Um blogue de tip@s que percebem montes de Economia, Estatística, História, Filosofia, Cinema, Roupa Interior Feminina, Literatura, Laser Alexandrite, Religião, Pontes, Educação, Direito e Constituições. Numa palavra, holísticos.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
O novo normal
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
Não perdem pela demora
terça-feira, 27 de dezembro de 2022
Ambientalista q.b.
Frequentemente penso que isto de termos a possibilidade de tomar duches e banhos diários é sol de pouca dura. Daqui a umas décadas, não vai haver água suficiente para estes luxos porque não somos muito bons na gestão dos recursos hídricos, especialmente no tratamento das águas. Isto a propósito de aqui em Memphis estarmos sob um aviso de ferver água que sai da torneira porque, com as temperaturas baixas, vários tubos principais de água se romperam e, enquanto o sistema está a ser arranjado, a pressão de água desceu.
Há uns anos, o aquecedor de água cá em casa teve uma fuga e fiquei com o teto de parte da casa todo estragado. Como ainda estava sob garantia paguei a um canalizador e trocaram por um novo, que foi instalado e não funcionava. O canalizador ficou muito surpreendido e concluiu que o aquecedor devia ser um limão, que é como quem diz um produto defeituoso.
Fiquei muito chateada, fui ao Facebook, e deixei uma mensagem desagradável na página do fabricante do aquecedor de água. Passados algumas horas fui contactada por eles e o problema foi encaminhado para um dos seus gerentes que passou um tempão ao telefone comigo e depois me arranjou um canalizador pago por eles para vir ver o que se passava.
Esse novo canalizador era um autêntico Sherlock Holmes e descobriu que o problema era uma fuga num cano de água quente num dos quartos-de-banho (eu não sou chique, logo não chamo casa-de-banho a uma divisão interior da casa) e, para encurtar esta parte da história, foi assim que eu fiquei com um quarto-de-banho escavacado.
Ora, o meu Sherlock Holmes dos canos tinha reparado que a temperatura do aquecedor de água estava no máximo e, na verdade, quando eu comprei a casa, a dona anterior tinha-me dito para ter cuidado ao tomar um duche porque a água saía muito quente. O canalizador que eu contratei deixou a temperatura do aquecedor novo também no máximo, que foi como tinha encontrado o outro.
O problema é que quando está muito frio e usamos muita água quente, a água fria que entra para o aquecedor de água tem uma grande diferença de temperatura com a que sai e o material do interior do aquecedor estala. Foi essa a causa do primeiro aquecedor ter avariado. Desde então sigo o conselho deste canalizador e mantenho a temperatura do aquecedor de água na segunda mais baixa (há quatro níveis de temperatura) e, no Inverno, tenho sempre o cuidado de não usar muita água quente de uma vez.
Foi esse mesmo o plano antes desta tempestade. Não digo que tenha andado a tomar banhos de gato, como se diz por estas bandas, mas tenho tentado conservar água. Ontem de manhã não resisti e lá estive no meu duche, apesar da baixa pressão de água. Até fui rápida, não coloquei amaciador no cabelo, e optei por usar um amaciador que não precisa de ser enxaguado. De tarde, abri o NextDoor e lá estava um vizinho com vídeo do teto da casa dele todo escavacado porque o aquecedor de água tinha rebentado e inundado a casa. Aposto que estava na temperatura máxima.
Hoje, como a pressão de água continuava muito baixa, fui à página da MLGW (Memphis Light Gas and Water) ver o que se passava. Para além de aconselharem a ferver a água, estamos sob aviso de conservar água e, se calhar, eu nem devia ter tomado duche. Não posso dizer que foi sem querer, porque aquele duche soube mesmo bem.
domingo, 25 de dezembro de 2022
Ainda o Elliott
As fotografias desta tempestade são quase de outro mundo. Há zonas nos EUA que estão em situação bastante grave, com pessoas sem electricidade e sem água, como é o caso de uma antiga colega minha que se mudou para Denver, na Carolina do Norte, mas felizmente tinha lareira a gás.
O país recebeu bastantes avisos com antecedência e há planos de emergência para lidar com os picos na procura de energia, mas mesmo assim esta tempestade é bastante mais severa do que o normal. Talvez se compare com o inverno de 1983, só que desde então as casas são muito maiores, há mais casas, e até muito mais aparelhos que ligamos à electricidade e à rede de gás. Perante esta crise, fico feliz de não ter montado a árvore de Natal, nem de ter colocado luzes na casa.
Em algumas cidades, há uma lista de voluntários que se comprometem a reduzir o consumo de energia para criar folga para os restantes, mas quando isso não funciona, a rede entra em modo intermitente, os chamados rolling blackouts, em que a energia é desligada por um período de tempo rotativamente. Em Memphis, os rolling blackouts foram introduzidos para reduzir a carga energética em 5-10%; tinham duração média de 30 minutos e terminaram a meio da manhã de Sábado. Talvez seja essa a razão de eu ter estado sem electricidade na Sexta-feira.
O Luís perguntou acerca da temperatura da minha casa. No Inverno, o termostato normalmente está nos 19,4℃, mas nos 45 minutos em que estive sem energia, a temperatura desceu para os 16℃, apesar de ter a lareira ligada. Claro que não chega a ser desagradável sequer e tive bastante sorte porque há pessoas que estão há mais tempo sem electricidade e não têm fogão, nem lareira a gás.
Por coincidência, hoje terminei de ler o livro "The Laws of Simplicity", do John Maeda, onde numa página quase no fim ele se refere às ideias de Ivan Illich: "The lesson I've taken from Illich's work is that while technology is an exhilarating enabler, it can be an exasperating disabler as well." E, efectivamente, as nossas casas perderam alguma autonomia e nós também perdemos alguma capacidade de lidar com a vida pré-teccnologia.
Feliz Natal a todos!
sábado, 24 de dezembro de 2022
Friozito, mais ou menos
Estão -11℃ e hoje nem saí de casa. Conduzir com as estradas com neve e gelo não é grande ideia, mas à Sexta-feira trabalho de casa, logo também não era uma necessidade. Há dias disseram-nos que podíamos trabalhar só até às 13h30m e terminar mais cedo, se não houvesse algo premente, só que, no meu caso, faltou a electricidade às 11h15m durante 45 minutos, o que me atrasou um bocado, mas aproveitei para almoçar.
Grande parte de Memphis ficou sem electricidade, mas não era toda a gente, so uma percentagem dos residentes em cada secção. Não sei bem o que a malta faz, mas gastam muita energia. Frequentemente, vão para o NextDoor queixar-se da conta da água, gás, electricidade, esgoto, e lixo, que aqui é cobrada toda junta. Nesta altura com as luzes de Natal é pior, mas as pessoas deviam ser mais conscientes e ver que, se vai haver uma tempestade deste tipo, o melhor é conservar. Tenho a impressão que devo ter nascido com a consciência hiperactiva porque estou sempre a pensar nestas coisas do bem-estar comum. Ou então formei-me em economia...
Ainda não estamos completamente a salvo, pois vai estar bastante frio durante mais alguns dias. Não deixa de ser impressionante que haja pessoas que se dediquem a velar por nós durante estas situações e estou bastante agradecida a quem andou ao frio a fazer as reparações para que a electricidade regressasse tão rapidamente.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2022
Elliot, o mal-amado
A tempestade Elliot chegou a Memphis por volta das 16h45m. Durante a maior parte do dia, a temperatura esteve acima dos 8 graus Celsius, mas quando chegou à hora marcada, começou a nevar e a temperatura a descer. Estão agora 13 graus negativos, mas com o vento parecem -22. A temperatura mínima amanhã será de -16C. Há zonas nos EUA que vão estar tão frias que as cores dos mapas da meteorologia nem chegam para ilustrar. É uma altura péssima para ter uma coisa destas, dado que tanta gente está para viajar por causa do Natal; o melhor era mesmo as pessoas ficarem em casa.
Por falar em casa, cá em casa estamos a postos para o mau tempo. O meu cão pediu que se ligasse a lareira, o que até tenho evitado fazer para conservar energia, dado que estamos em guerra. Sucumbi com a tempestade, apesar de dentro de casa não estar assim tanto frio por causa do aquecimento central, que é mantido nos 19 graus Celsius.
Lá fora, antes de esfriar, cobri as plantas mais frágeis e enchi os comedouros dos pássaros. Há também uma banheira de pássaros aquecida, que não deixa a água congelar. Estou a contar com muita animação no jardim amanhã e deve estar bonito porque está tudo coberto de um manto leve de neve.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Visita curta, mas significativa
O Presidente Zelensky, da Ucrânia, fez uma curta visita aos EUA, onde se reuniu com o Presidente Biden e discursou no Congresso. De acordo com a NPR, veio a convite de Biden e tudo foi tratado no espaço de 10 dias. Como a Câmara dos Representantes está prestes a ter maioria republicana, é importante para a Ucrânia conseguir apoio bipartidário, logo a altura é ideal para sensibilizar o Congresso.
Na negoiação do orçamento no Congresso, estão previstos 44,9 mil milhões de dólares de apoio à Ucrânia, o que é $9 mil milhões a mais do que a Administração Biden pediu. Isto irá dar alguma folga orçamental à Ucrânia e, entretanto, pode ser que as coisas melhorem ou que os Republicanos deixem de ameaçar cortar o apoio.
O discurso de Zelensky no Congresso seguiu os parâmetros esperados, e ele argumentou que apoiar a Ucrânia é apoiar a segurança e democracia globais e comparou a luta actual do seu país com as muitas batalhas que os americanos tiveram de travar e também com a luta pela independência dos EUA. Politicamente, Zelensky foi bastante astuto e sabe o que os americanos valorizam.
É cómico que alguém que não tinha experiência política e veio de uma carreira em comédia esteja mais apto para actuar no plano político mundial do que muitos que só têm experiência política, mas são tão medíocres que nem no plano nacional são competentes.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
Ainda o Ronaldo
A minha empregada, que é uma senhora da Colômbia, perguntou-me se eu tinha visto a final do campeonato de futebol e começou assim uma pequena conversa sobre o CR7. Eu respondi que não, mas disse que em Portugal estava tudo muito chateado por causa do Messi ser campeão -- nem mencionei o Ronaldo. Ela disse logo que adorava o Ronaldo e teve muita pena que Portugal tivesse perdido. Ah, e gostas do Ronaldo porquê, inquiri. Ele joga muito bem e dá tudo por tudo no campo, muito dedicado, disse ela. Dá gosto vê-lo jogar, acrescentou.
