segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Requalificação

Numa entrevista conjunta à rádio e à TV pública, o Ministro Vieira da Silva, que tutela o Trabalho e a Segurança Social, proferiu o seguinte:
"Faremos todos os possíveis para reintegrar as pessoas, porque achamos que o custo que trouxe para as pessoas, para as famílias e para os serviços, este tipo de operação, não foi compensado pelos eventuais ganhos que o Estado teve nesse processo".

Fonte: Dinheiro Digital

Este senhor tem uma licenciatura em Economia pelo ISEG, é Professor Convidado do ISCTE, foi "Ministro do Trabalho e Solidariedade Social no primeiro governo de José Sócrates (2005-2009) e Ministro da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento no segundo governo de José Sócrates (2009-2011). Anteriormente, havia sido Secretário de Estado da Segurança Social (1999-2001) e das Obras Públicas (2001-2002) do segundo governo de António Guterres (1999-2002), em ambos os casos sendo Ministro Eduardo Ferro Rodrigues" (Wikipédia).

Não percebo como é que um economista com este CV pode dizer uma coisa que não tem qualquer sentido lógico. Também não é muito bom gramaticalmente, mas isso, em Portugal, só é um problema quando é proferido por políticos de Direita.

A um funcionário público exige-se que justifique o seu salário, ou seja, o valor que o Estado recebe do trabalho do funcionário deve ser igual ao salário que o funcionário público recebe. A diferença entre função pública e função privada é que um empregado no sector privado não pode capturar todo o valor que cria, pois o capital também tem de ser compensado, i.e., a pessoa que cria ou investe no negócio tem de receber uma compensação na forma de lucro. No sector público não há necessidade de remunerar o lucro por não haver o motivo lucro.

Perante isto, é irrelevante se o funcionário fica melhor ou pior com o emprego na função pública porque, obviamente, ter um emprego na função pública, no curto prazo, é sempre preferível a estar desempregado, o que parece ser o caso destas 600 pessoas. Por isso, o Estado quando contrata não pode ter em conta o que é bom para o empregado desse ponto de vista porque, se usa esse critério, então tem de dar emprego a todos os desempregados de Portugal e nunca pode contratar alguém que já tenha um emprego antes de contratar um desempregado--os desempregados têm sempre preferência, pois nesses o valor do emprego é sempre superior ao valor marginal que seria obtido por uma pessoa que já tivesse emprego. E cria-se a situação absurda de o estado, ao não criar empregos para todos os desempregados, estar a discriminar cidadãos, o que é contra os princípios da Constituição.

Expliquem-me como é que Vieira da Silva é qualificado para o cargo que tem e os cargos que teve.

11 comentários:

  1. Cara Rita,
    O artigo 58 da Constituição da república Portuguesa estabelece:
    1. Todos têm direito ao trabalho.
    3. Incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho assegurando: a) A execução de políticas de pleno emprego;...

    Pelo que efetivamente para cumprir a constituição o estado deveria assegurar empregos para todos os desempregados.


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    1. Ah, mas isso não invalida o meu argumento. Nenhum governo até agora passou uma política em que só contratam desempregados, logo efectivamente descriminam.

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    2. Rita, eu não estava a tentar invalidar o seu argumento. Eu concordo consigo, acho que efetivamente este tratamento desigual entre funcionarios publicos em "requalificação" e os restantes desempregados é iníquo e anti constitucional.

      O que efetivamente acho incrível é não ouvir nenhum político português/candidato português, que pegue no maior problema nacional, o desemprego, e que chame à atenção para o facto de o desemprego ser anti constitucional, pelo que é urgente criar um programa de trabalho mínimo garantido em Portugal.

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  2. "Por isso, o Estado quando contrata não pode ter em conta o que é bom para o empregado desse ponto de vista porque, se usa esse critério, então tem de dar emprego a todos os desempregados de Portugal"

    Não, porque o que ele disse foi "Faremos todos os possíveis para reintegrar as pessoas, porque achamos que o custo que trouxe para as pessoas, para as famílias e para os serviços, este tipo de operação, não foi compensado pelos eventuais ganhos que o Estado teve nesse processo" não "Faremos todos os possíveis para reintegrar as pessoas, porque achamos que essa situação trouxe custos para as pessoas"; ou seja, ele não disse que não se deve mandar "para a requalificação" pessoas se isso lhes trazer custo, mas sim se os custos para as pessoas forem menores que os benefícios para o Estado.

    Fazendo a analogia com os desempregados, a conclusão não seria que teria que contratar todos os desempregados de Portugal, mas sim que tenha que contratar desempregados até ao ponto em que o custo para o Estado de contratar um desempregado seja maior que o benefício para o desempregado de ser contratado.

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    1. Miguel, quando ele diz os "custos para as pessoas, famílias, e serviço" o que é que isso quer dizer? Que ele vai adicionar esses custos todos, que vai usar o máximo desses custos? Alguns dos custos cancelam-se uns aos outros. O que ele diz não faz sentido nenhum. Tenta meter o que ele diz em termos matemáticos e vê se consegues.

      Ele não pode levar em conta os interesses do empregado e os interesses do estado ao mesmo tempo porque numa situação de despedimento, os interesses são opostos. É sempre preferível para o empregado manter o emprego, se a alternativa é o desemprego, logo isso não pode ser um critério de decisão válido. Um critério de decisão tem de te permitir despedir ou manter o empregado. O critério de decisão que ele advoga dá sempre o mesmo resultado, é uma regra--não se despede ninguém. Ou seja, ele não tem sequer noção das implicações lógicas do que diz.

