Se um qualquer 
extraterrestre tivesse recentemente chegado a Portugal, e tendo 
adquirido alguns conhecimentos televisivos, concluiria que o país se 
transformou num imenso “Perdoa-me”. O famoso programa da SIC, de 1994, 
veio para ficar.
 O Presidente da República pede desculpas aos 
Portugueses pelas falhas do Estado nos incêndios e no apoio às vítimas; 
relembra que ele é uma pessoa e, indirectamente, pede desculpas pelo 
Primeiro-Ministro. Este, apertado, na Assembleia, responde que se querem
 que ele peça desculpa, pois ele pede. Não lhe caem os parentes na lama 
por isso! Mais tarde, revela dificuldades em lidar com as emoções e faz 
um público acto de contrição. O ex-Secretário de Estado da Administração
 Interna, à saída da cerimónia de tomada de posse de quem o substituiu, 
manifesta o velho sentimento judaico-cristão da culpa e quase me deu 
vontade de organizar um “crowdfunding” para lhe pagar sessões de 
psicoterapia. O Ministro da Defesa e as mais altas chefias militares, 
directa ou indirectamente, também já haviam feito um “mea culpa” a 
propósito de Tancos. Antes, Passos Coelho mostrava-se desolado pelo 
desencontro de informação que o fez julgar morto por suicídio quem 
afinal estava vivo.
 Apetece pedir desculpa pela vergonha da desculpa
 alheia. Como se as funções de soberania do Estado, esteio de um 
qualquer país que efectivamente o seja, quando estrepitosamente 
incumpridas, se bastassem com desculpas, sentidas ou “para a 
fotografia”. Como se não urgisse apurar responsabilidades e colocar no 
terreno soluções há muito conhecidas.
 E os Portugueses, perdoam? 
Diz-se que temos um coração grande e hospitaleiro, mas amiúde escutamos 
que “cá se fazem, cá se pagam”. Costa, a tudo isto, parece sair pouco 
chamuscado (trocadilho bem apropriado, mas pelo qual peço desde já 
desculpa). Bem vistas as coisas, quem pede desculpa é porque assume 
responsabilidade, bastando reflectir sobre o étimo da palavra. Desculpas
 pedidas, “segue a banda”. Um Presidente mais vigilante – algo esperado 
quando dobrada a primeira parte da legislatura –, que distribui abraços e
 beijos, espantando-se como este contacto com o Povo não lhe provoca a 
conhecida hipocondria, que falou grosso e demitiu a Ministra e que quer 
ver resultados no terreno, onde já marcou Natal e passagem de ano.
 
Se a moda pega, então todas as falhas nos diversos sectores da sociedade
 resolvem-se com um simples pedido de desculpa. Sem mais. Mantendo-se os
 empregos e não se respondendo civil, penal ou disciplinarmente. Eu e 
tantos Colegas perderíamos o emprego e os que restassem ter-se-iam de 
acomodar a pouco ou nada exigir dos estudantes, dada a prévia existência
 de uma “causa de antecipada atipicidade” em que a desculpa se vai 
transformando.
 Revelador, tudo isto, se não fosse trágico, de um 
imenso sentido de humor de todos nós, de um “nacional-porreirismo bué da
 fixe”. Sobretudo, de um “enfraquecimento ósseo” da sociedade 
portuguesa, que parece compactuar com os coitados que, Judas ou Maria 
Madalenas, se mostram arrependidos e prontos a cumprir penitência. Ou 
melhor, a penitência é um extra não exigível. Sinal de uma débil 
sociedade civil, amorfa, a aproveitar uma certa melhoria económica que 
sabemos não ser consistente e duradoira. A coisa vai melhorzinha, e se 
assim vai, para quê aborrecermo-nos a pensar em profundidade os 
problemas e o que queremos exigir de quem ocupa funções de soberania?
 Aproveitemos, pois, os milagres do Outono das nossas desculpas, com 
simpáticos raios de sol, e vivamos na certeza de que nada de mau se não 
resolve com um imenso palco onde surjamos entristecidos pelo erro – que,
 felizmente, todos cometemos –, mas sem disso retirarmos consequências.
 À Administração da SIC: não será altura de pensarem em exigir 
judicialmente direitos de autor a estes personagens? Ou de montarem, p. 
ex. no Terreiro do Paço, uma nova temporada do “Perdoa-me”, em directo e
 com montes de turistas a assistir? Podia ser uma nova e brilhante ideia
 que, vá-se lá saber porquê, não constou da “Web Summit”… Se constou e 
eu não soube, ficam desde já as minhas desculpas.
A sociedade(ou aquela parte da sociedade/populaça que bate palmas à actual conjuntura "governativa" pois há várias "sociedades" dentro da Sociedade)é amorfa no que toca às questões de fundo,mas quando toca a responder às "ansiedades" tipo cgtp e afins(por norma exigir mais dinheiro e menos trabalho)já não é amorfa.Quem se lembra do milhão de pessoas(e sabemos que eram de todas as cores partidárias)nas ruas em Lisboa em 2011/2012?Qual era a razão que despoletou tal protesto grandioso?E onde estão agora essas pessoas(eu não estive lá na manif)será que emigraram todos(ou será que boa parte deles são daqueles que votam conforme as promessas a favor de mais "meia dúzia de patacos")?
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