segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Dejá Vu

Passadas quase duas semanas desde as eleições, já estamos na fase de apatia. A primeira vez que Trump foi eleito, o choque foi bastante maior; agora apenas se sentiu a confirmação de algo de que já se suspeitava. Um dos meus vizinhos que votou em Trump dizia-me hoje que estas eleições eram prova que a América tinha uma boa democracia porque Biden teve o voto popular há quatro anos e agora foi a vez do Trump. Ou seja, vai à vez e cada lado tem pouco tempo para fazer grandes estragos.

As pessoas têm a memória curta, mas vale a pena um sumário do primeiro mandato de Trump que começou em Janeiro de 2017:

  • o Furacão Maria, em Setembro de 2017, com quase 3 mil mortos em Porto Rico, e cuja reposta foi evocativa dos falhanços do furacão Katrina em Nova Orleães durante a administração de Bush II;
  • a guerra comercial com a China iniciada em Julho de 2018, que foi uma mudança radical da política das relações China-EUA que tinha sido cultivada desde a administração de Nixon. Mas Biden continuou a política de Trump;
  • em finais de 2019 a pandemia inicia-se na China e, meados de Março de 2020, globaliza-se e acaba por dominar o resto do mandato;
  • e chegámos a Janeiro de 2021 e tivemos o ataque ao Capitólio duas semanas antes de Trump sair.

Já com Bush II também tinhamos tido uma sucessão de eventos de grande impacto, mas mais espaçados:

  • Janeiro de 2001 entra Bush e em Setembro temos o ataque de 9/11;
  • Bush invade Iraque em Março de 2003;
  • Furacão Katrina aterra em Nova Orleães em Agosto de 2005, causa mais de 1800 mortos;
  • Setembro de 2008 colapso de Lehman Brothers e crise financeira.

Neste novo mandato, claro que vamos ter mais eventos desta envergadura e, se calhar, não nos safamos só com três ou quatro. Talvez finalmente estoure a bolha das criptomoedas e quem sabe causa uma depressão económica mundial, que tal inflação acima de 10%, uma crise da dívida soberana americana, colapso do dólar, colapso da Segurança Social americana, uma nova guerra mundial, quiçá outra pandemia, perseguições e assassinatos políticos, etc. Mas também pode ser tudo isto e mais alguma coisa que me escapa.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Cobertura das eleições na PBS

Finalmente animação!

Chegámos a 5 de Novembro, finalmente. Como a hora mudou no Domingo, decidi colocar o despertador para as 5:45 da manhã, que corresponde às 6:45 antigas. Demorou algum tempo até decidir se ia trabalhar do escritório ou de casa, mas decidi ir ao escritório. O trânsito não estava mal na direcção oeste na autoestrada, mas do outro lado tinha havido um acidente. Na minha imaginação havia a possibilidade do pessoal andar aos tiros, mas tal não sucedeu. Não é exagero da minha parte porque há bastantes relatos de situações dessas. Depois de tarde escureceu e tivemos umas chuvas fenomenais, logo pouca oportunidade para histrionices na via pública.

No trabalho chegámos a falar sobre as eleições, mas foi mais a jeito de piada do que lamento. Eu dizia que esperava que o pessoal tivesse poupanças, pois, se Trump ganha, a agricultura americana e a Segurança Social vão ao ar, mas pode-se sempre fazer dinheiro com as taxas de juro que a inflação das políticas dele irá produzir. Dá um certo calorzinho na barriga saber que quem o elege será mais prejudicado do que quem não votou nele.

E por falar em taxas de juro, em Setembro fui a Oklahoma e tive oportunidade de ir jantar com umas senhoras, algumas já reformadas, mas uma que trabalha num banco local. Dizia ela que as taxas de juro das contas a prazo e dos certificados de depósito estavam ridículas e não cobriam a inflação. Eu disse que não tinha razão de queixa, pois a minha conta de poupança tinha 4.3% de juro e o meu certificado de depósito a 12 meses tinha 5.25% (eu tenho conta no Capital One, mas até há outros bancos que tinham melhores rentabilidades). Ela disse-me que o meu banco não contava porque não era um banco regional e por isso funcionava de outra forma. Preferências--cada um usa o banco que quer. Oklahoma é completamente republicana: não há um único condado púrpura, é tudo encarnado, depois a culpa é dos azuis.

