terça-feira, 19 de maio de 2015

Um negócio perverso

Alexandre Homem Cristo chama aqui a atenção para um problema que merecia ser mais discutido na nossa sociedade: o negócio das explicações. Antes de mais, este negócio é um sintoma claro do falhanço das escolas. Evidencia um desfasamento “entre o trabalho dos professores, o desenho dos currículos e a elaboração dos exames.” Pior ainda: “exibe um sistema pouco disponível (por falta de tempo, recursos ou vontade) para apoiar alunos que, manifestando dificuldades, vão ficando para trás.” 

Por exemplo, até que ponto a melhoria, nos últimos anos, do desempenho dos alunos portugueses (especialmente na matemática) nos célebres testes PISA se deve aos progressos da escola pública, como alguns insinuam? Não, o mais provável é isto reflectir, sobretudo, os crescentes esforços dos pais, que ajudam directamente os filhos ou então pagam dezenas ou centenas de euros por mês em explicações.

Estamos perante uma aberração e Nuno Crato, infelizmente, nada fez para alterar este estado de coisas. Mas culpar o ministro não chega. Temos também de ser mais exigentes "com as escolas, professores e directores", que muitas vezes desistem dos alunos com mais dificuldades e os deixam ao Deus dará.

3 comentários:

  1. Caro JCA,

    O artigo é idiota (e, tendo em conta o posicionamento do autor face à escola pública, não admira).

    Um dos problemas do nosso posicionamento face ao sistema de ensino está centrado na questão das notas (e aí o AHC tem razão - somos uma sociedade fixada na "nota"), em que as pessoas não conseguem perceber que nem todos os alunos podem tirar >80% nos testes e ter 4s e 5s nas notas finais. O normal deveria ser a maioria dos alunos terem entre 3-4, com um número reduzido ter 2 ou 5 e um número infímo ter 1. Mas a maioria dos pais entra em parafuso se o filho não tem PELO MENOS um 4 e marcha para explicações.

    O "negócio" das explicações não existe por falha da escola (tirando em casos pontuais, como em tudo), mas sim por "falha" dos pais e um excesso de mentalidade competitiva, até porque os alunos com nota "negativa" (os 1 e os 2) já têm aulas de apoio e recuperação, para além de, em muitos casos, "marcarem" o ritmo da aprendizagem.

    Eu fui sempre aluno de 5s até ao 9º ano e aluno de 16-18 até ao 12º (como a média de entrada do curso que queria andava pelos 14, não me preocupei por aí além). E se há algo que me queixo agora e que me queixei durante a minha licenciatura foi a falta de exigência que tinha tido no preparatório e no secundário. Era tudo fácil, demasiado fácil. E depois a faculdade foi um "bocadinho" de choque, porque era mais "a sério".

    Nesses anos todos tive explicações no 12º ano, não porque precisasse, mas porque os meus pais - cheios de razão - consideraram que era uma maneira de me obrigar a estudar e de ter alguém que puxasse por mim.

    Portanto, e ao contrário do que diz o AHC, o problema não é só os alunos que "ficam para trás", o problema é igualmente os alunos que necessitam de "irem para a frente". E os professores e as escolas ficam apanhados no meio de uma dicotomia impossível, em parte alimentada por uma falsa ideia de igualdade: igualdade não é os maus alunos terem o mesmo ensino que os bons. Igualdade é a Escola poder ensinar de acordo com as capacidades de quem aprende - e isso implicará sempre um nível de segregação (intelectual) que tem de não só ser compreendida e aceite, mas exigida. Para puxar ao "futebolês", o Cristiano Ronaldo não se transformou no que é por ter ficado a jogar futebol nas ruas da Madeira - transformou-se por foi escolhido e teve acesso a uma formação rígida e dura, mas de excelência, que não está disponível para todos, apenas para aqueles que têm capacidade. E a Escola deve ser com o Sporting foi - ensinar os melhores PORQUE são melhores e têm mais capacidades, NÃO porque são ricos ou pobres.

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  2. Caro Carlos Duarte

    Obrigado pelo seu comentário, que, como é habitual, é inteligente e moderado. É capaz de ter razão quando diz que as explicações se devem em grande parte ao espírito competitivo dos pais - pela minha experiência, parece-me que é sobretudo das mães; pelo menos quando vou ver as notas do meu filho de 12 anos,dá-me impressão que os pais se estão a borrifar para as notas dos outros miúdos, mas as mães, não, sabem as notas todas dos colegas do filho ou filha. Eu falo em parte baseado na minha experiência de pais - o meu filho que está no sexto ano e, por sinal, vai fazer amanhã exame a matemática. Acho os programas desta disciplina demasiado puxados, honestamente. Aquilo está pensado para geniozinhos e o objectivo parece ser separar, o quanto antes, os melhores dos piores. Acho muito difícil um miúdo conseguir perceber aquilo que lhe é exigido (atingir as "metas", como lhe chamam) sem a ajuda dos país, seja directamente, seja pagando explicações. Isto não me parece normal, não devia ser assim. Há aqui de facto um desfasamento qualquer, um desfasamento entre o nível de exigência dos currículos e a capacidade da escola em dar uma resposta satisfatória aos alunos. Imagino as dificuldades de muitos miúdos cujos país não os podem ajudar, porque não podem ou não sabem. A menos que os miúdos sejam muito bons, começam a ficar para trás muito cedo, inevitavelmente.

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    1. Caro JCA,

      Pais no sentido "plural" da coisa ;)

      A questão dos programas (e admito que tenha mudado desde o meu tempo, já lá vão 25 anos) é que são one-size-fits-all. Podemos criticar modelos como o alemão ou mesmo o inglês, com vários tipos de "escola", direccionada para as capacidades dos alunos, mas a verdade é que, no fundo, têm razão.

      Quando se diz - e ainda há pouco isso voltou à carga - que o ensino profissional é discriminatório porque não prepara os alunos para o acesso ao ensino superior, cai-se no erro costumeiro de considerar que apenas é válido quem tem o canudo. Pegando no exemplo do Ronaldo, ele tem algum canudo? Ou (outro bom exemplo) no Henrique Neto, ele tem curso superior?

      O problema é societal e enquanto as pessoas não encaixarem que a qualidade do trabalho (num sentido lato - englobo aqui jogadores de futebol, artistas, etc) e o mérito deve ser apenas julgado em termos absolutos e não comparativos, estamos mal. É preferível, por exemplo, um bom calceteiro a um mau médico e a Sociedade deve valorizar isso mesmo - o desempenho de cada um naquilo em que é capaz de fazer melhor e ser mais realizado com isso mesmo.

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