Ao Messi não fez nenhum elogio. Não se pode ter tudo...
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Inédito
Pela primeira vez na história dos EUA, o Congresso americano recomenda que um Presidente seja acusado criminalmente. De acordo com o Painel da Câmara dos Representantes que investiga os ataques de 6 de Janeiro, Trump poderá ter cometido quatro crimes; um de incentivo de uma insurreição, outro de conspirar para defraudar os EUA, mais um de obstrução do Congresso, e finalmente conspiração para proferir uma afirmação falsa.
Agora a bola está no Departamento de Justiça, que é como quem diz, no lado do Presidente, que também tem uma investigação paralela. A decisão do Painel, que não tem vínculo legal, saiu a quase um mês da Câmara dos Representantes ter maioria republicana e é esperado que, nos próximos dois anos, os Republicanos façam a vida negra ao Biden.
Até às próximas eleições continuará o espectáculo, mas os Republicanos dividem-se. Uns acham que se defende Trump a todo o custo e se ataca os Democratas para agradar à base do partido; os outros acham que ao se agradar à base, se aliena o eleitorado que decide eleições. Daqui a dois anos veremos quem terá razão.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
Maus perdedores
Com a vitória da Argentina, muitos portugueses foram para as redes sociais mostrar o quanto ainda estão perturbados, a ponto de achar que a taça pertencia a Portugal. Não me recordo de Camões ter mencionado que os deuses deveriam assegurar vitórias futebolísticas à lusa pátria. Decerto foi um equívoco do autor, que escreveu o poema entre os 32 e 47 anos, logo devia estar à beira de uma crise de idade e achava que o que era devido ao nobre povo era uma ilha dedicada ao sexo, em vez da bola.
É uma pena que se gaste tanta energia a odiar o Messi, em vez de se celebrar os valores da quadra natalícia, como a gula, a luxúria, e a preguiça. Felizmente, com a tolerância de ponto da função pública, haverá tempo suficiente para colmatar esta falha e afogar as mágoas em rabanadas, sonhos, belhós, brinhóis, filhós, coscorões, formigos, broinhas, bolo rei, e bolo rainha, que em Portugal não se discrimina.
domingo, 18 de dezembro de 2022
Domingo ao entardecer
Não sei o que se passa, mas este ano estou com muito pouca vontade de celebrar o Natal. Mesmo as casas decoradas com luzes perderam o seu encanto, mas ainda fui às luzes de Natal do Museu Dixon. Gostaria de ter ido ver a Opera Memphis cantar no Dixon a Christmas Fiesta, com música e comida latina, mas estava a chover a potes nesse dia e o evento ia ser na rua, logo não fui.
Há uma tradição que irei celebrar, apesar de não ter a ver com o Natal. Domingo, ao pôr do sol começa o Chanuca, que é uma das minhas alturas preferidas do ano. Este ano comprei velas suficientes para os próximos três ou quatro anos, logo está tudo a postos para acender a menorá. Todos os anos gosto de ouvir esta versão da bêncão (esta é a da primeira noite).
sábado, 17 de dezembro de 2022
Habituem-se não, que já estão habituados
Mesmo com a inflação a ajudar nas receitas de impostos, Portugal irá ter um défice orçamental de 1,5%, mais baixo do que os 1,7% previstos. O Primeiro Ministro considera isto uma vitória, mas é mais uma derrota. Numa ano de receitas fiscais extraordinárias, devia haver um excedente, mas ainda há um défice.
Os portugueses continuam a perder poder de compra. As taxas de juro irão continuar a aumentar e a dívida privada portuguesa é 254% do PIB. Há países na Europa com piores rácios, mas nenhum deles tem salários precários à moda de Portugal. E convenhamos que, mesmo com dívida, Portugal teve um desempenho medíocre, logo com dívida mais cara, é natural que piore.
Mas não é problemático dado que Portugal é um país exímio em viver na pobreza; nem a oposição, nem o povo precisam de se habituar -- habitados já eles estão.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2022
Sem couves, mas com muito queijo
No fim-de-semana passado deu-me a preguiça e não fui às compras. Em vez disso, fiz uma encomenda no Fresh Market via a app do Instacart para entrega ao domicílio. A senhora que atendeu e me fez as compras tinha algumas perguntas acerca do que eram certos itens, mas, de acordo com a app, era uma pessoa muito experiente (estatuto diamante, com mais de 400 compras feitas).
Já usei este serviço várias vezes e muita da mercearia que consumi durante a pandemia era comprada por esta app. Nunca calhou haver um engano nas coisas que recebi, até esta última vez. Tinha encomendado couve preta, não sei se se chama assim em português, mas é uma couve italiana, cavolo nero. Só que não havia e a senhora sugeriu uma couve frisada , sugestão que aceitei.
Quando as compras vieram, não havia couves, mas o recibo dizia que eu tinha comprado couves. E não era apenas esse o engano. Tinha pedido um naco de queijo parmesão e, efectivamente, lá estava, mas também veio queijo parmesão ralado, mais uma embalagem de queijo creme. Não paguei nem o queijo ralado, nem o queijo creme porque não os pedi.
Não acusei o engano. Se o universo me dá queijo, em vez de couves, eu aceito. Honestamente, encomendei as couves, mas não fazia ideia de como as iria preparar. Quanto ao queijo, há anos que já não comprava queijo creme, dado que deixei de comer gluten e como não compro pão mesmo sem gluten frequentemente, não tenho grande uso para queijo creme. Depois, também andei a evitar o queijo porque tenho uma intoleância ao leite de ovelha, só que antes que eu descobrisse que era só leite de ovelha que me causava problemas, cortei todos os lacticínios.
Calhou no mês passado fazer umas encomendas pelo Harry and David, que é um serviço de comida gourmet entregue pelo correio, para enviar a um familiar meu que está temporariamente nos EUA. Fui ao site ver se havia alguma coisa interessante para comprar cá para casa para o Natal e não é que o Harry and David vende bagels sem gluten? Já não comia um bagel há uns quatro anos ou mais.
Encomendei o cabaz de bagels: quatro simples, quatro de canela e passas, e quatro de sementes, que custou $55. Também comprei o cabaz de queijo e fruta (duas maçãs, duas pêras, um queijo Cheddar, e um pedaço de queijo Gouda), pela módica quantia de $65. Depois dos impostos e dos portes de envio paguei $170 menos uns cêntimos por tudo, o que é um bocado caro, mas como é época de Natal, há uma sobretaxa.
Os meu bagels chegaram ontem à noite e hoje de manhã já pude apreciar um com queijo creme ao pequeno-almoço. É pena que a senhora, ou o universo, não se tivesse enganado ainda mais -- podia ter-me mandado salmão fumado, em vez do parmesão ralado. Ia ficar tão bem por cima do queijo creme no bagel de sementes. Fica para a próxima.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
Ajustes
A Reserva Federal americana aumentou as taxas de juro mais 0,5%, uma desaceleração comparado com os últimos incrementos. Os dados da inflação publicados esta semana indicaram crescimento de preços homólogo de 7,1%, evidência que também está a enfraquecer. E até os consumidores baixaram as sua expectativas de inflação a um ano para 5,2%. Os detalhes estão todos no calendário económico da Bloomberg que dá imenso jeito para acompanhar as maiores economias mundiais. Não acho estes números muito surpreendentes, dado que coincidem com o período no ano passado em que a inflação começou a acelerar mais rapidamente, logo o denominador está a aumentar mais depressa do que o numercador.
Em Janeiro, irão haver bastantes ajustes na economia americana. Um deles é que os escalões de impostos vão ser actualizados e sobem em média 7% (o escalão sobe, não a taxa de imposto, logo as pessoas vão pagar menos impostos sobre os rendimentos). A pensões da Segurança Social também vão aumentar 8,7%. Mas há vários programas de apoio social que irão terminar ou encolher porque tinham sido expandidos durante a pandemia, logo as devoluções de impostos irão ser mais pequenas em 2023. Veremos se os americanos também se ajustam sem que a economia entre em recessão.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2022
Despertar ou não, eis a questão
O estranho deste tempo é que o normal é aparecer mais cedo no Outono, quando estamos a sair do calor do verão e a entrar na época mais fria. Mas talvez o frio esteja atrasado, pois a temperatura irá descer bastante de um dia para o outro: Estão neste momento 16° C, mas é esperado que amanhã desçamos para -2° C. E por falar em coisas estranhas, no Arizona nevou e trovejou ao mesmo tempo, o que é bastante raro acontecer.
Em Portugal, o tempo também não parece estar muito bom: agora queixam-se de chuva a mais, quando no verão era a seca que atormentava o país. De acordo com os governantes de Portugal, não há nada a fazer, ou seja, não dá para prevenir, nem dá para auxiliar, ou sequer aconselhar a ligar o despertador.
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
O ciclo da minha vida
O Pedro Nogueira Ramos foi meu professor de Macroeconomia na FEUC e é um dos professores de cujas aulas me recordo mais nitidamente. No final do semestre, ensinou-nos a Life-Cycle Hypothesis, mas não me recordo bem se tinha tradução para português, que suponho seria qualquer coisa como a hipótese do ciclo da vida. É uma ideia desenvolvida pelo Franco Modigliani e pelo Richard Brumberg no início dos anos 50.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
Um resultado histórico
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
SOS, Greta
Há uma semana, os membros da OPEC decidiram cortar a produção de petróleo em dois milhões de barris por dia, como forma de dar suporte ao preço do barril de petróleo. Os EUA têm contribuído para a pressão de baixa do preço, pois desde o início do Verão a Administração Biden tem retirado petróleo da Reserva Estratégica de Petróleo americana, como forma de contrariar a subida no preço de gasolina, que entretanto já começou a subir.
Para além disso, os americanos têm exportado mais petróleo do que importam, o que também contribui para o controle do preço mundial de crude. Neste momento, o volume de petróleo na Reserva Estratégica está a níveis de 1985. Brevemente, é provável que o governo americano tenha de comprar petróleo para a Reserva, o que, combinado com os cortes da OPEC, poderá contribuir para o aumento do preço de energia. Por sorte, a procura tem estado bastante deprimida.