No meu Facebook, quase nenhum dos meus amigos americanos menciona as eleições e eu tenho amigos em ambos os lados. Mas há uma excepção: uma das minhas colegas do emprego que eu tinha há 12 anos, que já está reformada, é muito Republicana e ela acha que se Trump perder vai ser o fim do mundo, então de vez em quando mete uns posts a lamentar a chegada do fim do mundo. Claro que neste momento, Biden é presidente, logo se fosse para haver o fim do mundo por causa de um presidente democrata já não estaríamos aqui. E o mesmo é válido para Trump v. 2.0: sobrevivemos quatro anos, logo podemos sobreviver mais quatro e depois ele vai à vida. Claro que também há a possibilidade de o Vance o despachar para outras paragens ou até ele sucumbir à sua propria mortalidade.

De qualquer das formas, os EUA prometem que os próximos quatro anos irão ser animados.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Uma semana

Votei no Sábado. Normalmente, vou ao centro cívico de uma igreja baptista perto de casa, mas a minha vizinha postou no Instagram uma selfie depois de ter votado na companhia de teatro local, que eu não sabia ter mesas de voto, e decidi que a partir de agora voto lá. Não apanhei fila, mas havia um fluxo constante de pessoas em que uma saía e outra entrava. No momento em que me preparava para entregar o boletim de voto, a sala explodiu em aplausos porque uma jovem negra ia votar pela primeira vez.

Em conversas com os meus vizinhos, muitos já votaram e alguns apanharam fila, coisa que raramente acontece durante o voto antecipado. Não se sabe se isto quer dizer que haverá mais pessoas a votar ou se apenas reduzirá os votos de Terça-feira, 5 de Novembro. Hoje recebi um cartão postal da comissão eleitoral do condado aconselhando-me a estar regularizada para a eleição. Suspeito que tenha havido manipulação no envio ou na entrega porque o cartão postal devia ter chegado há mais de três semanas, dado que é necessário estarmos inscritos para votar pelo menos 30 dias antes da eleição. A mim não me afecta, pois o meu recenceamento está regularizado, mas decerto que haverá quem se tenha esquecido de tratar da papelada.

As sondagens estão bastante próximas para se saber quem é o favorito, mas com o Trump nunca se sabe se as sondagens são de confiança. Julgo que o mais surpreendente é ver tantas pessoas que ainda o apoiam, especialmente as pessoas mais religiosas. Entretanto, os mercados agrícolas têm estado em queda na expectativa que ele ganhe e recomece a disputa comercial com a China. Quem fica a ganhar é o Brasil, especialmente se Trump for eleito, e a agricultura americana ficará um passo mais perto do fim. Tem piada que Trump receba mais votos das zonas rurais, que acaba por ser quem mais sai prejudicado com a sua política.

Elon Musk anda a aproximar-se de Trump e é natural que fique com um cargo político em caso de vitória dos republicanos. Trump, Vance, e Musk juntos no governo seria demasiado forte e criaria um nível de incerteza tal que o país entraria em parafuso. Mas seria o cenário mais interessante, apesar de ser também o mais caro não só para os EUA, como para o resto do mundo.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Um mês e cinco dias

Amanhã vamos ter o debate entre o Tim Walz e o J.D. Vance e daqui 36 dias talvez já tenhamos uma ideia de como foi a eleição. Normalmente (e ouço na minha cabeça o Peter Mayle a dizer "normalment" no audiolivro "A Year in Provence"), estaríamos agora a debater propostas de políticas e a avaliar o mérito de cada candidato, mas este ano não há propostas, apenas "conceitos de um plano". A minha dúvida para o debate de amanhã é ver se Vance também vai dizer disparates à Trump ou se irá ser coerente.

Há dias, vi um vídeo no Instragram sobre Cincinnatti, no Ohio, cujo nome homenageia George Washington e Cincinattus, ambos considerados virtuosos por não se terem deixado corromper pelo poder. Vance ainda não tem poder, mas parece estar embriagado com a perspectiva de estar perto dele, já que apenas Trump o terá. Ou talvez o plano seja despachar Trump caso chegue a número dois. E essa perspectiva nem é de todo má, porque dificilmente ele seria pior do que Trump.

