domingo, 4 de abril de 2021

Version 3.334

Hoje fez 39 anos que a minha avó materna faleceu. Parece que foi há tão pouco tempo e, no entanto, 39 anos é uma vida. Lembro-me bem desse tempo, apesar de só ter 9 anos. A minha avó foi viver para casa do meu tio 8 meses antes de morrer. Quando saiu da nossa casa, ainda andava bem, mas notava-se que a memória estava a falhar. Uma vez, eu e ela fomos numa excursão para a qual ela preparou merenda. Quando chegou a altura de montar a salada de alface, em vez de sal, a minha avó tinha levado açúcar. Foi cómico, mas era também sinal que o fim se aproximava. Nos últimos meses a minha avó deixou de poder andar e ficou de cama. Fui a casa do meu tio vê-la algumas vezes e queria levá-la para nossa casa outra vez, mas tive medo de pedir ao meu pai para a trazer connosco. 

Quando se tem 9 anos, os adultos não nos explicam muitas coisas, mas eu ouvia os meus pais falarem da minha avó não estar bem. À noite antes de dormir, rezava para que a minha avó melhorasse e regressasse. Só que como não sabia o Pai nosso, nem a Avé Maria completa, só podia rezar a parte da Avé Maria que conhecia: Santa Maria mãe de Deus... E contava pelos dedos quantas vezes rezava, dez e vinte vezes, sempre até adormecer. Havia dias em que a minha avó melhorava e eu pensava que era da minha devoção e rezava com mais fervor na noite seguinte. Mas não funcionou. Nunca funciona, morremos todos, mais cedo ou mais tarde. Não há rezas que nos valham.

Depois da minha avó morrer, os meus pais mandaram-me e à minha irmã para casa de uma prima da minha mãe. Era uma família grande e não dava para ficar triste ou pensar muito na perda da minha avó porque havia sempre pessoas em nosso redor. Mas a noite é dos solitários e podemos sentir tudo o que empacotámos dentro de nós ao longo do dia. À noite eu chorava a perda da minha avó, muito silenciosamente para ninguém ouvir. Deve ter sido nessa altura que aprendi a chorar sem fazer barulho. É assim que ainda choro.


2 comentários:

  1. Também sofri com a morte da minha avó, pois não fui ao funeral (por motivo profissional), mas em contrapartida recordá-la é uma bênção.
    (A outra avó não o soube ser e só me recordo dela quando me defronto com pessoas ruins)

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    1. Caro José, lamento a sua perda, mas ainda bem que guarda boas memórias dessa sua avó e teve oportunidade de a desfrutar até à idade adulta. Perdõe à outra avó, pois a perda foi claramente dela e não sua. Beijinhos

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