quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Eu não acredito

Houve em 2011, um caso que se deu no Porto, que me perturbou muito. Tratava-se de uma mulher grávida que foi ao psiquiatra e foi violada. Foi a tribunal, deram-se como provados os factos e o médico foi absolvido. Podem ler os detalhes aqui. Mais tarde, a sentença foi modificada e o médico perdeu a licença. Senti um asco profundo que um tribunal português tivesse produzido esta aberração em 2011, especialmente com justificações como o que diz o texto a que fiz ligação acima:
O colectivo de juizes considera que o «empurrão» sofrido pela vítima por acção física do arguido não constitui «um acto de violência que atente gravemente contra a liberdade da vontade da ofendida» e, por isso, «impõe-se a absolvição do arguido, na medida em que a matéria de facto provada não preenche os elementos objectivos do tipo do crime de violação».

Fonte: In Verbis

Ele não a agrediu sexualmente com força suficiente, logo não era violação. Disse-se isto a uma mulher grávida! Com a recente criminalização do assédio sexual verbal, surje na sociedade portuguesa uma certa segurança, que eu acho falsa. Pede-se aos portugueses que acreditem que agora temos mais uma forma de lutar contra quem nos agride. Eu não acredito, chamem-me cínica. Estou a imaginar vítimas a ser chamadas a tribunal para testemunharem no julgamento dos casos, e os juízes a concluírem que a agressão não tinha sido verbalmente violenta demais, se calhar até quem ofendeu riu-se, numa clara indicação que estava a brincar. A intenção não devia ser má.

Há apenas uma lei nova--essa é a novidade. Nós já tinhamos protecções na lei, mas esta apenas introduz a especificidade do tipo de ofensa. Os juízes e polícias, que a irão aplicar, não me parece terem adquirido nenhuma sensibilidade maior ao problema da vítima do que tinham há um mês atrás antes da lei existir, tal como os juízes que absolveram o psiquiatra inicialmente não demonstraram nenhuma. Nesse caso, houve apenas um juiz que discordou.

Quando eu tinha 15 anos, em 1987, estava à espera de uma amiga minha do outro lado da rua da Pastelaria Briosa, em Coimbra. A minha mãe dizia-me que era feio as meninas irem para os cafés sozinhas e eu fiquei na rua. A minha amiga não apareceu e quando desisti de esperar e me fui embora, um homem seguiu-me. Começou a abraçar-me, a falar-me ao ouvido, queria levar-me para algures. Disse-lhe que estava enganado, eu não fazia isso, mas ele não desistiu e por uns 15 minutos andou em meu redor a assediar-me. Finalmente, virei-me para ele e dei-lhe uma bofetada. Ele deu-me outra. Apareceu um polícia e perguntou o que se passava, eu expliquei. O homem disse que eu o tinha esbofeteado do nada.

E ali, na Rua Adelino Veiga, fiquei a chorar à frente de um polícia, do meu agressor, e transeuntes, até que o polícia nos mandou dispersar. Fui para casa a chorar. Agora dizem-me que o homem não fez nada de mal, que a lei lhe permitia fazer-me o que me fez, que era legal na altura. Eu não acredito que fosse legal. Acredito que não houvesse vontade de aplicar a lei da altura e o polícia não se quisesse chatear.

Nada me diz, hoje em dia, que haja vontade de aplicar esta lei, assim como não houve vontade de aplicar a lei no caso da mulher grávida violada, na primeira vez que o caso se deu em tribunal. Nada mudou, apenas se pede às vítimas que acreditem que sim. E eu não acredito, até porque a lei é má. A lei devia ter contemplado claramente que quem assistisse ao crime e não fizesse nada fosse acusado de cumplicidade no mesmo. Uma lei desse tipo surtiria muito mais efeito em modificar o comportamento da sociedade.

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