Mas não sou tão boa pessoa quanto pareço: há uma parte de mim que não se importaria de ver Trump ganhar e governar. Iria ser péssimo, mas talvez quem votasse nele aprendesse qualquer coisa. Claro que estou a ser muito optimista -- não aprenderam à primeira, dificilmente aprenderiam à segunda.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Pelo campo

Fui a Oklahoma na semana passada, mais propriamente a Stillwater, que é uma cidadezinha universitária que tem pouco mais de 49 mil almas e a área metropolitana tem 78 mil. Como foi o primeiro sítio onde vivi nos EUA, é como um regresso a casa para mim.

A viagem de carro demora umas seis horas e meia pela autoestrada com portagens; se for sem portagens, demora mais 40 minutos. Para lá chegar atravessa-se o Arkansas inteiro, o que tem algum charme na parte oeste, mas a parte leste entre Memphis e Little Rock costuma ter imensos camiões e é uma enorme seca. O Arkansas não tem portagens, todos os turnpikes (autoestradas com portagens) estão em Oklahoma. Não sei porquê, mas o Texas e Oklahoma adoram portagens.

Como estamos em época de eleições, umas das coisas que gosto de ver é se há anúncios políticos. Desta vez vi um no Arkansas e vários em Oklahoma a apoiar o Trump (na zona da I-40, perto de Sallisaw e Muldrow, que ficam na zona sul da Nação dos Índios Cherokee, em Oklahoma). Um dos campos por que passei tinha várias bandeiras americanas e o "Make America Great Again". Eu acho divertido que os agricultores apoiem o Trump porque ele foi péssimo para a agricultura.

Não vi nenhum anúncio pró-Harris, mas os estados por onde passei não são púrpura, logo não deve fazer sentido andar a gastar dinheiro por estas bandas.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Tiro ao Trump

No dia a seguir ao debate, fui finalmente ver o vídeo do Alan Lichtman com as chaves para a Casa Branca. Estava quase a animar com a previsão dele, quando caí à terra e pensei que talvez fosse demasiado cedo para deitar foguetes. Mas tenho duas garrafas de champagne no meu frigorífico que são pau para toda a obra, quer ela seja chorar ou celebrar--a opcionalidade é sempre bem-vinda.

O resto da semana decorreu mais ou menos e houve imensas piadas pós-debate. Talvez as mais engraçadas tenham resultado da insistência de TRump de que há imigrantes ilegais a comer animais de estimação em Springfield, Ohio. Já vi duas memes com o ALF, aquele extra-terrestre da sitcom dos anos 80. Numa o ALF está ao telefone a pedir a alguém para o levar para Springfield. Na outra, vê-se uma mugshot do ALF com uma legenda a dizer que foi apanhado pelo FBI. O ALF era uma das minhas sitcoms preferidas, e teve bastante sucesso em Portugal, apesar de não ser muito popular nos EUA.

Hoje, Trump foi alvo de outra tentativa de assassinato: o FBI encontrou um individuo que disparou tiros no campo de golfe onde jogava o ex-presidente. Se ao primeiro atentado muita gente ficou chocada, desta vez já está normalizada a completa maluqueira. Ninguém achava que a campanha ia ser pacata ou normal.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A terminar o debate

Nada de novo debaixo do sol. Trump inventou como de costume e disse coisas sem sentido ou falsas. Ele insistiu que Biden e Harris apoiam o aborto após o nascimento, o que não tem ponta por onde se lhe pegue--um bebé que nasce não pode ser abortado por definição, mas definições nunca foram um entrave para Trump. O principal é que o público para quem ele fala ou não entende quando ele não faz sentido ou não fica incomodado.

Kamala podia ter estado melhor. Ela tem um discurso mais sofisticado, o que nem sempre é bom. O ideal é comunicar de forma bastante simples, ao nível do oitavo ano de escolaridade, mas o vocabulário dela é muito mais alto, o que pode afastar alguns eleitores. Na presença física, ela olhou muito para ele e gesticulou bastante, o que pode parecer um sintoma de ansiedade. Ele manteve-se sempre a olhar para a camera, e movimentou-se com bastante calma e exactidão.

