nome ligado às vitórias e às botas de borracha com que enviava as suas pernas para a batalha. Se calhar é isso que significa uma sua frase célebre, que nascer num estábulo não faz de ninguém um cavalo. É arrevesado, mas seria qualquer coisa como isto. Se nascer num estábulo for equivalente a perder um braço, então ser um cavalo é equivalente a ser maneta. E ainda que literalmente Wellington tenha passado a ser maneta, figurativamente desdobrou-se o braço restante em dois, ou em dúzias e centenas, e o que perdeu não lhe fez falta. Seria como se não o tivesse perdido, já que aquilo de que foi capaz antes de perdê-lo não foi maior do que aquilo de que foi capaz depois. E também não terá sido menor, o que faz pensar que terá sido equivalente. A não ser que tenha sido maior aquilo de que foi capaz depois de amputado, o que significaria que não só não ficou a perder como até ficou a ganhar. Ou então, vá-se lá saber se era isto que Heráclito queria dizer quando escreveu que o caminho que sobe é o mesmo caminho que desce. Que ser maneta é o mesmo que não ser maneta. Que, sendo o mesmo o caminho, subir e descer não têm importância nenhuma. Nem isso, nem a quantidade de braços. E de olhos, não se esqueçam, tudo o que aqui foi dito acerca de manetas aplica-se igualmente a zarolhos, já que Wellington perdeu um de cada, um braço e um olho. A verdade é que tudo isto vem a propósito de uma frase ainda mais interessante, a que Heller escreveu e que é assim. Ele é um homem que se fez a si próprio e que não fica a dever a sua falta de sucesso a mais ninguém.

2 comentários:

  1. Li 10 artigos seus no DdD e, se terminei este último com uma gargalhada pela última frase, em quase todos os outros fiz uma segunda leitura, para disfrutar a elegância das construções frásicas porque, na primeira, tinha-me limitado a ler como se estivesse a destrinçar rasgos sobre o tempo, o risco e o espaço, bem visíveis em todos eles. Não menos, um desses artigos é inesquecível pelo burocrata que encontra, finalmente, alguém que decide exercer os seus direitos em vez de limitar-se a cumprir as suas ordens. Bem-haja.

    ResponderEliminar
  2. Muito obrigada! Saber que se é apreciado é uma magnífica prenda de Natal. Obrigada também por isso.

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.