Depois de anos a tentar conseguir apoio para indústrias ditas verdes, que supostamente baixam as emissões de carbono para a atmosfera, os americano lá, passaram há coisa de dois meses, a legislação IRA (Inflation Reduction Act), camuflada de lei para controle da inflação. Esta lei é consistente com o que as diferentes administrações americanas, tanto de esquerda como de direita, têm andado a fazer desde os anos 70: a tentar isolar-se de choques nos preços da energia, pois consideram a política energética uma questão de segurança nacional.
Só que as novas tecnologias têm o potencial de perturbar as indústrias exportadoras de países como a Alemanha, Suécia, Japão, Reino Unido, etc., todos aliados dos EUA, e que estão furiosos com a nova lei. É irónico que a Alemanha, que frequentemente faz campanha em prol do ambiente, agora não queira mudar. Talvez a Greta venha em socorro do Biden...
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Progresso e regresso
Desde a semana passada que comecei a trabalhar em modo híbrido: três dias no escritório e dois em casa. Um dos prazeres de ir ao escritório é, durante a comuta, poder ouvir as notícias da NPR e esta semana houve duas histórias que achei interessantes; ambas têm a ver com a Califórnia, um dos estados mais progressivos aqui do burgo.
A primeira história é sobre as strip-teasers de Los Angeles que querem formar um sindicato. Não seriam as primeiras dado que a peça jornalística fala da tentativa de sindicalizar as stripteasers do Lusty Lady em 1996. E a história ainda é mais engraçada porque uma das strippers do Lusty Lady é agora professora universitária e faz investigação nesta área. Nada mau para um país "atrasado" socialmente, como são os EUA.
A segunda história é sobre S. Francisco, mais propriamente sobre a baía de S. Francisco, onde um número elevado de peixes morreu asfixiado devido ao crescimento de algas que causou uma maré vermelha. As algas cresceram porque a água tem nutrientes, especialmente nitrogénio e fósforo, e esses nutrientes chegaram lá por via das águas de saneamento urbano, pois as centrais de tratamento de água não retiram os nutrientes antes de as despejarem na Baía. Isto na Califórnia, que é o tal estado progressivo.
Ouvi a notícia na Quinta-feira e tenho andado a pensar nisto porque acho absolutamente idiótico. Quando vivi em Oklahoma, que é um estado muito regressivo, tive oportunidade de visitar a central de tratamento de água de saneamento de Stillwater há uns 20 anos e não é que tiravam os nutrientes à água com a ajuda de umas algas?
Mas a história ainda fica mais engraçada porque calhou, há umas semanas, eu comprar peixe congelado no super-mercado internacional e reparei ontem que o pacote tinha um aviso da Califórnia. Estavam preocupados com o meu consumo de peixe e dizem-me, num autocolante, que podia ficar doente por comer aquele peixe.
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
Pior que double standard
Esta coisa da Primeira-Ministra da Finlândia ter de mostrar contrição em público porque foi a festas durante o seu tempo livre cheira tão mal. Quantos homens em altos cargos não se divertem, com festas, drogas, amantes, prostitut@s, etc. Alguns deles teve de vir à praça pública chorar para perder perdão? Não, normalmente quando são apanhados, pedem à esposa que os apoie publicamente, enquanto eles oferecem um discurso mal-amanhado e isto é quando são apanhados. Muitas vezes, há todo um aparato a protegê-los.
A esta rapariga, ninguém a protege. Oferecem-na à praça pública, como se de uma oferta aos deuses se tratasse. É verdade que a vida está difícil, mas não foi ela a culpada de estarmos nesta crise. A culpa é do eleitorado que elegeu políticos incompetentes. Onde está a contrição do povo?
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
A meio gás...
Finalmente, tivemos um intervalo no nosso calor de Verão, depois de mais de um mês de temperaturas quase nos 40º C e sem chuva. Esta semana, tem chovido e a temperatura baixou. Ontem, estava tão fresco que o ar condicionado nem foi activado, logo quando abri a porta do congelador, o ar húmido ficou cheio de condensação.
No NextDoor anda tudo abismado com a conta de MLGW (Memphis Light, Gas, and Water) electricidade/gás/água/esgoto, dado que em Memphis paga-se tudo junto. Há pessoas que receberam contas de mais de $1000. Há dois dias, o meu vizinho a sul perguntou-me da minha conta da MLGW porque a dele ultrapassava os $600. Ora, a minha conta baixou, apesar da porção da electricidade ter subido de $278 para $290, o que foi compensado pela conta da água ter descido de $32 para $18. No total paguei $373 pela conta de Junho e vou pagar $355 pela conta de Julho.
O vizinho não faz ideia porque recebeu uma conta tão cara. A casa dele é um pouco maior do que a minha, apesar de serem quase idênticas, dado que ele tem um quarto no primeiro andar que é maior do que o da minha casa. Ou seja, a minha casa tem 259 metros quadrados e a dele tem quase 283. Depois, ele tem uma piscina no jardim e eu não; mas mandei instalar duas fontes no jardim para a passarada e tenho-as tido ligadas.
Ambas as casas têm dois ares condicionados cada uma e ele disse que, para poupar, tinha desligado o ar condicionado que refrigera o primeiro andar. Como eu trabalho em casa e o gabinete é no primeiro andar, tive ambos os ares condicionados ligados, só que aumentei a temperatura no de cima para 26,7º C e uso uma ventoinha no quarto onde trabalho. O ar condicionado do andar de baixo, que foi substituído há dois anos, logo é quase novo, está à temperatura de 24,4º C . Quando à conta da água, como tive de regar o jardim todos os dias, decidi tentar poupar nos meus banhos diários, usando menos água.
Por enquanto, as minhas medidas de poupança estão a funcionar, mas os preços da energia estão a ficar cada vez mais caros. Na Quarta-feira, os preços de futuros de gás natural dispararam por causa da falta de gás na Europa. O Inverno há-de ser bonito... Eu gosto de ter a lareira ligada durante o dia e no ano passado cheguei a pagar mais de $450 da conta da MLGW. Vou ter de fazer contenção do uso da lareira. O meu cão não vai ficar muito satisfeito.
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
Males menores
A Nancy Pelosi, porta-voz da Câmara dos Representantes, está na Ilha Formosa, apesar de a China ter avisado os EUA de que uma visita oficial de alguém com um cargo tão alto seria considerado uma agressão à soberania chinesa. É difícil de saber quais as reais intenções dos americanos, mas há várias teorias. Primeiro, diga-se o óbvio: Depois de a China dizer aquilo, ela quase que tinha de ir porque a política internacional dos EUA é decidida pelos EUA.
Por um lado, a visita pode servir de aviso à China para não invadir a Ilha Formosa. Por outro, cultivar animosidade contra a China era a política da última administração e Biden não se desviou grandemente dela. Não é claro que a visita de Pelosi tenha sido planeada com a Administração Biden e ele tem andado a tentar meter água na fervura, até disse que o Pentágono não achava que a visita fosse boa ideia. Por sorte, como se fosse, foi anunciado que os americanos assassinaram um dos arquitectos dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e Biden já fez o seu inevitável discurso, apesar de ainda testar positivo ao vírus Corona.
Há quem diga que Pelosi tem interesses pessoais na visita, mas isso parece-me mais teorias à moda de QAnon. Parte do eleitorado americano não nutre simpatia pela China, logo isto pode servir de golpe eleitoral dos Democratas meses antes das eleições intercalares, nas quais estão em causa as lideranças democratas na Câmara dos Representantes e no Senado.
De qualquer dos modos, se a guerra entre a Ucrânia e a Rússia era má, uma invasão da Ilha Formosa pela China é quase um anúncio do fim do mundo que conhecemos. É que os processadores para os computadores vêm da Ilha Formosa e sabe-se lá mais o quê. E depois há também as coisas que são produzidas na China. Isolar a Rússia é fácil; isolar a China é quase impossível a curto prazo. A não ser que se queira uma enorme crise mundial com outra guerra à mistura. Mal por mal, já nos basta a da Rússia.
Na Quinta-feira há eleições no Condado de Shelby, no Tennessee. Hoje telefonaram-me a perguntar se eu ia votar nas eleições e tentaram convencer-me em votar em dois candidatos democratas, um para juiz e outro para District Attorney. Perguntei porque é que ambos os candidatos eram homens e qual a razão de Biden não apoiar mais mulheres. A resposta é que eu devia votar nos Democratas porque tinha de escolher o mal menor. Parece que é o mote do século XXI.
quarta-feira, 27 de julho de 2022
Já não é plano
Há uns anos, o Thomas Friedman escrevia que o mundo era plano, que o comércio internacional aproximava as nações e derrubava barreiras. Com a pandemia, o que era plano é agora cheio de obstáculos, que dificultam o movimento de mercadorias. As cadeias de distribuição, que estavam construídas para um mundo com poucas barreiras estão a ser reconstruídas de forma a haver mais redundância. As empresas querem localizar as suas operações mais perto dos clientes e querem minimizar o risco político.
Para além das empresas que saíram da Rússia por causa da má publicidade e também das sanções, o capital parece estar também a fugir da China. Por um lado, a política de zero-casos Covid seguida pela China aumenta o risco de interrupções na produção; por outro, há quem se questione se a China não poderá invadir a Ilha Formosa, numa acção que teria consequências semelhantes às que assistimos após a invasão da Ucrânia.
Quem se queixava dos aspectos negativos do comércio internacional deve congratular-se, pois vai poder observar o que é um mundo menos integrado, que é como quem diz, um mundo de preços mais altos. Se a Europa já empobrecia quando as coisas corriam bem, há a possibilidade real de que poderá empobrecer ainda mais. A Alemanha estava construída para crescer à custa da energia barata da Rússia, da protecção militar dos EUA, e de taxas de juro baixas. Podia beneficiar do euro mais barato, mas com energia cara, isso não a ajuda.