No entanto, duvido que haja muitos indecisos nesta altura do campeonato, até porque Trump já governou, logo ninguém está a alimentar ilusões de que ele vai agir de forma "presidencial". Trump continua com a vantagem da geografia pelo facto de muitos dos seus eleitores estarem em zonas rurais, mas há muitas pessoas que votaram nele à primeira vez e que mudaram de ideias; duvido que votem em Kamala, o mais provavel é acabarem abstendo-se.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Ready to Rumble

No final do último século, um dos jogos de vídeo mais populares era o Ready to Rumble, que se tornou ainda mais popular quando saiu a o GameCube da Nintendo. Agora também é o nome de um filme, diz o Google, mas não é isso que despoleta a minha imaginação. Amanhã é dia de debate entre Harris e Trump e é bom que estejamos "Ready to Rumble". Tenho visto pouquíssimo entusiasmo com esta eleição, apesar de, no dia 5 de Novembro, os EUA não decidirão apenas quem será o Presidente--o que está em causa é o futuro da história mundial e até da raça humana, ou não fosse um dos tópicos caros ao establishment Trumpeta a eliminação da fertilização in vitro.

Ainda estou à espera que alguém tenha o bom senso de propor acabar com o Viagra porque, se Deus quisesse que os homens tivessem ereções, não teria permitido que eles as perdessem. E homens casados com mulheres já na menopausa também não precisam de ereções porque já não têm mulher com quem procriar, logo não faz sentido que tenham acesso a tal tratamento, até porque o divórcio é anti-Deus porque separa o que Deus uniu. Era tão bom ter uma lei que controlasse o corpo dos homens, seria uma prova suprema de que estamos a caminhar para a verdadeira igualdade.

Quando o Brett Kavanaugh estava a ser entrevistado para o SCOTUS pelo Senado, a Kamala Harris perguntou ao Brett se ele conhecia alguma lei que regulasse exclusivamente o corpo do homem; ele não se lembrava de nenhuma. Amanhã o debate deverá ser bastante interessante.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A qualidade de vida

No outro dia, alguém postava no Facebook um argumento semelhante ao que o Nicholas Kristof fez há umas semanas no NYT: o PIB per capita europeu está a crescer tão devagar que as comparações com os EUA não são favoráveis.
"France offers almond croissants, luxury brands and an enviable way of life. But if it were a state, it would be one of the poorest per capita, on par with Arkansas.

[...] But by one European calculation, if economies continue to grow at the current pace, by 2035 the average American and the average European will be as far apart economically as the average European and Indian are today (in fairness, assessing the gaps also depends on what exchange rate is used).

Fonte: Nicholas Kristof, "Is Europe a Model for America? Or a Warning?" NYT, 28 de Agosto de 2024

E num dos comentários ao post dizia um português que a qualidade de vida nos EUA não era tão boa como na Europa. Mesmo muitos dos próprios americanos dizem o mesmo. Mas a Europa não é tão diferente dos EUA em qualidade de vida: há uma parte da população que tem dinheiro e consegue ter boa qualidade de vida e outra que nem por isso.

Um dos meus vizinhos é um americano que é médico reformado do sistema militar. Os militares nos EUA podem reformar-se ao fim de 20 anos de serviço activo. Para além da casa na minha vizinhança, ele e a esposa têm uma casa num lago. Todos os anos fazem uma ou duas férias internacionais. No ano passado, estiveram na Alemanha, agora estão no Canadá de férias.

Por falar em viagens internacionais, isto recorda-me o cunhado de uma ex-vizinha, um engenheiro reformado, que teve de cancelar várias viagens à Europa por causa da pandemia e que estava muito chateado porque sendo ele reformado, dois anos era um pedaço de tempo bastante significativo do período que ele tinha delineado para viajar.

Claro que casos avulsos não dão para generalizar, mas pelo que observo não acho que a qualidade de vida dos americanos seja assim tão má, apesar de nem toda a gente viver bem. E a tendência é para as coisas melhorarem.

sábado, 7 de setembro de 2024

A house for free

Daqui a menos de duas semanas, a expectativa é que o Federal Open Markets Committee decida cortar as taxas de juro de referência nos EUA, só não se sabe se vai ser 0,25% ou 0,5%. Também é esperado que o BCE continue a cortar os juros e as taxas de euribor já estão em tendência de queda. Tudo boas notícias para o programa de apoio a aquisição de habitação por jovens com menos de 35 anos e residentes em Portugal, que ganhem menos de 81 mil euros e queiram comprar casa até 450 mil euros.

