quarta-feira, 12 de abril de 2017

Novidades na educação?

Não me tenho sentido muito bem por causa das longas ausências na DD. Afinal, fui eu que sugeri, ao iniciar a minha colaboração, que se adicionasse o tema Educação aos que já figuravam no cabeçalho – o mais interessante dos quais era (e é) “Laser Alexandrite”. Ora a verdade é que tenho falhado completamente no que pensei poder ser a minha contribuição no campo de actividade que foi, e é, o meu.

Deixando de lado possíveis razões para a parca assiduidade, relevarei hoje um tema que tem sido aflorado nos últimos tempos e que se insere na política de reversão de medidas tomadas em governos anteriores e que foi anunciada como “flexibilização curricular”.


Disse-o na altura, era indispensável que muitas das medidas tomadas pelo ministério de Nuno Crato fossem alteradas. A que foi há tempo anunciada, e que já tinha sido objecto de algumas declarações do Secretário de Estado João Costa, deixa-me simultaneamente satisfeito e preocupado. Satisfeito, porque, no fundo, ela retoma a decisão que, no virar do século (em 2001), definiu uma alteração importante na vida das escolas, que foi conhecida por “gestão flexível dos currículos”, para a qual contribuí com a convicção de que se tratava de uma das mais importantes decisões para a melhoria das escolas no nosso país. Preocupado, porque a experiência desses tempos reforçou a ideia de que grandes mudanças em educação não podem ser impostas e necessitam de tempo e de um apoio efectivo para a maior parte das escolas. 

É verdade que o Ministro Brandão Rodrigues, de acordo com uma notícia do Público de 9 de Abril, garantiu que “as escolas estão no caminho”, com a ajuda da tutela, para terem “todas as condições” que permitam a realização do projecto de flexibilização curricular. Permito-me no entanto ter as maiores dúvidas sobre este ponto. Embora desconheça que tipo de apoios tem o Ministério preparado para dar resposta aos problemas que necessariamente vão surgir, parece-me que os professores ainda não estarão “prontos”, para não falar das escolas, para a “novidade” (há quinze anos que a ideia da flexibilização foi deixada cair).

Permitam-me uma breve notícia histórica.

Nos finais dos anos 80 do século passado, na sequência da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 44/86, de 14 de Outubro) e dos trabalhos da Comissão da Reforma do Sistema Educativo, no tempo do ministro João de Deus Pinheiro, foi posta em execução uma reforma curricular que, mau grado as excelentes ideias concebidas no seio de um dos grupos de trabalho da referida comissão, não produziu um documento claro, e mau grado alguns resultados interessantes (na chamada Área Escola) revelou-se decepcionante.

No entanto, a ideia de currículo (termo pouco usado até então, mas que já era objecto de ensino nas escolas de formação de professores) passou a ser mais conhecida. Algumas iniciativas de investigação desenvolvidas tiveram mesmo  alguma projecção, como o “PROCUR – Projecto Curricular e Construção Social” na Universidade do Minho, que propunha a construção do currículo na escola. Em 1995, eu próprio publiquei um artigo na Revista Colóquio – Educação e Sociedade, intitulado “Caminhos para a descentralização curricular”, no qual advogava a autonomia dos professores como gestores do currículo, libertando-se do excessivo centralismo do sistema educativo nacional.

Esta ideia da flexibilização curricular desenvolveu-se no tempo do Ministro Marçal Grilo e da Secretária de Estado Ana Benavente, a partir de uma iniciativa muito interessante que envolveu escolas e professores de todos os ramos de ensino e que ficou conhecida por “Reflexão participada sobre os currículos do ensino básico” (depois alargada ao secundário). Praticamente, todos os professores e escolas, incluindo as do ensino superior, foram convidados a pronunciar-se sobre uma proposta de reorganização curricular que pretendia, mais do que “reformar”, reenquadrar o currículo numa perspectiva pedagogicamente mais consequente com o que se deve entender por educação.  