Mas, não é tudo mau, pode ser que as coisas corram bem, pois isto é também uma oportunidade de reavaliar o projecto europeu e de o orientar para ser sustentável. É pena que Portugal seja tão pessimamente governado porque isto podia fazer toda a diferença para gerar crescimento para o país. O mais provável é que empobreça mais depressa.
quinta-feira, 21 de julho de 2022
Reabertura
quarta-feira, 20 de julho de 2022
Existência e Espera
sábado, 16 de julho de 2022
Um propagandista na América
Um tal de Manuel Cardoso escreveu no SAPO24 que está nos EUA há dois meses e acha-se surpreendido que tenha perdido uns quilos, culpando a má qualidade da comida americana e o euro que está a depreciar contra o dólar americano. Não entendi a necessidade de vir aos EUA para se descobrir o estereótipo criado pelos próprios americanos de que se come mal neste país. Depois não é verdade. Os EUA têm óptimos restaurantes e oferecem uma grande variedade de comida e até de preços. Só que os preços americanos mesmo no restaurante mais baratuxo irão ser caros para muitos portugueses.
Muitos americanos não sabem cozinhar e comem fora, logo há muitos restaurantes que fornecem calorias baratas e cuja cozinha ainda é inspirada num país que já não existe. A ironia é que é mais fácil encontrar um pobre nos EUA que não sabe cozinhar, logo tem de comer fora, ou come refeições pré-cozinhadas, do que os mais ricos que, muitas vezes, cozinham em casa e comem fora por prazer, não por necessidade. Em Portugal, os mais abastados têm uma empregada doméstica que lhes prepara algumas das refeições, um conceito que, nos EUA, é quase inexistente.
Na sua criação, os EUA eram um país rural, muito mais do que a Europa Ocidental, e muitas pessoas tinham trabalhos que requeriam muitas calorias, logo a cozinha tradicional americana é muito rica em hidratos de carbono. Depois, há grande diversidade climatérica nos EUA, mas a maior parte do território americano não permite que as pessoas mantenham um quintal todo o ano onde produzir parte dos seus alimentos, coisa que em Portugal é normal. A minha mãe fazia sopa o ano inteiro com as couves do nosso jardim e desde a primavera ao outono havia sempre algo a crescer para consumo. O clima americano, que é bastante seco durante o inverno, é mais propício a que se armazenem cereais.
Mesmo assim, as minhas relações americanas (estou a falar de pessoas com bem mais de 70 anos) contam-me que, quando eram pequenas, as suas mães tinham uma pequena exploração agrícola onde cultivavam vegetais que depois guardavam em forma de pickles para o inverno. Uma amiga minha que tem 93 anos e que cresceu em Sweetwater, TX, conta que para além de fazer os pickles, a família tinha uma vaca que lhes permitia ter leite, manteiga, queijo, sour cream, etc. Tudo feito pela mãe dela em casa. Como viviam perto de um caminho de ferro, era comum a mãe deixar farnéis de comida perto da linha de comboio para as pessoas pobres que apanhavam "boleias" nos vagões de mercadorias.
A minha ex-sogra cozinhava pratos que usava muitos enlatados, as chamadas "casseroles", que são pratos de uma altura em que a comida já era mais industrializada. Ela, que tem 80 anos e cresceu numa zona rural em Oklahoma, não gosta de feijão-verde fresco, apenas aprecia o enlatado, que a mim não me dizia grande coisa porque eu cresci a comer feijão-verde fresco. Já a minha "mãe-americana", uma amiga minha desde 2004, septuagenária, que nasceu e cresceu nas montanhas do Arkansas, as Ozarks, que têm um clima mais ameno, fala bastante dos pickles de cenoura, feijão-verde, etc. que a mãe fazia, mas ela adora feijão-verde fresco e, hoje em dia, durante o verão faz compras no Farmer's Market de Fayetteville, que é um dos melhores mercados de agricultores dos EUA.
Nunca comi rúcula tão saborosa como a que lá vendem em Fayetteville. E as misturas de saladas muito fragrantes, com verduras muito tenras, e às vezes com algumas flores comestíveis. Um dia destes tenho de ir lá a um Sábado de manhã (fica a 5, 5 horas de onde estou, logo tenho de sair na Sexta-feira), só para comprar as verduras. Apesar disso, a minha salada preferida continua a ser a alface que a minha avó me preparava há mais de 40 anos e que vinha do nosso quintal. A minha mini-horta tinha sempre alface e salsa das sementes que a minha avó me dava. E, no inverno, ela fazia-me sopas fervidas, que era um resto de uma sopa rica com feijão, couve e cenoura, à qual se juntava broa-de-milho aos pedaços e se fervia.
Mas de regresso aos restaurantes americanos. Hoje em dia come-se excepcionalmente bem nos EUA e outra coisa que aqui fazem muito bem é que o normal é haver pratos que lidem com as restrições alimentares dos clientes, por exemplo, vou a um restaurante e peço que me indiquem quais os pratos sem glúten, muitas vezes até há um menu específico para esses casos. Mesmo nos restaurantes mais baratos, há sempre pratos de saladas aos quais se pode adicionar bife, frango, ou salmão, e fica uma refeição completa. Quando a minha prima holandesa veio aos EUA em 2003 ficou encantada com as saladas do MacDonald's que, entretanto, foram ao ar com a pandemia.
Quanto ao Manuel Cardoso, que veio a um país 107 vezes maior que Portugal, com uma população que tem mais de 32 vezes a portuguesa e bastante mais diversa, e acha que a cozinha americana se resume ao Fast Food. Nem lhe ocorreu fazer uma busca no Google para encontrar um dos 200 restaurantes com estrelas Michelin que existem nos EUA, mas não tem dinheiro para isso, claro está. Também podia ir ao OpenTable para ver que restaurantes perto dele estavam a aceitar reservas e até dava para ver as fotos dos pratos e ver quanto custavam porque dá acesso ao menu.
Enfim, parece-me que esta pessoa é uma propagandista à bela moda dos tempos da ditadura: Portugal é o paraíso, o estrangeiro ainda não encontrou o caminho da salvação.
terça-feira, 28 de junho de 2022
SCOTUS ataca de novo
A decisão de hoje do SCOTUS tem a ver com o caso de um treinador de futebol americano numa escola secundária que queria rezar no campo depois dos jogos da sua equipa. Este SCOTUS acha que sim, ele tem direito, o que contradiz decisões anteriores, condiciona o ensino do papel da religião nos EUA, e até a ideia da separação de religião e estado. Bem sei que pouco ou nenhuma separação existe quando no próprio dinheiro americano está inscrito "In God we trust", mas façamos de conta.
Os americanos não seriam americanos sem uma enorme dose de espírito cómico pelo meio. O Samuel L. Jackson, no Twitter, perguntou se o Tio Clarence (o Juiz Clarence Thomas do SCOTUS) tinha intenção de repelir Loving vs. Virginia, a decisão que legalizou o casamento inter-racial. É que a esposa do Clarence Thomas é branca e ele é negro. O suspense...
Um dos meus amigos mais antigos aqui nos EUA é professor de estudos religiosos numa universidade estatal e lamentava-se no Facebook que, com a decisão de hoje, o currículo teria de ser alterado e as instruções do Departamento de Educação às escolas teriam de ser actualizadas. Um outro meu amigo respondeu-lhe que isto dura até aparecer alguém muçulmano que queira efectuar uma cerimónia religiosa ou um seguidor de Satanás que queira rezar ao diabo em público usando esta nova proteção do SCOTUS.
Efectivamente, há um movimento religioso nos EUA que se chama The Satanic Temple, fundado por Lucien Greaves, e que serve mesmo para usar comédia e sátira para promover igualdade, justiça social, e separação de estado e religião--é uma organização de lóbi. Em relação a Roe v. Wade, o Satanic Temple diz que, de acordo com a sua "religião", o aborto é um ritual religioso que tem o fim de promover a auto-determinação e a autonomia do próprio corpo, logo a sua proibição é uma violação da liberdade religiosa. Esta organização está a processar o estado do Texas por causa da proibição do aborto e a FDA para permitir o acesso a medicamentos que induzam o aborto. Siga para bingo.
sábado, 25 de junho de 2022
Nojo
Numa semana, uma pessoa está aqui a receber fotos de PR Marcelo a beijar a barriga de uma grávida; na semana seguinte, notícias que uma menina de três anos, até há pouco ao cuidado dos tribunais portugueses, é morta violentamente. E note-se que violência contra crianças e mulheres em Portugal não é novidade. Depois há serviços de obstetrícia fechados em Portugal porque, como bem disse PR Marcelo, os portugueses, que inclui as portuguesas, sabem de antemão quando podem e não podem ficar doentes.
Diz o José Manuel Pureza, no Facebook, que os direitos das mulheres são o primeiro alvo da extrema direita nos EUA, como em todo o mundo, porque os EUA não fazem parte de todo o mundo. Portugal faz e deduzi que PM Costa se tinha filiado no Chega, pois só assim se compreende que as mulheres nem possam andar grávidas sem que o Presidente da República lhes venha beijar a barriga, como se o seu corpo estivesse ao bel-prazer das instituições portuguesas. E que mulheres e crianças continuem a ser alvo de violência sem que o estado português sequer se interesse em contabilizar oficialmente o tamanho da tragédia ou a Justiça vele pelos direitos das vítimas que estão consagrados na lei. Pelo contrário, há nos Tribunais portugueses juízes tão sofisticados como os americanos.
Obviamente que o mais chocante é a reversão de Roe vs. Wade nos EUA, que acaba por criminalizar o aborto em alguns estados. Pior ainda, quem nos vale nesta confusão são as grandes empresas, que se disponibilizam a pagar os custos das empregadas terem um aborto--o capitalismo a vir ao auxílio das mulheres, mas só das capazes porque quem tem empregos precários está por conta própria. Vale-nos que os americanos passem o tempo todo a contabilizar e a publicitar as suas próprias desgraças para o resto do mundo poder respirar de alívio porque, ao menos, não são americanos.
Estou enojada com ambos os meus países.
segunda-feira, 20 de junho de 2022
O enredo adensa-se
A semana passada foi dominada pela histeria que acompanhou o aumento das taxas de juro por parte da Reserva Federal nos EUA: o maior aumento desde 1994. Dizer que era previsível é completamente desnecessário, mas como já há décadas que não havia inflação a sério, a maior parte das pessoas já se esqueceu do que era inflação. Esta inflação é o preço que pagamos pela recuperação da pandemia ter sido tão célere, mas é melhor do que ter a economia mundial numa nova Grande Recessão ou Depressão, até porque ambos os termos já não estão disponíveis.