As agências imobiliárias que lidam com estrangeiros já tomaram nota e estão a promover o programa. Penso que o objectivo desta política será diversificar a idade dos imigrantes, os tais que são conhecidos como "expats" na gíria americana. Com esta coisa do Trump e do Brexit, há muitas mulheres americanas e britânicas com mais de 50 anos a quererem mudar-se para Portugal e que precisam de namorad@s jovens e enxutos para gozarem melhor o sol e a praia. E se tais namorad@s já tiverem casa, tanto melhor.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Com tradição de contradição

Discute-se mais uma vez a privatização da TAP. Não devia ter sido nacionalizada, mas já chega de empatar o país com esta discussão: vem um governo de Esquerda e nacionaliza; um de Direita e privatiza. Tudo isso consome recursos que o país não tem. Se é para andar neste tango, mais vale fechar a companhia porque assim não se gasta dinheiro e os contribuintes não têm de andar a financiar experiências ideológicas. Isso sim, seria corajoso!

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

385

Já há uns tempos que não recordava de termos um tiroteio, mas hoje um miúdo de 14 anos matou quatro pessoas e feriu pelo menos nove numa escola secundária na Geórgia. Claro que deve haver bem mais traumatizados, mas nós não contamos esse tipo de ferimentos.

Não sei se era falha minha, que não prestei atenção, ou se realmente as coisas tinham acalmado. Há uns anos era quase um evento semanal haver tiroteios e parecia que as coisas não iam melhorar, mas ultimamente já não eram tão notícia. Mas consultei os dados agora e acontecem e acontecem com mais frequência do que antes.

A base de dados da Gun Violence Archive indica que desde o início da pandemia a violência com armas aumentou. No ano passado houve 656 tiroteios e, relativamente a este ano, o tiroteio de hoje foi o número 385.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Dois meses e dois dias

A dois meses e dois dias das eleições, ainda não é muito visível que estamos em campanha. Como esta é a terceira campanha de Trump, deve haver alguma saturação, pois já se sabe que ele diz palermices e poucos já ligam. Vi hoje uma notícia em que ele disse que as escolas faziam operações para os miúdos mudarem de sexo. É irrelevante. Quem acredita em tal coisa não tem os filhos na escola; em vez disso educam-nos em casa. Não é tanto o que acontece que me surpreende. Estou curiosa para saber por onde anda a família de Trump. A Ivanka, o Jared, e a Melania não têm aparecido; mesmo o DJT Jr. anda murchinho.

Do lado azul, tem se falado da Kamala e do Tim terem a mesma idade, mas ele parecer muito mais velho do que ela. A meu ver, ele precisava de uma dietazinha; mas é saudável ver-se um homem a ser julgado pelo seu aspecto físico, dado que esse é o pão nosso a que se sujeitam as mulheres. O Steven Moore, um antiquário inglês, conhecido como o David Attenborough das chávenas, acha que os homens se deviam vestir de forma mais colorida, como antigamente. Isso seria o ideal para Walz, toda a gente iria falar dele.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Sugestões

Há dias, a revista The Atlantic publicou uma peça de opinião do HR McMaster, onde ele explicou a inovação da Administração Trump ao tratar a China como um adversário, em vez de parceiro. "Explicou" nem é de todo o tom usado, mas não me vem à cabeça uma boa tradução para a expressão que me ocorre "wax lyrical".

A tese é que Trump corrigiu várias políticas que o McMaster considera insensatas. A política da China ser vista como um parceiro social já vem da década de 70, logo subentende-se que McMaster acha que a política dos presidentes desde então, tanto Republicanos, como Democratas, estava errada.

Vindo de um militar de carreira, é natural que lhe seja mais fácil ver inimigos do que amigos: se todas as nações fossem amiguinhas, não haveria necessidade de haver forças militares. No entanto, a Constituição prevê que a máquina militar esteja sob a alçada do Presidente e o poder de declarar guerra caiba ao Congresso, ou seja, a ideia dos Founding Fathers é que a máquina militar é subserviente ao poder civil. O McMaster andou lá às voltas a tentar explicar que isto da mudança de atitude para com a China foi ideia do Trump, mas era uma ideia que ele próprio já tinha há bastante tempo. Ou seja, penso que o mais provável é ele ter sugestionado o Trump.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

August 30

Dear J.,

I hope you are doing well, now that the summer is almost over. When my alarm clock comes on at 6 AM, it is still almost dark and the morning feels crisp. Last week, I was in West Texas to visit the cotton crop. I think we, my coworker and I, drove to 16 or 17 counties, but my hotel was in Lubbock. I stayed at an Embassy Suites that had an indoor garden, which I really enjoyed; I knew about it from the previous time I had been to Lubbock. However, I did not sleep very well, since the bedroom was a bit chilly, even though I had the temperature set to 76º F as I do at home.

