quinta-feira, 21 de maio de 2015

A NOS desistiu

Antes de mais, tenho de vos dizer que agradeço a todos os que leram a minha história, a partilharam, e me deram conselhos e apoio.

A NOS desistiu de me assediar na terça-feira, 19 de Maio. Demorou exactamente 12 dias desde que eu soube que eles diziam que eu lhes devia dinheiro até eu receber um telefonema a dizer que já não devia nada. Entre essas duas datas, quase toda a gente com quem eu falei achava que o caso iria ser uma grande chatice de resolver e iria provavelmente envolver advogados, tribunal, e alguma despesa.

Quando eu mostrei surpresa por estar envolvida num caso tão parvo, alguns dos meus amigos ficaram surpreendidos da minha surpresa. Senti-me uma bocado como a Dorothy n'O Feiticeiro de Oz: "I've a feeling we're not in Kansas anymore!", mas como dizemos na companhia onde eu trabalho, "It is what it is!" As coisas são como são e não como nós queremos que elas sejam, logo cabia a mim identificar oportunidades na situação onde me encontrava. E, nesse aspecto, a informação que todos vós me destes e que a NOS me deu foram essenciais para eu delinear uma estratégia de defesa e contra-ataque.

Uma coisa acerca de mim: eu não gosto de conflito, mas eu adoro adversidade. Uma vez, uma pessoa para quem eu trabalhei ficou muito surpreendido comigo e disse-me "You thrive in adversity!" Pois é, isto deu-me uma grande dose de adrenalina. Até vos confesso que uma parte de mim teria tido grande prazer de ver esta companhia explicar o meu caso a um juiz.

Gestão de Informação
Pelo que vocês me disseram, usar os métodos convencionais para lutar contra estas companhias não nos protege emocionalmente nem financeiramente. Muitas pessoas acabam por perder imenso tempo, dinheiro, e paciência para corrigir uma situação que deveria ser trivial e que não deveria ser conflituosa, mas sim de cooperação entre a companhia e a vítima. Para além disso, ser inocente das acusações ou ser culpado é completamente irrelevante na forma como somos tratados pela companhia. Fiquei também a saber que o estado português tem pouco ou nenhum interesse em corrigir e/ou minimizar a perversidade destas situações.

O que é que eu aprendi da NOS? Eu aprendi que a companhia não trata as pessoas com respeito, tenta intimidar e assustar para que as pessoas paguem só para se ver livres deles, e há violações da lei portuguesa e abusos no uso da justiça. A NOS está tão convencida que pode fazer o que quer e lhe apetece que chega ao cúmulo de ser incompetente em documentos oficiais e na comunicação com a vítima. Alguns exemplos: enviam-me uma carta com uma data de 30/4/2014 em Maio de 2015 para uma dívida que prescreve ao fim de seis meses e ainda por cima ameaçam penhora; quando eu falo com eles ao telefone, invertem o ónus da prova e mentem acerca da informação que já receberam; e recusam-se a apresentar provas que substanciem a sua causa.

Como é que eu interpreto a informação?

  • Não acredito que o processo de penhora se dê tão rapidamente em Portugal, nem percebo como é que os tribunais aceitam que as companhias metam processos deste tipo em tribunal. A prescrição ao fim de seis meses serve para aligeirar o número de processos em tribunal, mas as companhias não só continuam a iniciar processos legítimos, como iniciam muito processos frívolos para os quais não têm sequer provas suficientes para os ganhar--vocês contaram-me alguns destes casos. Isto diz-me que o sistema de justiça falha com uma probabilidade muito alta e compensa este tipo de comportamento para estas empresas.

    Usando métodos estatísticos, seria muito fácil para o estado meter estas companhias na ordem, bastava ver coisas como o número de desistências dos processos, o número de processos iniciados, o número de queixas contra estas companhias, etc. Também seria muito fácil exigir que companhias como a NOS submetessem os dados relevantes dos casos: por exemplo, as datas relevantes, contratos, etc. e permitir aos clientes acusados ir a tribunal e mostrar os seus documentos. Se o cliente conseguisse apresentar documentos que anulassem a contenção da companhia, então o caso seria imediatamente anulado sem haver necessidade de se arrastar ou de se dar em tribunal e a companhia pagava os custos por ter iniciado um processo frívolo.

  • A NOS e outras companhias semelhantes exploram falhas de mercado. Uma das falhas é obviamente poder de mercado: estas companhias conseguem manipular o sistema, pois têm acesso a recursos ilimitados para perseguir um cliente, mas o cliente tem acesso a recursos bastante limitados para se defender, pois contratar um advogado e deixar o caso arrastar-se gasta não só dinheiro, como tempo durante o expediente de trabalho. Nos EUA, a figura de "class action lawsuits" serve para controlar esta falha; no entanto, também há processos frívolos de ambas as partes (privados e empresas), logo o risco não é completamente eliminado.

