quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Super Mercados

Chamem-me estranho, mas uma das primeiras coisas que faço quando visito um país novo é entrar num supermercado. Acho que há poucas formas mais eficazes de ganhar conhecimento sobre um povo.  Quando me mudei pela primeira vez para Londres, em 2003, fui surpreendido por pequenos detalhes que achei particularmente úteis na minha introdução à cidade. 

Por um lado, é interessante ver como o espaço do supermercado está organizado.  A secção de refeições já preparadas, tipicamente para microondas, ocupa uma proporção muito significativa do supermercado. Estas refeições são, quase sempre, para uma pessoa só. Isto conta-nos toda uma história sobre a estrutura das relações laborais, sobre as ambições pessoais, sobre as opções familiares, e sobre a cultura alimentar. 

É interessante também ver como os preços relativos comparam com os portugueses. Na maioria dos supermercados, os chocolates e os refrigerantes são substancialmente mais baratos cá (diria que sensivelmente metade do preço). As frutas e os vegetais são muito mais caros, mesmo nos supermercados mais baratos. Isto por sua vez conta-nos uma história sobre a estrutura produtiva, sobre os custos de transporte, sobre o impacto do marketing na nação dos shopkeepers.

A estrutura de mercado do setor é também extremamente reveladora. A segmentação é clara e relativamente estanque. Na cadeia mais baixa de valor, há um conjunto de cadeias de supermercados que competem apenas no preço. O pior de todos é o Iceland, que se especializa em produtos congelados, e vende lagosta do Vietname a duas libras e pastéis de nata a uma libra cada caixa de seis. Mas há outros: o equivalente às lojas dos 300 vendem produtos alimentares de muito baixa qualidade, sem controlo efetivo. Acima destes, há o Asda, o Morrisons e o Aldi, que servem a classe média-baixa. Sempre que visitei qualquer um deles, achei a fruta intragável, e durou-me menos de dois dias no frigorífico. A carne é de muito baixa qualidade e mirra na frigideira. Mas os preços são incrivelmente baixos - tenho a certeza que mais baixos que os preços dos supermercados mais baratos em Portugal para a maioria dos produtos, apesar de as rendas e os salários serem incomparavelmente superiores. A seguir, há dois supermercados da classe média, o Tesco e o Sainsbury's. E até aqui há segmentação. O Tesco é o Continente e o Sainsbury's o Pingo Doce. O primeiro aposta no preço garantindo que a qualidade não desce abaixo da do segmento inferior. O Sainsbury's relaxa o preço e tem produtos com um pouco mais de qualidade. Depois, há o segmento da classe média-alta, onde concorrem o Waitrose e o Marks and Spencer. Produtos materialmente melhores que os do segmento médio, a preço muito mais elevado. Finalmente, há supermercados de luxo, como o Partridges e o Harrods, que servem os apetites dos bilionários. 

Uma estrutura tão diversificada e segmentada do mercado permite inferir vários elementos interessantes sobre a cidade. O primeiro é que, sendo tão ou mais desigual que a sociedade portuguesa, ao contrário desta a sociedade londrina tem gente que ocupa todo o espectro que vai entre os mais pobres dos mais pobres aos mais ricos dos mais ricos. A explicação para isto merecia um post em si mesmo. No entanto, a existência de uma distribuição ao longo da totalidade do intervalo de rendimentos faz com que haja espaço para uma estrutura muito segmentada de supermercados. Outro elemento interessante é o que é transversal a toda estes segmentos de negócio. Por exemplo, a significativa proporção ocupada por refeições já feitas, que referi no começo do post, é prevalente e relativamente semelhante nos cinco segmentos. O que varia é a qualidade dessas refeições. A qualidade que vai da lasanha do Iceland em embalagem branca a uma libra, à tagine do Harrods a doze libras servida em caixas próprias. O que é que isto nos diz? A falta de tempo - ou talvez interesse - para cozinhar, em todas as classes sociais, dá-nos pistas sobre a origem dos rendimentos da cidade, que são, maioritariamente, os do trabalho - por um lado, é possível aqui enriquecer com base no trabalho (já agora, claro que os mais ricos podem ter empregada interna a cozinhar, mas curiosamente tenho ideia de não ser nada comum); por outro, pouca gente, sendo bilionária com base em redimentos rentistas, escolhe ficar a viver em Londres. E também nos diz muito da cultura, estrutura familiar e sobre a relação das pessoas com a alimentação. 

5 comentários:

  1. Bastante interessante a sua visão do mercado retalhista em Londres.

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  2. Achei interessante o teu comentário acerca de empregadas domésticas. Em Portugal ainda há empregadas que deixam o jantar preparado. Nos EUA, há chefes pessoais, mas as empregadas domésticas dificilmente sabem preparar uma refeição que agrade aos patrões. Quando eu vivia em Memphis, havia uma senhora de limpeza no meu escritório com quem eu conversava e chegámos a trocar comida várias vezes. Uma vez, acho que lhe dei sopa e ela deu-me pupusas, que é uma comida tradicional de El Salvador. Era uma senhora encantadora e cozinhava muito bem.

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    1. Sim, isso é giro. Os dois empregados de limpeza do meu escritório são muito engraçados. Ele é de um país de língua espanhola da América Latina (não me lembro de qual), e ela diz que é portuguesa, mas fala com sotaque brasileiro, porque acho que viveu em S. Paulo alguns anos. Ela está sempre a ralhar com ele em português, de viva voz, e é o meu som de fundo quando fico até mais tarde a trabalhar, e ele responde entre dentes, em espanhol, muito cabisbaixo. Mas comida não me dão :(

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    2. Tens de conversar sobre comida com eles e também tens de oferecer...

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