The other reason for my lack of enthusiasm for being there was my coworker. He sometimes asks personal questions like my age or in which party I vote. He is a Republican and says he does not like Trump, but he voted for Trump against Hillary and did not vote when Trump ran against Biden. He did not say whether he would vote in this election, but indicated that he does not like Kamala because she did nothing, especially on immigration after going to Latin America. Funny enough he did mention that he liked Trump’s policies, but wishes he would keep his mouth shut. He failed to recognize that Kamala did not have executive power to decide what to do on immigration policy and, I am afraid that, at the time, I also failed to remind him of that and the fact that immigration policy was at the heart of Trump’s presidency and, if that had been solved by him, then there would be no reason for Kamala to visit Latin America. Instead, I just had a little ranting episode about how we needed a woman president because woman are 50% of the population and should be represented in the higher office. Of course, it is true, but my tone of voice and impassioned speech did not help my or Kamala’s cause.

With the trip preventing me from doing my normal work, I ended up having to work during the weekend, which was probably just as well, so that I could keep my mind occupied, while I continued to fume about misogynistic men. Then, on Monday evening, as I was getting ready to go buy some food for my dog, my car would not start. Seconds after, I happened to get a message from one of my neighbors across the street and took the opportunity to lament my car situation. He immediately came over with his wife to check on my car. While we were looking at what could be wrong with it, we spoke about putting out flags to decorate the neighborhood for Labor Day, which I did not recall us doing—-not all holidays get a neighborhood decoration. Then he mentioned that if Trump won, we’d be decorating the neighborhood. I asked about Kamala winning, which would be an historical event, and he said “That bitch! I want to retire one day…” I was so shocked at what he said, plus upset at my impassioned rant when I was with my coworker, which had absolutely no persuasive value, that, this time, all I could think to say was to advise him to watch it, since Memphis is two-thirds Democrat, so it would look bad if anyone heard him in the neighborhood.

All last and this weeks I have been feeling strange, like I am on edge, and I think it has to do with all these Trump supporters. I actually know very few people who were promptly as happy as I was that Kamala was the candidate. The media is extremely pro-Kamala, but I still remember eight years ago thinking that there was no way Hillary could lose and, yet, she did. So now I am drowning my enthusiasm for Kamala and, instead, inviting dread to live rent-free in my head. I hope I have not made you more worried. I am planning on taking a meditation practice more seriously, so that I can stop being overly dramatic.

Have there been any good news in our old neighborhood?

I love you dearly,

Rita

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

A valsa dos símbolos

Primeiro foi a CNN, depois a Atlantic, e finalmente o NYT a avançarem que Kamala Harris já tinha escolhido o parceiro de corrida e que seria Tim Walz, governador do Minnesota. A minha impressão do Minnesota, depois de trabalhar vários anos com pessoas de lá e de ter visitado, é que são pessoas bastante diferentes dos outros americanos que tenho conhecido. Por exemplo, não dá para fazer aquelas piadas para quebrar o gelo porque eles não entendem o humor e não se riem. No entanto, parece que Tim Walz é um tipo bem disposto que tem as chamadas "social skills," mas nasceu no Nebraska e foi para o Minnesota com 30 anos.

Também há outra caracterítica interessante em Walz, que é ter trabalhado na China durante um ano como professor do ensino secundário. Recordemo-nos que Trump teve uma presidência bastante crítica da China e Biden continuou a mesma linha de política, apenas com menos ruído e maior discrição. A escolha de Walz pode significar uma política menos retaliatória relativamente à China.

O Josh Shapiro ficou então para trás, mas nos últimos dias já tinha havido uns eventos cancelados, umas notícias acerca de ele ter lidado mal com uns casos de assédio sexual, e deopis há o facto de ser judeu, o que levantava questões acerca da sua viabilidade. Claro que o lóbi judeu tinha enorme preferência por este candidato, mas não seria uma escolha sensata tendo em consideração que os eleitores mais jovens são bastante sensíveis à situação trágica de Gaza.