Os resultados desse inquérito foram objecto de publicação em Relatório circunstanciado. O então Departamento da Educação Básica publicou vários pequenos livros sobre o tema (por exemplo, Gestão Curricular. Fundamentos e Práticas, da autoria de Maria do Céu Roldão), mas outros surgiram, patrocinados por editoras, que promoveram acções de formação em todo o país.






Logo após a divulgação do Relatório o Ministério da Educação decidiu a abertura de um relativamente largo período de “experimentação” (as aspas indicam que não teve nunca as características de uma verdadeira experimentação, mas serviu para se poderem tirar conclusões credíveis) que ocorreu entre 1998 e 2001. Foi criado um “Conselho de Acompanhamento do Desenvolvimento dos Projectos de Gestão Curricular Flexível”, representativo de diversas instâncias educativas, que desde 1997-98 a 2000-2001, esteve atento às várias escolas que se dispuseram a flexibilizar o currículo, apresentando-se a concurso. Em 1997-1998 o projecto foi implementado em apenas 10 escolas; em 1998-1999 o número de participantes foi 39; e as escolas interessadas foram aumentando, 93 em 1999-2000 e 187 em 2000-2001.

Na altura, as opiniões de professores e técnicos da educação dividiam-se: havia quem tivesse aderido convictamente ao projecto e quem duvidasse da sua exequibilidade. Incluía-me no grupo dos primeiros. Estava – e estou – completamente de acordo com colocar nas mãos dos professores (podia escrever das escolas, mas prefiro ir direito aos executantes principais) a gestão pedagógica das aprendizagens dos seus alunos.

Entretanto, o Ministério da Educação, baseado nos indicadores obtidos, publica em Janeiro de 2001 a legislação que contempla a reorganização curricular dos ensinos básico e secundário. No caso do ensino básico, o currículo é entendido como o meio de os alunos adquirirem as competências que lhes permitam aprender ao longo da vida, através das diferentes linguagens – as línguas, a matemática, a gestual, a estética – mas também que aprenda a ser cidadão e a obter a informação necessária para aprender. Por isso surgem novidades como a criação de áreas curriculares não-disciplinares, Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica, bem como a sugestão de formações transdisciplinares, com especial relevo para a Educação para a Cidadania e para as Tecnologias da Informação e Comunicação. Foram também introduzidas actividades de complemento curricular (como o Inglês no caso do 1º ciclo).

O Departamento de Educação Básica publica, entretanto, dois livros, em 2001 e 2002, ambos com o título Gestão Flexível do Currículo, o primeiro com o subtítulo Escolas Partilham Experiências, e o segundo com o subtítulo Reflexões de Formadores e Investigadores. Os textos, de um modo geral, avalizavam a decisão tomada.



Estávamos, no entanto, num período conturbado: em Dezembro de 2001 a demissão do governo vai levar a uma mudança política e quando, em Abril de 2002, o novo governo toma posse, o Ministro designado, David Justino, ainda que não tenha revogado legislação, mostrou claramente que não era a favor do que se estava a construir. E sem apoio do Ministério pode dizer-se que aí acabou o projecto da gestão flexível do currículo. O óbito só foi lavrado em 2012, com a publicação do Decreto-Lei nº 139/2012, de 5 de Julho.

O retomar de princípios que restituem às escolas e aos professores a gestão curricular, o que não sendo tarefa fácil é uma tarefa nobre, própria de profissionais, mesmo que tenha ressuscitado a ira dos que pensam a educação como o puro acto de transmissão de conhecimentos, dá-nos esperança que desta vez não se perca a oportunidade de assumir a educação como um processo global, o que cada vez mais se torna imprescindível num mundo que está a mudar muito mais depressa do que o que pensávamos há vinte anos.

Reparei que, ao começar a escrever este texto, coloquei no título um ponto de interrogação. Novidades? Bom, em parte.




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