No que diz respeito a experiências de economia estamos a meio de uma bem interessante, dado que, ao contrário do que aconteceu durante a Grande Recessão, a política fiscal reagiu muito rápido à pandemia, o que, combinado com uma política monetária generosa, permitiu que os consumidores saíssem da pandemia bastante animados e investidos em gastar, continuando a pressionar a cadeia de distribuição. Depois a invasão da Ucrânia pela Rússia apenas intensificou o que já de si era bastante intenso.
Há, no entanto, razões para sermos optimistas, pois a pandemia permitiu bastantes inovações na recolha de dados e no diagnóstico, quase em tempo real, do que se passa na economia americana. Combater a inflação para os americanos também não é difícil, dado que já o fizeram uma vez, logo basta aumentar as taxas de juro para níveis ainda baixíssimos e entra tudo em parafuso, ou seja, a Reserva Federal tem bastante credibilidade, logo facilita a tarefa.
Talvez até facilite um bocado demais porque o Presidente Biden ainda acha que tem de passar um estímulo, o tal do Build Back Better, o que é uma completa tolice e reflecte mais teimosia política do que necessidade fiscal. É melhor guardar o programa para depois da inflação estar mais controlada e a economia entrar na próxima recessão porque há sempre uma a seguir.
Neste momento, o que é mais premente é a necessidade de reorganizar o mercado energético. A Ásia, especialmente a Índia, começaram a comprar bastante petróleo russo; a África do Sul está a considerar fazer o mesmo. O Biden já fala em se comprar energia à Rússia se o preço for abaixo de um certo nível, mas essa ideia demonstra cima de tudo um desespero político porque está com os níveis de aprovação muito baixos e é esperado que os Democratas percam a(s) maioria(s) no Congresso em Novembro.
Um desenvolvimento bastante mais interessante é a visita de Biden à Arábia Saudita, no próximo mês, em que um dos motivos é tentar que aumentem a produção de petróleo. Temos de engolir o enorme sapo da morte de Khashoggi, mas só assim dá para tentar normalizar a circulação de energia a curto prazo e antes do Outono/Inverno. Biden não está mal de todo em termos de trunfos porque se a Arábia Saudita não coopera, apenas dá um incentivo aos EUA e agora à Europa para continuarem a investir em energias/tecnologias alternativas o que irá encurtar a dependência de petróleo.
É um bocado como a luta contra a inflação: os americanos já conseguiram enfraquecer o poder da Arábia Saudita no mercado de energia uma vez.
segunda-feira, 13 de junho de 2022
Terça-Feira em NOLA
O resto da semana do Memorial Day tive de trabalhar durante o dia e só deu para sair ao final da tarde--vantagens dos empregos remotos. Ao investigar restaurantes interessantes em NOLA, encontrei o Lola's, que serve cozinha espanhola com influência crioula e a minha amiga acedeu a jantarmos lá na Terça-feira. Ultimamente, tenho andado com a pancada dos espanhóis por culpa do Goya e acho que até desenvolvi uma pequena obsessão pelas suas gravuras. Já pensei que devia fazer um teste de ADN para ver quanto de mim vem de Espanha, mas ainda não me convenci que quero dar o meu ADN ao sector privado, apesar de estar farta de dar o ADN ao sector privado quando vou ao médico. Contradições completamente ilógicas.
Para o jantar no Lola's, fizemos uma reserva pela aplicação da OpenTable à qual tivemos de dar o número do cartão de crédito porque, se a pessoa tem reserva e não aparece dentro de 15 minutos da hora combinada, cobram $25. É raro os restaurantes fazerem isto, mas a vantagem deste sistema é que só pessoas mesmo interessadas em ir lá fazem reserva, logo o Lola's não estava muito cheio e, se calhar, até nem teria sido preciso reserva. Por falar em estabelecimentos cheios, houve vários sítios onde queríamos ir, mas não havia disponibilidade, o que não é completamente mau, pois assim descobrimos este.
Chamámos um Lyft do nosso hotel e apareceu um rapariga muito simpática, super-educada, que conduzia um Mini-Cooper dos maiores, o que nos surpreendeu, dado que é um carro caro. Inquirimos acerca da escolha e a condutora disse-nos que era uma prenda a si própria e apenas trabalhava para a Lyft nos tempos livres porque estava a juntar dinheiro para pagar as férias de verão da filha.
Poucos minutos depois do início da viagem e enquanto estávamos entretidas a dizer mal do Lyft, o telefone da condutora foi abaixo e a viagem foi cancelada. Peguei no meu telemóvel e procurei as direcções para dar à condutora. Continuámos o paleio. Informava-nos ela que o problema de trabalhar para o Lyft é que a empresa castiga os condutores que não aceitam viagens ou recusam certos clientes. No caso da nossa condutora, que tinha recusado duas viagens, uma porque o cliente estava embriagado e outra porque eram vários homens numa zona perigosa da cidade, tinha sido informada que se continuasse a recusar viagens ia ser suspensa. (Não julguem que isto do medo é uma característica das mulheres porque já conversei com homens que também me dizem ter medo de certas zonas e pessoas.)
A nossa condutora viu o telefone ter morrido como sinal de que o universo lhe estava a dizer que devia ter ficado em casa. Quando chegámos ao restaurante, dei-lhe $20 em dinheiro, que era mais do que teria recebido se a viagem tivesse corrido normalmente--para nós devia ter ficado nuns $17, se tudo tivesse corrido normalmente. Ela não queria aceitar, mas eu disse-lhe que não podia recusar porque o universo estava a tentar corrigir erros passados. Espero bem que ela não tenha sido prejudicada por o telefone ter ido abaixo, mas se calhar a Lyft pô-la de castigo. A minha amiga disponibilizou-se a enviar uma mensagem à Lyft para a defender, mas depois pensámos que se eles soubessem que ela tinha feito a viagem com o telefone desligado ainda ia ser pior.
O menu do Lola's pareceu-me bastante bom, mas como tenho de evitar arroz e trigo, limitou-me um bocado as escolhas--a paella, da qual gosto tanto, não dava, a não ser que eu quisesse passar o resto da semana com o queixo cheio de borbulhas. Comi uma costeleta de porco com puré de batata, espargos, e micro-verduras, que acompanhei com um vinho tinto Tempranillo. A costeleta estava um bocado seca, mas talvez fosse de eu a ter pedido demasiado passada. O puré de batata foi dos melhores, senão o melhor, que já comi. No final, não pude resistir ao pudim flan, apesar de eu também evitar lacticínios e açúcar. O meu jantar ficou em $63,62, depois da gorjeta.
O regresso ao hotel foi também com uma condutora do Lyft, mas desta vez uma rapariga muito opinada, que não usava máscara, mas tinha a janela aberta e era vacinada. Quando nos viu de máscara, ofereceu-se a usar, mas nós prescindimos. A meu ver, o carro é o local de trabalho dela, logo é dever dos clientes mantê-lo seguro e velar pelo bem-estar dela, dado que ela tem de contactar com tantas pessoas. É verdade que ela também podia usar máscara, mas que os outros ajam de certa maneira não implica que eu tenha de abdicar dos meus princípios. A meu ver, não me custa nada usar máscara em certas circunstâncias, para além de que também é bom para a minha saúde.
Digamos que foi uma viagem animada e preparou-nos para irmos ao Hot Tin, o bar no topo do Hotel Pontchartrain perto do nosso hotel, para um "night cap". Tomei um Rita Hayworth ($14 antes de imposto e gorjeta) e ficou, no final, por $19.43. Este cocktail não é muito doce e, para além de ser um pouco picante, tem um toque amargo do sumo de lima, mesmo ao meu gosto. Assim terminámos a noite em amena cavaqueira no pátio mais pequeno, onde encontrámos uma família de Los Angeles que estava de visita à filha, que se mudou para NOLA para ser advogada de desporto. Os pais tinham acabado de comprar uma casa em Nova Orleães que contavam renovar, mas queixavam-se que as pessoas eram muito lentas a trabalhar. O sul é sempre mais relaxado.
segunda-feira, 6 de junho de 2022
Memorial Day
O terceiro dia que passei em Nova Orleães foi o feriado do Memorial Day, que este ano calhou a 30 de Maio, e é considerado a abertura oficial da época de férias nos EUA. O meu despertar não variou grandemente e acordei antes das sete da manhã, como se fosse para trabalhar. Sou uma daquelas pessoas que, quando acorda, só pensa em comida; também penso muito nas outras refeições, mas o pequeno-almoço é para mim sagrado, logo comecei logo a investigar que cafés estariam abertos antes das 9 da manhã durante o feriado.
Aqui deste lado, os cafés não são exactamente cafés à portuguesa porque muitos também servem almoço e jantar. Também há o detalhe de eu não poder ir às chamadas "bakeries" tradicionais porque muitas delas não têm nada que eu possa comer: quase tudo tem glúten ou outros cereais que me incomodam. De vez em quando, oferecem aveia que dá para eu comer, mas nem sempre é boa ideia se for servido com açúcar. Pensei ir ao Another Broken Egg, na Magazine St., que também tinha a vantagem de ser uma boa caminhada, só que quando lá cheguei, havia fila.
Durante Maio, no trabalho, fizemos uma competição de caminhadas. Temos várias equipas de cinco pessoas e cada pessoa conta os passos diários (os telemóveis e os relógios inteligentes contam) e incorpora os dados numa folha de cálculo no Microsoft Teams. A equipa que tiver mais passos ganha. Como em Memphis tive alguns percalços de chuva e um cão que não gosta de andar, pensei em meter mais passos durante os últimos dias de Maio, quando estivesse em NOLA. (Mesmo assim, nada que se comparasse a Nova Iorque ou Londres, há uns anos, em que o Luís Gaspar e eu andámos quase 30 mil passos nesses dois dias de cada vez.)
Por Nova Orleães, a bandeira da Ucrânia estava em todo o lado, especialmente no Garden District, onde eu passeava. Acabei por ir tomar o pequeno-almoço ao Vintage, também na Magazine St. que diziam, num espelho, que tinha sido fundado nos anos 30. No pátio, meti conversa com um rapaz local, muito bem parecido, que fumava os seus cigarros enquanto bebia um café gelado, que me informou que já era o quarto estabelecimento que frequentava naquele edifício. Como dizia aquele reclame antigo: a tradição já não é o que era.
