terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A lógica portuguesa escapa-me...

O Observador relata que no Hospital Amadora-Sintra, três dos seis médicos de serviço nas urgências na véspera de Natal meteram baixa à ultima hora e, no dia de Natal, quatro dos seis médicos de serviço meteram baixa, causando atrasos no atendimento das urgências de 20 horas. O remédio oferecido pela administração do hospital é que vão contratar mais médicos para que uma situação destas não se repita. Este remédio parece-me estranho.

A decisão de contratar mais médicos deve ser justificada por uma carga de trabalho regular que ocupe os médicos a contratar a tempo inteiro e não por um pico anormal de actividade, que tem pouca probabilidade de se repetir. Num país com sérios problemas de despesa pública, faz sentido ter médicos a mais durante 363 dias do ano para se ter o número adequado de médicos de serviço durante dois dias de um ano anormal, i.e., um ano em que uma taxa alta de absentismo se verifica durante dois dias seguidos?

Uma solução preferível, seria a de cooperar com outro hospital ou outros hospitais em que um pico de actividade num hospital combinada com uma falha no número de médicos necessários activa um plano de emergência que chama médicos de outros hospitais vizinhos para o hospital onde há uma emergência. Num país onde a probabilidade de haver um terramoto e/ou um tsunami destrutivo num futuro próximo é considerável, não haver um plano de emergência deste género é extremamente preocupante.

E por falar em coisas improváveis, 50% dos médicos não aparecerem num dia e 66.7% dos médicos não aparecerem no dia a seguir é raro de se observar aleatoriamente. O facto de se ter observado merece que a gerência do hospital abra uma investigação antes de proceder a qualquer plano para contratar mais médicos.

O dinheiro não cai do céu e os portugueses estão mais do que espremidos com salários baixos e impostos altos. Quem gere dinheiros públicos devia ter consciência deste facto e devia procurar soluções razoáveis que observem rigorosos critérios de benefício e custo. Seria muito melhor prevenir e/ou planear as situações de emergência antes delas acontecerem: sai mais barato, custa menos sofrimento, e frequentemente poupa vidas.

Actualização: No Público noticia-se que uma pessoa morreu nas urgências do Hospital de S. José após uma espera de seis horas. Entretanto, os hospitais são incapazes de contratar médicos suficientes (as contratações, contrariamente ao que eu tinha presumido inicialmente, são temporárias e não permanentes), apesar de se oferecerem salários de €30/hora. Parece que os médicos não querem mesmo trabalhar nesta altura. Mais uma vez, preocupa-me bastante não haver um plano de emergência que é activado para lidar com estas situações de picos anormais nas urgências.

11 comentários:

  1. Cara Rita Carreira,

    A contratação é de médicos a prazo (os chamados "tarefeiros") e não de pessoal para o quadro. Quanto à situação ser de emergência, é muito relativo. Os atrasos "escandalosos" referidos (até 20 h) correspondem ao nível mais baixo de triagem de Manchester e a uma quadriplicação da afluência tendo em conta a afluência normal. Ou seja, acontece, é anormal (mas prevísivel, diga-se) mas não foi grave.

    De notar que, segundo o Público de hoje, o Hospital não consegue contratar os referidos médicos: i.e. não arranja quem esteja disposto, a troco de 30 €/h, trabalhar urgências nas semanas de Natal e Ano Novo. Se me oferecessem isso, também não estava. Não me parece um valor razoável tendo em conta, por exemplo, o que cobra um médico de clínica geral no privado.

    ResponderEliminar
  2. Cara Rita Carreira,

    Um complemento ao meu comentário, por via do seu P.S.

    30 €/h não é muito. A título de exemplo, a ADSE paga, para clínica geral, cerca de 15 €/consulta em horário "normal" e 40 €/consulta em atendimento permanente. Um médico, tirando casos pontuais, fará 4 consultas por hora. Mais, estamos a falar de trabalho em urgência (turno de 24 horas), numa época anormal (Natal / Ano Novo).

    Se eu fosse médico e me oferecessem 30 €/h para trabalhar turnos de 24 horas nesta época também dizia que não. 30 €/h é o que eu pago a um picheleiro ou electricista.

    ResponderEliminar
  3. Obrigada pela correcção, Carlos, no entanto, eu tenho uma amiga que é médica e pelas histórias que ouço, há médicos que não se importam de meter baixa sem estarem doentes. Acho que este episódio reflecte uma pobre gestão dos recursos médicos. Se há um hospital com um pico de serviço, talvez fosse bom haver um sistema de informação ao público que dirigisse as pessoas para outros serviços com menos afluência. Bastava um serviço de SMS que fosse activado quando o tempo de espera excedesse um certo limite e informasse a população. Hoje de manhã recebi um SMS no meu telefone em Houston de um Amber Alert. Sempre a polícia recebe o caso de uma criança que pode estar desaparecida, os cidadãos recebem um SMS com informação da criança e a última vez que foi vista.