    Outra falha muito evidente é a de assimetria de informação: a NOS tem advogados que conhecem bem o sistema e as suas falhas, mas a maior parte dos clientes não sabe os seus direitos, nem sequer como o sistema funciona. Para além disso, é a NOS que detém as "provas" e ao recusar-se a apresentá-las ao cliente está a garantir que tem uma vantagem do ponto de vista da informação. Muitas vezes, o cliente nem sequer sabe a que se refere a dívida.

  • Sendo assim, o meu caso estava perdido à partida, logo tudo o que eu fizesse só me iria beneficiar. Esperar que o sistema funcionasse e tentar resolvê-lo por vias convencionais seria dispendioso. Como a NOS agiu de forma muito conflituosa e maluca, eu decidi que não tinha nada a perder agindo de forma ainda mais maluca. E mais: decidi que escalar a minha acção e demonstrar o nível da minha maluqueira rapidamente no início só me iria dar uma vantagem, pois eles não saberiam o que eu iria fazer a seguir e o meu comportamento apresentava um risco para a companhia. No entanto, reparem uma coisa: obviamente, eu sou um bocado maluca (OK, talvez muito, quando eu estou inspirada), mas não sou criminosa e tudo o que eu fiz e planeava fazer estavam dentro dos limites da lei, o que é muito mais do que a NOS faz. Aliás, eu cheguei a ir ler a Constituição da República Portuguesa para me inspirar.
  • Outra coisa que eu decidi foi que eu não ia lutar isto só com a NOS, eu ia lutar com o sistema. Se a NOS fosse uma companhia competente, eu nunca teria tido este caso de fraude porque eles teriam feito a verificação dos documentos e da legitimidade da conta. Como eles são incompetentes e não têm nada a perder com casos frívolos, não apanharam a fraude a tempo de a evitar. E depois nem sequer queriam verificar que tinham sido negligentes. Dei oportunidade à NOS de se enterrar e de mais uma vez demonstrar a sua incompetência, o que eles fizeram brilhantemente; decidi lutar isto nas redes sociais e com o próprio estado com as armas que a própria NOS me deu.
  • Ao contrário da maioria dos portugueses, eu tenho um grande trunfo: como eu sou americana posso, em último recurso, fazer um chinfrim internacional. Isto é engraçado porque os americanos não se importam de mostrar o pior da América se é isso que tem de ser feito para efectivar mudança. É a tal filosofia: "the buck stops here", ou seja, isto daqui não passa. (Eu não cheguei a dizer à NOS que eu era americana. Talvez eles tenham lido os comentários ao meu post inicial, não faço ideia.)

    Em Portugal, as pessoas andam sempre muito preocupadas em mostrar o melhor de Portugal ao exterior, mesmo que isso signifique sacrifícios e continuação de um sistema corrupto. Mas esta lógica não se aplica ao futebol, como já devem ter reparado: quando o Benfica é campeão, vale a pensa fazer chinfrim e correr o risco dessa má imagem ser noticiada no estrangeiro. Parece-me que a alocação de recursos chinfrinísticos em Portugal é sub-óptima.

No próximo post vou dar-vos a linha temporal do meu caso.

3 comentários:

  1. Cara Rita,

    Antes de mais, fico contente por saber que se safou dos gajos e aguardo - com curiosidade sumarenta - os detalhes da "saga".

    Em relação ao que escreveu, concordo e acrescento: em Portugal os reguladores (ANACOM, neste caso) têm muitos poucos poderes de intervenção e não são lá muito independentes (no caso da ERSE - regulador da energia - a REN, EDP, GALP, etc acabam por contar com ex-quadros nos lugares de relevo). Mas, e como já foi referido por si e por outras pessoas, um país que coloca a máquina fiscal para cobrar créditos de privados (os casos "ex-SCUT") não pode ser levado a sério e considerar que existe uma efectiva separação entre o Estado e os (grandes) privados.

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  2. "Até vos confesso que uma parte de mim teria tido grande prazer de ver esta companhia explicar o meu caso a um juiz"

    Já lhe falei de um problema similar comigo mas com a EDP. E tenho a mesma sensação que um advogado me transmitiu: vai ser bonito explicar essa factura martelada a um juiz.

    Depois de ameaças de cortes de electricidade - quando a factura que contestei era de... gás! -, depois de remeter todos os dados à ERSE e pedir que alguém deslinde aquela factura alvo de duas queixas no Provedor do Cliente da EDP e no Livro de Reclamações (dali chegam também à ERSE), há um mês disseram-me que iam enviar a factura para pagar até 6 de Maio.

    Ainda aguardo. Nem que seja por um tribunal.

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  3. O problema é que a Rita safou-se porque este blog tem projecção significativa no espaço mediático (directa e indirectamente) - pelo menos a suficiente para a NOS ter feito as contas e perceber que estorquir X euros à Rita não compensava os Y euros em danos de imagem.
    Caso contrário a Rita não se safava sem um bom rombo no seu tempo e dinheiro.

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