O meu pequeno almoço foi um café americano e o Vintage breakfast, que consiste em papas de milho (grits), um pouco de queijo, bacon, e um ovo escalfado. Paguei $17.55, incluindo a gorjeta. Depois continuei a minha caminhada na Magazine St., visitando algumas lojas que me pareciam interessantes e que estavam abertas. Andei, andei até chegar ao cruzamento com a Erato St. e decidi virar à esquerda porque tinha aspecto mais pacato.
Calhou ver uma igreja e decidi ir investigar: era a igreja de Sta. Teresa d'Ávila, de denominação católica. Entrei para apreciar o interior e ver se tinha a Sta. Isabel (não a Rainha Santa, claro está, mas a St. Elizabeth, prima da Jovem Maria que dizem ser virgem). E não é que havia um vitral com ela? Procurei-a porque, na última vez que estive em Houston, andei a pé pela Baixa e também me deu na telha de entrar numa igreja, nesse caso, na Capela Golding, que pertence à Christ Church Cathedral, que é de denominação pentecostal, onde também havia um vitral da St. Elizabeth.
Estava sentada e sossegada no meu silêncio mascarado, quando bate o meio-dia, e noto alguma comoção na igreja de Sta. Teresa d'Ávila. Estavam a preparar-se para a missa das 12h05m. Pensei em sair, mas enquanto debatia sair ou não, o padre dirigiu-se a mim com um papel com as canções que iam cantar na missa--eu cantar só em playback, mas lá fiquei. Depois recordei-me dos meu tempos em Portugal, em que por vezes entrava na Igreja de Sta. Cruz ou na de S. Bartolomeu e assistia à missa das 18h, ou seja, quando era meio-dia na parte dos EUA onde acabei por viver. Pareceu-me profético entrar naquela igreja àquela hora, ou não fosse eu portuguesa; ainda por cima no Memorial Day, ou não fosse eu americana.
Saí da missa e regressei ao hotel para ir ter com a minha companheira de viagem e decidirmos onde iríamos almoçar. Pelo OpenTable, fizemos uma reserva para o pátio do Superior Seafood and Oysters Bar. Enquanto que o interior do restaurante estava repleto, com um zunido de muito boa gente em amena conversa, na rua só estávamos nós. O pátio estava descoberto e duas das três mesas apanhavam sol directo naquele dia de calor, logo não estava muito convidativo. No entanto, na nossa mesa, o sobreiro gigante ao lado oferecia alguma proteção. Almocei uma salada de verduras e atum grelhado, que acompanhei com um copo de vinho branco e que ficou por $34.20, depois da gorjeta, obviamente.
Depois fomos à Magazine St. porque estávamos curiosas para ver o que tinha para oferecer a Art & Eyes, uma loja de armações para óculos que tem uma seleção super-interessante, se bem que cara. Felizmente, não encontrei nada que me tentasse. Visitámos também uma loja de velharias, onde encontrei um jogo de chá de cerâmica portuguesa que me tentou (custava $65), mas a que resisti--mas olhem que a minha amiga quando o viu, veio logo dizer-me que era a minha cara. (Isto de eu treinar as minhas amigas americanas a apreciarem o que é português é muito problemático.) Acabei por só comprar talheres de servir dourados, uma colher e um garfo, que tinha toda a intenção de comprar se tivesse a oportunidade: paguei, em dinheiro, pouco menos de $11 por ambos.
Ao final do dia, passámos no Whole Foods para comprar comida para o meu pequeno-almoço e almoço do resto da semana, dado que ia trabalhar de Terça- a Quinta-feira e parte de Sexta. Isto do trabalho remoto dá para ser feito em qualquer sítio com Internet--viva a modernidade. As minhas compras ficaram em $119.12, mas descuidei-me e levei fruta a mais. E também deu jeito ter um hotel que tem kitchenette no quarto. Quando regressámos ao hotel, levámos uma garrafa de vinho para a varanda e terminámos o feriado relaxadamente. No Pontchartrain, uma equipa trabalhava num filme adaptado de um romance da Anne Rice, mas não sei se era para TV ou cinema.
terça-feira, 31 de maio de 2022
Segundo dia
Começámos languidamente o nosso Domingo, com uma viagem de Lyft até ao restaurante Copper Vine, na Poydras St., por volta do meio-dia, para o brunch. A nossa mesa ficou situada na varanda, pois escolhemos restaurantes que oferecem mesas no exterior. Bebi uma mimosa e comi um prato de porco, o "cochon de lait Benny", que tinha a vantagem de não ter glúten, logo dava para eu comer.
Estava bom, mas as verduras ("greens"), ao estilo do sul dos EUA, não me agradaram. Era kale, a tal couve que ficou famosa por causa do caldo verde, mas que, por estas bandas, tem a má sorte de ser cozida de tal forma que fica bastante amarga. O resto do prato estava bastante bom, apenas um bocado frio quando chegou à mesa. Mas foi uma boa experiência e o restaurante merece ser visitado num dia menos movimentado. Vamos a preços: a mimosa foi $10 e o cochon foi $16 e, depois do imposto e da gorjeta, ficou em quase $34.
Depois do almoço fomos para o French Quarter, passeámos e visitámos algumas lojas de candeeiros, galerias de arte, joalharias, e fomos também ao museu na Royal St. onde está a Historic New Orleans Collection. Fica num edifício restaurado de forma a se preservar as os traços originais do edifício. No pátio central, havia um café que também servia almoços ligeiros, no qual aproveitei para tomar um café gelado com leite de coco. Paguei também a bebida da minha amiga e tudo ficou por $14,50, depois da gorjeta. Calhou mesmo bem porque estava mesmo cansada e o café ajudou-me a despertar.
A minha exposição preferida no museu foi sobre a peça do Tennesse Williams, A Street Car Named Desire, que também deu origem a um filme, e decidi que tenho de encontrar uma cópia do livro para ler. Na loja do museu, encontrei a minha perdição: uma sai reversível em seda pintada à mão, que me custou $362, mas é tão bonita. Tive de comprar.
Após o museu, fomos à Jackson Square, de onde foi retirada a estátua do Andrew Jackson. Em redor da praça, há um rol de pessoas curiosas, inclusive videntes, cartomantes, pintores, caricaturistas, etc. Já há algum tempo que eu queria consultar uma vidente e como uma me chamou quando passámos, achei que era uma boa altura. Uma das coisas que me disse era que eu gastava muito dinheiro--os óculos escuros Gucci devem ter tido algum peso, mas ter gasto $60 em 10 minutos para me lerem as palmas das mãos e as cartas também deve ter contribuído. E será que acredito? Não faço ideia, mas em Nova Orleães temos de acreditar e eu até comprei salvia branca (cheira tão bem) numa loja de cristais e "New Age"($13,16).
O jantar foi no Sidecar Patio & Oyster Bar ($19,03) e jantei fish tacos (as tortilhas eram de milho). Depois regressámos ao French Quarter, fomos até à beira-rio para ver o Mississippi, passámos pela Bourbon St., que estava super-barulhenta e cheia de "characters", e ficámos tão exaustas que apanhámos um Lyft para voltar ao hotel.
domingo, 29 de maio de 2022
Bons tempos
"Laissez les bons temps rouler! | Let the good times roll!"
Escrevo-vos de Nova Orleães, onde cheguei ontem. Fica a 655 Km de minha casa. São à volta de seis horas de carro, se pararmos uma ou duas vezes para encher o tanque. Quanto custou? Gastei cerca de um tanque e meio de gasolina e custou à volta de $55. Achei que seria engraçado documentar os custos da viagem para compararem com o turismo português.
Deixei Memphis pouco depois das 9 da manhã, depois de levar o meu cão ao hotel de cães; por volta das 17 horas já cá estava e fui jantar com uma amiga ao The Avenue Pub, que serve comida com inspiração belga. Comi uma salada com camarão ($12.50) e ela o cassoulet ($13.50), que foi servido numa taça de pão (o pão é redondo, ao qual se corta o topo e retira o miolo e o cassoulet é lá enfiado). Partilhámos uma garrafa de vinho Sauvignon Blanc ($27). O total da refeição para as duas depois do imposto foi $58.41 a que se acrescentou a gorjeta de $11.
Terminámos o jantar às 18 horas, o que é um bocado cedo, mas eu não tinha almoçado, apenas comi um pacote de batatas fritas durante a viagem. Regressámos ao hotel, que fica a três quarteirões, trocámos de carteira e apanhámos o elétrico ($1.25) para ir ao French Quarter. Passeámos bastante e o plano era parar em algum sítio para beber qualquer coisa, mas estava tudo cheio. Havia um bar com uma banda de jazz muito boa, onde pensámos entrar, só que fechava às 23h e já passava das 22h30m, logo optámos por não parar. Não sei se foi da viagem, mas também estava super-cansada.
Durante as deambulações pedonais parámos na livraria Frenchmen Art & Books, que tem coisas muito engraçadas e onde comprei quatro livros por $72.05. Depois também encontrámos os poetas de rua e pedi a uma rapariga para me escrever um poema sobre livros. Paguei $30 pelo poema.
Apanhámos um Lyft quase às 23 horas, o nosso condutor era o George que conduzia um Tesla -- nunca tinha andado num Tesla, mas tirando o écran enorme com as imagens do que se passa em redor do carro, não vejo qual o poder transformativo do veículo. Bem sei que é eléctrico, mas so what? A nossa viagem de Lyft custou $20.99, que incluiu $5 de gorjeta.
Vamos ver como vamos passar o dia de hoje. Estou esganada de fome porque ainda não comi um pequeno-almoço de jeito e já são 10h30m da manhã...
terça-feira, 24 de maio de 2022
Mudança estrutural, será?
Se há coisa que a pandemia nos ensinou é que a economia portuguesa é um bocado lenta a reagir e que as autoridades portuguesas têm uma tendência para achar que Portugal é excepcional quando os choques externos demoram a se revelar. A invasão da Rússia mudou estruturalmente a Europa e, consequentemente, Portugal. Os efeitos ainda não estão solidificados, mas dão para se vislumbrar.