    Concordo também que €30/hora é um valor extremamente baixo para um médico numa situação de emergência, aliás discordo bastante dos salários que são pagos aos médicos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. De acordo, mas eu não referi ou "desculpei" as "falsas faltas" (que, infelizmente, são um problema que não afecta só médicos). Quanto ao serviço de SMS, de pouco ou nada iria servir (digo eu). Se reparar nas notícias, o grosso do atendimento atrasado correspondia às pulseiras verdes - ou seja, eram casos que nem sequer deveriam ter ido a um hospital. Mas, incompreensivelmente, os centros de saúde estão fechados e existiu um diminuição dos SAP (atendimento permanente).

      Eu pertenço à, ao que parece, maioria que considera que o Ministro da Saúde é, de longe, o melhor e mais consistente ministro deste Governo. Mas que algumas decisões, eventualmente necessárias em termos orçamentais, talves não tenham sido as melhores, isso não foram.

      Só mais uma nota, continua a ser espantosa a diferença em nível financeiro e de desempenho entre as unidades da ARS-Norte e as da ARS-LVT. Cá para cima não houve disrupção de serviços, a diminuição de esperas continua a diminuir de ano para ano e o custo por utente é mais baixo - seria interessante perceber precisamente porquê.

      Eliminar
    2. Boa achega, Carlos. Por acaso tenho pensado nisso. Ultimamente, tem havido muita gente a sair de outras cidades e a ir para a zona de Lisboa trabalhar, logo pergunto-me até que ponto os recursos de saúde estão a acompanhar a mobilidade das pessoas.

      Quanto ao caso de pulseiras verdes, não sei até que ponto não se poderia usar as novas tecnologias de informação para flexibilizar o problema. Por exemplo, ter um serviço de apoio médico por email. Se as pessoas precisam de atenção mas não é uma caso de vida ou morte, poderiam enviar um email para um sistema centralizado e médicos que estavam de serviço noutros hospitais com menos doentes poderiam esclarecer o doente e determinar se era realmente um caso de urgência médica e a que hospital se deviam dirigir, caso o mais próximo do doente estivesse com um longo tempo de espera. Outra possibilidade, poderia ser a criação de um serviço como o que existe em França, em que se pode chamar um médico ao domicílio. O custo é maior para o paciente, mas aliviaria as urgências, e os pacientes estariam no conforto da sua casa.

      Eliminar
  4. Inteiramente de acordo. Também acho estranho o aparecimento de tantas doenças inesperadas a afastar um tão elevado número de médicos, ademais numa data tão simbólica, propícia a escapadelas…
    Por outro lado, penso que os médicos dos centros de saúde poderiam ser mobilizados para acudir a uma emergência desta natureza. Com a paga devida, com certeza.
    E também me parece que seria muito útil utilizar a comunicação social para avisar os eventuais interessados dos atrasos anormais, nos serviços de urgência dos hospitais públicos. Uma espera de 20 horas é que não lembra ao diabo.

    ResponderEliminar
  5. Caríssimos comentadores. Comentário anónimos não são aceites.

    ResponderEliminar
  6. É conveniente ter em conta que esses 30€/h são para as empresas de prestação de serviço, ao médico só chega uma parte desse valor (apostaria em pouco mais de metade)

    ResponderEliminar
  7. Há já dois assuntos completamente diferentes a ser debatidos:
    1. A remuneração dos médicos
    2. Faltas ao trabalho por parte de médicos

    ResponderEliminar
  8. Como é possível V.Exª achar que 30€ à hora é pouco. Fala-se até 60€. Ao fim de 20 horas, menos de 1 dia, ganha mais que um desgraçado ou desgraçada ganha numa linha de montagem, imóvel, com 15 min para ir ao WC, durante 1 mês.
    Preconizo bom senso. Um médico em Cuba não ganha para comprar 2 bonecas ás filhas.

    ResponderEliminar
  9. Mais justo que comparar os salários dos médicos portugueses com os médicos cubanos, é comparar os salários entre classes profissionais.
    Rita, em relação a essas ideias mirabolantes de SMS e e-mails, como se de um pais tecnologicamente avançado Portugal se tratasse, gostava de realçar que temos um serviço muito mais simples e prático que está em funcionamento há bastante tempo mas, talvez por ignorância de algumas pessoas, ainda não é tão conhecido como devia: A saúde 24. Este serviço ainda permite que os doentes que cheguem ao hospital encaminhados por esta linha, beneficiem de taxas moderadoras mais baixas.
    Parece que há sempre uma tendência para colocarmos os médicos numa posição moral mais elevada quando, no fundo, acabam por fazer as mesmas birras que os miúdos da TAP. Ou seja, quando mais precisamos deles, fazem o favor de não quererem trabalhar. Sendo assim, sobra-me pouco respeito para dar a uma classe profissional que continua a reivindicar por aumentos salariais quando nem responsabilidade social têm para trabalharem dois dias por ano por 30 euritos, que para eles é coisa pouca. Quase a fazer parecer que não vivemos num país em que o salário mínimo não ultrapassa os 500 paus.

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.