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    2. «quando ele diz os "custos para as pessoas, famílias, e serviço" o que é que isso quer dizer?»

      Custos para as pessoas será a redução do salário dos trabalhadores em requalificação, eventualmente compensado em parte por não terem que ir trabalhar (o tal "salário e benefícios que recebe no Estado - custo implícito na desutilidade do trabalho"); custos para as famílias é pura retórica (derivado do hábito de em politiquês dizer-se "famílias" quando simplesmente se quer dizer "pessoas"), pelo que não vou ligar muito a isso; custos para os serviços, neste contexto, parece-me ser o custo (em termos de menor produção e/ou trabalho mais díficil) de ter menos uma pessoa a trabalhar (eu naquelas fórmulas juntei "os serviços" e "o estado" numa única coisa, dando a tal fórmula "salário e benefícios que paga com ele - valor do trabalho que ele vai produzir"; neste caso, parece-me que o ministro está a chamar "custos para o serviço" ao que eu chamei "valor do trabalho que ele vai produzir")

      "Ele não pode levar em conta os interesses do empregado e os interesses do estado ao mesmo tempo porque numa situação de despedimento, os interesses são opostos."

      O que complica aqui a questão é que o Estado está a desempenhar dois papéis distintos; se estivéssemos a falar de despedimentos do sector privado, era claro os interesses de cada um - o empregador pretendia maximizar o seu lucro; o empregado maximizar o diferença entre o seu salário e a desutilidade do trabalho (no fundo, também o seu "lucro"); e o estado pretenderia maximizar o "bem-estar geral" (calculado agregando de alguma maneira o bem estar do empregador e do empregado) - o problema aqui é que o estado está a desempenhar duas funções ao mesmo tempo (empregador e defensor do suposto "interesse geral")

      "O critério de decisão que ele advoga dá sempre o mesmo resultado, é uma regra--não se despede ninguém."

      Não - imagine-se a seguinte situação: um empregado a ganhar 700 euros e que poderia arranjar um emprego alternativo a ganhar 600 no sector privado; no estado esse empregado produz serviços que, se fossem ser valorizados monetariamente, valeria 50 euros; beneficio para o estado de despedir esse trabalhador - 650 euros; custo para o trabalhador de ser despedido - 100 euros; ou seja, pelo raciocinio de Viera da Silva, faria sentido despedi-lo.

      Agora admito duas coisas: a) é capaz é de ser impossível avaliar essas situações (como é que se sabe qual é o custo real para o trabalhador de ser despedido? o estado não sabe nem a desutilidade do trabalho para o trabalhador, nem a probabilidade de ele arranjar outro emprego), logo dizer que o custo para o trabalhador foi maior que o beneficio para o estado é um puro palpite; b) em principio, se o custo para o trabalhador é menor que o beneficio para o estado, seria possivel eles negociarem uma rescisão por mútuo acordo (haveria de existir uma dada indemnização em que tanto o empregado como o Estado ficariam a ganhar) , sem ser preciso despedimentos involuntários (embora as peculiaridades das negociações bilaterais, com a possibilidade de bluffs mútuos, provavelmente fariam que isso não fosse bem assim, justificando-se talvez por aí o recurso a despedimentos)

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  3. Onde se lê "mas sim se os custos para as pessoas forem menores que os benefícios para o Estado" deve ler-se "mas sim se os custos para as pessoas forem maiores que os benefícios para o Estado"

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  4. "Fazendo a analogia com os desempregados, a conclusão não seria que teria que contratar todos os desempregados de Portugal, mas sim que tenha que contratar desempregados até ao ponto em que o custo para o Estado de contratar um desempregado seja maior que o benefício para o desempregado de ser contratado."

    Tentando formalizar isto de forma mais rigorosa:

    Custo para o Estado de contratar um desempregado = salário e benefícios que paga com ele - valor do trabalho que ele vai produzir

    Benefícios para o desempregado de ser contratado pelo estado = (1 - probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado)*(salário e benefícios que recebe no Estado - custo implícito na desutilidade do trabalho) + (probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado)*(salário e benefícios que recebe no Estado - salário e benefícios que receberia no sector privado)

    Se o Estado contratar pessoas sempre que o beneficio para elas de ser contratadas for maior que o custo para o Estado de as contratar, então deveria-se contratar pessoas se:

    salário e benefícios que paga com ele - valor do trabalho que ele vai produzir < (1 - probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado)*(salário e benefícios que recebe no Estado - custo implícito na desutilidade do trabalho) + (probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado)*(salário e benefícios que recebe no Estado - salário e benefícios que receberia no sector privado) ↔ valor do trabalho que ele vai produzir > (1-probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado)*custo implícito na desutilidade do trabalho + probabilidade de conseguir ser contratado pelo sector privado*salário e benefícios que receberia no sector privado

    Atenção que só estou a apresentar o que me parece ser a conclusão lógica da posição de Viera da Silva; não quer dizer que seja a minha opinião

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  5. Não baralhemos as coisas, aa Rita diz bem: constitucionalmente, o nosso Estado tem obrigação de dar emprego a toda a gente que queira trabalhar. Se não tiverem imaginação para mais, ponham uns a abrir buracos no chão e outros a tapá-los. Mais simples não há.

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  6. Não baralhemos as coisas, aa Rita diz bem: constitucionalmente, o nosso Estado tem obrigação de dar emprego a toda a gente que queira trabalhar. Se não tiverem imaginação para mais, ponham uns a abrir buracos no chão e outros a tapá-los. Mais simples não há.

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