Até agora, a política de energia servia para atenuar efeitos ambientais dentro da UE, dando-se preferência a energias renováveis e importando-se combustíveis fósseis de países como a Rússia. Esta política é agora impossível, dado que a Europa tem um déficit energético que terá de ser colmatado nos próximos seis meses, antes do próximo inverno. É quase certo que terá de haver um acordo com a Rússia, ou os europeus passarão frio e fome no próximo inverno, o que recordará alguns das dificuldades da República de Weimar, onde notas de banco foram usadas para acender fogões.
Mas mesmo com acordo e a que preço, a Europa terá de mobilizar o seu investimento de forma a produzir mais energia e se tornar independente da Rússia. A Europa terá de fazer o que os EUA fizeram nos anos 70 e que foi considerar a independência energética como uma política de segurança nacional.
Por outro lado, também terá de ajudar a reconstruir a Ucrânia pela simples razão de os ucranianos estarem dispostos a se sacrificar para impedir a Rússia de avançar Europa a dentro. Depois, há também a necessidade de aumentar os gastos em despesas militares para que a Europa se possa defender de futuros e potenciais ataques.
Qual o papel de Portugal no meio disto? Até aqui, Portugal tem usado o investimento da UE para alimentar a corrupção e a extração de rendas; o mesmo se pode dizer das relações diplomáticas portuguesas. Por exemplo, no contexto actual, se Portugal tivesse usado melhor os investimentos em energias renováveis, estaria em melhor situação para fazer face aos efeitos da invasão. Outro exemplo, se as relações diplomáticas com Angola servissem os interesses de Portugal e da UE, também poderiam ser benéficas na gestão do défice energético da UE.
Viver do turismo, financiamento a taxas de juro negativas, e transferências da UE são estratégias inconsistentes com a situação mundial actual. Ou Portugal muda, ou os portugueses mudam: o aumento da emigração é quase certo. Ou talvez emigrar seja mesmo o fado de Portugal e, nesse caso, não há mesmo mudança estrutural.
sexta-feira, 20 de maio de 2022
Benefícios de ser emigrante
terça-feira, 17 de maio de 2022
Invasão procura-se
segunda-feira, 16 de maio de 2022
Terramotos
"So you found a girl
Who thinks really deep thoughts
What's so amazing about really deep thoughts?
Boy, you best pray that I bleed real soon
How's that thought for you?"~ Tori Amos, Silent All These Years
Há, em Portugal, umas almas incomodadas com a Ucrânia ter ganhado a Eurovisão: que não foi por mérito, mas sim por motivo político. Pronto, não vale a pena estarem tristes. Vou-vos dar música a sério, que tem mérito e também mete política, religião, sociologia, filosofia, sexo...
É isso mesmo! O Rick Beato a falar sobre o Little Earthquakes, o álbum da Tori Amos que fez 30 anos em Fevereiro. Foi um dos primeiros CDs que comprei depois de vir para os EUA permanentemente, apesar de, na altura, pensar que a minha estadia ia ser temporária.
quinta-feira, 12 de maio de 2022
Saudosismo
Vi mesmo agora que Portugal foi apurado para a Eurovisão com uma canção chamada "Saudade, saudade." Eu entendo que pessoas como eu, emigrantes e pobres de espírito, cultivem este saudosismo, mas o pessoal do Continente (não do hipermercado), que é tão sofisticado, faria melhor em tratar do futuro e usar o passado apenas como referência, não ponto de chegada. Depois recordo-me, como dizia a um amigo português hoje ao telefone, que os portugueses nem topam que têm um hino que elogia a emigração: heróis do mar, não heróis que ficam em terra.
Por falar em elogios aos portugueses, acabei de ler um livro sobre agricultura no Minho no século XX, chamado "Today There is No Misery". O autor é de antropologia e sociologia rural e apresentou um levantamento do que era viver no Minho rural, especificamente em Pedralva. Pelo caminho, avaliou as receitas propostas por economistas, engenheiros agrários, e governantes, das quais foi crítico. Concordei com bastante do que disse; aliás, os americanos, com o seu pragmatismo e obsessão em validar os argumentos através de dados, são sempre uma boa fonte de argumentos interessantes.
Tenho a felicidade de conhecer e ter bastantes amigos americanos que viveram os tempos da Depressão dos anos 30 e me contam como era a vida naquela altura. Mesmo na minha família americana, a minha ex-sogra, ainda tinha muitos dos hábitos de cozinha que tinha aprendido da mãe. Certas zonas de Portugal, quase até aos anos 70 eram bem pior do que a Depressão americana, o que impressiona bastante. Famílias a ter de dar os filhos para servir em casas mais abastadas porque não tinham como os sustentar, consumo de vinho porque era a única forma de obterem hidratos de carbono e calorias... Quase todo o trabalho em zonas rurais servia para não se morrer de fome.
Foram tempos duríssimos, mas na altura havia alguma saudade de quando as coisas eram tão más que as pessoas eram forçadas a se ajudarem mutuamente. Esse espírito de entre-ajuda e sobrevivência parece ter ficado no passado, mas restam as canções a elogiar a saudade.
sexta-feira, 6 de maio de 2022
Estás aqui, estás a campar
No seguimento do rascunho da decisão do SCOTUS que poderá repelir Roe vs. Wade, começa-se a ver nas redes sociais um movimento de apoio ao acampamento, traduzido livremente como: Olha, se precisares de acampar noutro estado, levo-te a acampar num estado amigo de acampamentos, não te faço perguntas sobre o teu acampamento, nem conto a ninguém que acampaste.
Quando eu me portava mal, ou até quando havia o mínimo indício que eu me pudesse portar mal, a minha mãe dizia-me, meio-zangada, meio-divertida ,"estás aqui, estás a campar", que era código para eu desistir da malandragem. Ironia, das ironias, calhou os americanos decidirem que a melhor metáfora para as nossas circunstâncias era o acampamento.
Desde ontem, já recebi várias mensagens de SMS a pedir para apoiar a causa, que consiste em assinar uma petição, só que para a submeter pedem uma contribuição monetária para a organização. Não é por nada, mas há aqui um enorme risco moral. É que esta gente ganha mais com a questão do aborto no limbo, do que com o caso arrumado, logo é vantajoso manter as mulheres reféns.
Até o Michael Bloomberg já escreveu um editorial a defender que a solução era legislativa e o Senado a devia arrumar de vez. Note-se que, sem as tramóias do Bloomberg nas eleições, o Biden não teria sido o candidato democrata. Um dos argumentos em favor do Biden, era mesmo a sua capacidade de passar legislação no Congresso: quando o Obama precisou de passar o Affordable Care Act, encarregou o Biden de facilitar o processo legislativo.
Para contrariar o marketing negativo, saiu hoje a notícia que vamos ter a primeira mulher negra LGBTQ no cargo de Porta-Voz da Casa Branca. Coincidência que tal aconteça mais de um ano após o Biden ser Presidente e no dia a seguir à fuga de informação do SCOTUS. Até tivemos direito a um abraço entre a futura porta-voz e a actual, apesar de nos andarem sempre a avisar que ainda estamos em tempos pandémicos e há que ter cuidado.
No que diz respeito à guerra, a Administração informa a imprensa que tem andado a ajudar os ucranianos e o submarino russo foi ao ar, perdão, ao fundo, com a ajuda dos meus queridos governantes. Ontem tínhamos aprendido que os americanos andavam a ajudar os russos a encontrar e alvejar os generais russos. Uma guerra dá sempre jeito para ficarmos mais informados, especialmente antes de irmos campar.
quarta-feira, 4 de maio de 2022
Nós, as idiotas
Anda uma grande confusão, deste lado do Atlântico, porque houve uma fuga de informação no SCOTUS de um rascunho de uma decisão que potencialmente poderá repelir a decisão de Roe vs. Wade, a tal que permite que as mulheres tenham acesso ao aborto. Ficou tudo muito eriçado com tamanha afronta, especialmente do lados dos Democratas, aquele partido que, neste momento, detém a maioria no Congresso e até tem a Casa Branca.
Ou seja, se se interessassem tanto pelos direitos das mulheres já teriam legislado em favor do aborto com o Obama ou com o Biden, dado que ambas as administrações tiveram maiorias no Congresso. Se não legislaram, calem-se agora; não nos façam de idiotas.
Biden já decidiu que vai candidatar-se a outro termo e eu já decidi que não só não voto nele, como desejo que seja derrotado. Houve mais transformação social com o Trump do que está a haver com o Biden e, para cúmulo dos cúmulos, ainda tivemos de levar com a saída desastrosa do Afeganistão. Venha o próximo.
quinta-feira, 21 de abril de 2022
Pandemia quê?
Com as notícias focadas 24/7 na Guerra Rússia-Ucrânia e na inflação, a pandemia está cada vez mais marginalizada. Onde estou, ainda há pessoas que usam máscara quando em recintos fechados, mas cada vez se vê menos. Os restaurantes têm ainda menos ou quase nenhuns mascarados, mas nota-se que alguns estabelecimentos têm muito menos movimento do que tinham pré-pandemia. Ainda há muitas pessoas que preferem encomendar e ir buscar ou pedem entrega ao domicílio.
Esta semana, um tribunal federal repeliu o uso obrigatório de máscara em aviões e outros transportes públicos, mas a Administração Biden já iniciou o processo de apelo da decisão. Há também algum receio que não se consiga monitorizar o desenvolvimento da pandemia, agora que as pessoas têm acesso a testes em casa, logo os resultados dos testes não são reportados.
Ou seja, entrámos numa de preso por ter cão e preso por não ter, dado que a própria Administração facilitou o acesso a testes no domicílio. Já estamos no terceiro ano de pandemia, as pessoas já deviam saber como se comportar e como gerir o risco do vírus. É um bocado paternalista e redutor achar que somos todos uns incapazes.
sexta-feira, 8 de abril de 2022
Uma biologia horrorosa
terça-feira, 5 de abril de 2022
Catch-22 histórico
Uma amiga minha russa, que conheci há quatro anos, fala-me sempre do alto nível de educação dos russos, do apreço pela cultura, pela beleza, o estudo da literatura, da arte... É tudo elevado na Rússia e como é que um povo desta suposta sensibilidade se reduz a esta brutalidade passa-me completamente ao lado.
Há cinco anos, passei a passagem de ano no meio de pessoas da ex-USSR. As senhoras de idade soviéticas, em particular, gostam sempre muito da minha cara e naquela festa não foi diferente; claro, que também são grande defensoras do regime soviético, logo as suas preferências não abonam muito a meu favor, mas adiante. Para além de mim, estavam umas 20 pessoas de três gerações diferentes e de vários países: Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Geórgia... Toda a gente se entendia em russo, menos eu, que me limito a reconhecer palavras como privyet, spaciba, e pajalsta. Pelo menos, sou uma pessoa educada.
Foi uma noite muito pacífica apesar do copioso consumo de vodka: comeram, cantaram, jogaram jogos--eu também consegui jogar porque algumas coisas tinham a ver com reconhecer músicas e, em anos 80 e 90, sou craque. Eles todos olhavam para mim com admiração por eu me conseguir orientar nos jogos e até cantei uma canção em português e, se me lembro correctamente, foi o "O amor" dos Heróis do Mar, porque o tópico era amor.
Achei que tinha representado bem Portugal junto dos cidadãos da Europa de Leste, mas confesso que de vez em quando olhava para eles e tentava perceber se algum era um espião de Putin. Podia ser uma pequena paranóia minha, depois de crescer a ver filmes como o No Way Out, com o Kevin Costner, mas talvez não fosse exagero meu porque depois viemos a saber que os russos tinham andado a fazer "campanha" pró-Trump.
Nessa viagem, a amiga com quem eu estava tinha-me levado uma semana antes ao monumento da fome-genocídio da Ucrânia, em Washington, D.C., que marca um evento que eu desconhecia até então, mas ela educou-me: desde então os ucranianos têm uma pequena horta onde cultivam comida, como se se preparassem para um evento semelhante ao que aconteceu há quase 90 anos. E eis que chegámos à inevitabilidade histórica, mas desta vez ter uma pequena horta de pouco ou nada serve.
Também não servirá daqui a uns anos, quando a Rússia atacar outra vez. Sim, porque a maior parte dos russos, aquele povo tão educado e sensível, não tem ideia do que se passa e estarão prontos para seguir o próximo lunático quando o seu nível de vida piorar com as sanções a que estão a ser sujeitos. Claro que, se não forem castigados, o resultado é o mesmo porque haverá sempre um lunático que achará por bem tentar a sorte de novo porque não aconteceu nada ao primeiro. Se isto não é um Catch-22 histórico...
sábado, 2 de abril de 2022
A propósito da liberdade
E também dos tempos que vivemos:
“Yes, that rebirth is in all our hands. It is up to us if the West is to inspire resisters to the new Alexander the Greats who must once more secure the Gordian knot of civilization that has been torn apart by the power of the sword. To accomplish this, we must all run every risk and work to create freedom. It is not a question of knowing whether, while seeking justice, we will manage to preserve freedom. It is a question of knowing that without freedom, we will accomplish nothing, but will lose, simultaneously, future justice and the beauty of the past. Freedom alone can save humankind from isolation, and isolation in its many forms encourages servitude. But art, because of the inherent freedom that is its very essence, as I have tried to explain, unites, wherever tyranny divides. So how could it be surprising that art is the chosen enemy of every kind of oppression?”
Excerpt From
Create Dangerously
Albert Camus & Sandra Smith
https://books.apple.com/us/book/create-dangerously/id1458259955
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sexta-feira, 18 de março de 2022
Contra dicção, da má e dita dura
terça-feira, 15 de março de 2022
Impasse moral
Depois de quase três semanas de guerra, a Rússia não consegue dominar a Ucrânia, mas também não sai em retirada. Há duas teorias acerca de como proceder. Uma é que tem de haver uma forma de Putin sair disto sem ser humilhado perante os russos de forma a continuar no poder. Se ele suspeitar que pode perder tudo, então pode muito bem causar ainda mais estragos. A outra é que o ocidente devia juntar forças e dominar os russos até que fosse claro quem saía vitorioso e não seria a Rússia e muito menos Putin -- aliás, convinha que ele fosse despachado porque sabe-se lá o que poderá fazer na sua próxima incursão megalomaníaca.
Tudo isto é muito bem argumentado, mas a realidade tem sempre muito mais nuance do que a estratégia. Os EUA são uma potência militar, só que a história recente demonstra que ter dominância militar não só não é suficiente para dominar o adversário, como o apoio do público americano é caprichoso -- note-se que o apoio dos europeus também não é muito melhor. Ficamos então reduzidos à eterna contradição moral de que não há melhor forma de conseguir solidariedade do que imagens de destruição, feridos, e mortos: os ucranianos precisam de continuar a sofrer para que o ocidente apoie a sua causa.
segunda-feira, 7 de março de 2022
Podia ser pior
Até agora, a única surpresa no conflito Russa-Ucrânia foi a rapidez com que a opinião pública internacional se mobilizou para apoiar a Ucrânia, não só em termos de apoio moral, mas também através de transferências criativas de fundos. Nas redes sociais, as pessoas organizaram-se para acolher os refugiados russos, ultrapassando os limites burocráticos normais. No Airbnb, pessoas de todo o mundo fazem reservas de casas na Ucrânia como forma de transferir dinheiro rapidamente para os ucranianos. As organizações não-lucrativas também mobilizaram esforços rapidamente. Por exemplo, demorou um dia para a World Central Kitchen activar os esforços na Ucrânia para alimentar refugiados. Este é, sem dúvida, o maior valor das redes sociais e da Internet e já tinha sido evidenciado aquando da retirada desastrosa dos americanos do Afeganistão.
Talvez a maior arma que existe contra Putin seja a da informação, pois o apoio do povo russo depende do enquadramento dos factos e por isso Putin não só bane as redes sociais que não controla, como o Parlamento russo modificou a legislação para contemplar penas de prisão para quem disseminar informação que contradiz a versão oficial. Esse é o seu ponto fraco e quanto mais o conflito se arrastar, mais difícil será justificar o número de mortos russos, mais a versão que os militares russos em campo dão às suas famílias directamente como a conversa de um soldado russo com a sua mãe momentos antes de morrer ou ucranianos a recolher soldados russos e a facilitarem o seu contacto com a família. Os telemóveis são uma das armas mais poderosas que existe hoje em dia.
De acordo com um relatório de fontes europeias e americanas noticiado pelo NYT, o governo chinês pediu à Rússia que adiasse a operação na Ucrânia para depois dos Jogos Olímpicos de Inverno, mas como em 2008, a Rússia invadiu a Geórgia durante os Jogos Olímpicos de Verão, que se realizaram em Beijing, o que não agradou aos oficiais chineses, talvez nem fosse preciso um acordo explícito. A China tem mantido uma postura neutra neste conflito, mas nos últimos anos tinha havido uma aproximação entre a Rússia e a China. A economia russa é mais pequena do que a economia do Texas, logo não há grande vantagem para os chineses sacrificarem as suas relações com o ocidente para ficar ao lado da Rússia.
Até agora os EUA seguiram uma estratégia que evitasse o conflito directo com os russos, retirando antecipadamente forças armadas americanas da Ucrânia e avisando o resto do mundo dos riscos. Se Putin quisesse humilhar os EUA, a forma mais fácil teria sido não invadir e assim os americanos teriam sido caracterizados como uns exagerados -- o tal exagero que levou a que invadissem o Iraque sob George W. Bush. Ao não entrar em conflito directo com os russos, os americanos também limitam a máquina da propaganda de Putin, pois não há fotos de americanos a atacar russos.
Os erros passados dos americanos serviram de guia para o actual conflito: para além da invasão do Iraque, queria evitar-se uma situação parecida com a da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, um falhanço estratégico de JFK em 1961 que levou a que a Rússia ganhasse mais influência em Cuba e tivesse mísseis nucleares apontados directamente aos EUA em 1962. Em vez disso, há décadas que a Europa e os EUA não estavam tão alinhados em termos de política internacional.
sábado, 5 de março de 2022
Mudem de grafia
Kyiv é a capital da Ucrânia em ucraniano. Kiev é a capital da Ucrânia em russo.
Por razões óbvias, temos de eliminar a grafia do agressor.
sexta-feira, 4 de março de 2022
Em parafuso...
O mundo, neste momento, divide-se entre os que cultivam a esperança e os que se entregam à loucura. Pragmatismo e cabeça fria valem ouro, dada a sua raridade.
Fui completamente apanhada de surpresa, ontem, quando um amigo meu me disse que tinha estado a falar com a família em Portugal a despedir-se por causa do ataque à central nuclear. Talvez a memória seja curta, mas quando tivemos a explosão em Fukushima (2011), aprendemos que os efeitos, apesar de maus, não seriam tão gravosos quanto se pensava.
Mas e Chernobyl (1986), perguntam vocês, que até foi na Ucrânia? Esse sim, foi muito mau, mas aconteceu antes da queda do muro de Berlim, quando o que se passava na USSR ainda estava envolto em nevoeiro. Depois, por ter sido tão mau e por quem ter sofrido mais terem sido os ucranianos, sabemos que estes tomaram medidas de segurança para que a história não se voltasse a repetir. Os ucranianos têm memória longa, já aqui falei sobre isso em 2016. Mesmo assim, o resto do mundo -- que inclui Portugal -- tem obrigação de ajudar os ucranianos com coisas mais concretas do que posts esperançosos no Instagram e Facebook.
Há um completo vazio de liderança política em Portugal, apesar de termos tido eleições um mês antes do início da invasão e da clara predilecção dos portugueses por bazucas. António Costa está MIA, como é normal sempre que as coisas vão para o torto. Marcelo preocupa-se em oferecer telefonemas de afecto ao presidente russo, o que lhe garante cobertura de primeira página. Rui Rio, que teoricamente é o líder do maior partido da oposição costuma deferir para António Costa porque, por admissão própria, é incapaz de oferecer melhor.
Nos partidos minoritários da Esquerda portuguesa, o PCP acusa os EUA de serem a causa do problema -- quem lê o que os comunistas escrevem pensaria que foram os americanos que anexaram a Crimeia em 2014. O Bloco de Esquerda, que normalmente é a cúspide do humanismo em Portugal, absteve-se da votação ao empréstimo à Ucrânia no Parlamento Europeu. Com amigos destes, ninguém precisa de inimigos.
Portugal que tem uma posição geográfica privilegiada entre os EUA e a Europa comporta-se como se fosse completamente irrelevante no plano estratégico mundial. Povo desnaturado, que nem em situações da maior gravidade se sabe erguer e lutar por uma causa nobre.