Às abertas, o discurso dos media e do partido está um bocado limitado na questão da religião porque a lei federal proíbe que se discrimine com base em certos critérios:

Under the laws enforced by EEOC, it is illegal to discriminate against someone (applicant or employee) because of that person's race, color, religion, sex (including gender identity, sexual orientation, and pregnancy), national origin, age (40 or older), disability or genetic information.

Fonte: EEOC

Logo o facto de Shapiro ser judeu foi usado mais como ilustração de ser uma pessoa fortemente alinhada com Israel e, do ponto de vista político, o que tem vindo ao de cima, é que há bastante gente no Partido Democrática que é crítica de uma proximidade que se traduza numa carta branca a Israel; muitos prefeririam que se trabalhasse com vista a um cessar-fogo, mesmo Walz já expressou essa ideia.

Por falar em questões de discriminação, vale a pena fazer um à-parte. Sendo que o Partido Democrata é o mais alinhado com estes valores de não-discriminação, compreende-se a ironia da situação em que o partido se encontrava tendo Biden como candidato e este não querer sair, pois retirá-lo argumentando com base na idade ou incapacidade violaria a lei federal; no entanto, a Constituição permite que o Presidente seja retirado com base em incapacidade.

A segunda ironia era o facto de a VP ser uma mulher e negra/asiática, logo se não tivessem escolhido Kamala como a candidata natural à sua substituição também se estaria a sugerir que podia ter havido discriminação, especialmente porque quando Biden se apresentou a eleição há quatro anos, ele considerou-se um presidente de transição e o subentendido é que Kamala seria a herdeira da candidatura.

Vejo bastante simbolismo associado a todos estes acontecimentos recentes. Mesmo a decisão de escolher alguém para VP que é do Minnesota é simbólica: nas primárias do Partido Democrata do Minnesota, 19% dos votos foram para "uncommitted" porque os eleitores estavam insatisfeitos com a política de Biden relativamente a Israel-Gaza.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Telhados de vidro

Roy Cooper, que me parecia um bom candidato a VP, saiu da lista de escolha "por motivos pessoais". Talvez ele tivesse alguma coisa que não sobrevivesse ao escrutínio a que foi sujeito e por isso saiu. Um dos candidatos supostamente bem classificados é Josh Shaphiro, governador da Pennsylvania, que tem apenas 51 anos. Mas penso que há o problema de ser judeu, o que seria bastante polarizante.

Mesmo a família de Trump tem estado ausente da campanha dele, e eu especularia que, se calhar, parte do motivo é o genro ser judeu. Não devemos esquecer que Al Gore também escolheu um candidato a VP judeu e deu no que deu. Finalmente, com o assasinato do diplomata do Hamas (que mundo estranho o nosso em que organizações terroristas têm diplomatas) supostamente por Israel, fica bastante complicado fazer qualquer coisa que possa comprometer futuras negociações de paz.

No entanto, não deixa de ser curioso que o primeiro evento de Kamala com o candidato escolhido irá ser em Philadelphia, exactamente na Pennsylvania.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Coincidência ou conveniência?

Joe Biden, o segundo presidente católico dos EUA (o primeiro foi o JFK), votou em 1982, enquanto senador, a favor de que o aborto fosse decidido a nível dos estados, em vez de ser um direito federal como preconizava Roe vs. Wade, quando Orrin Hatch (Senador Repulicano) propôs uma emenda à Constituição que foi a pré-votação no Senate Judiciary Committee, . A Emenda de Hatch nunca chegou a ser votada no Senado; em 1983, quando Hatch voltou à carga, Biden votou contra, mas isso não significou que tivesse mudado de ideias.

Durante décadas, Biden invocou a sua fé de católico para defender a sua posição anti-aborto, no entanto, tal fé não foi impedimento para que se casasse em 1973 com Jill Biden, que era uma jovem divorciada. Depois invocou questões monetárias, dizendo que quem era contra o aborto não devia ser obrigado a pagá-los.

Aquando da oportunidade de se candidatar a Vice-Presidente, ao lado de Obama, a fé católica não o impediu de "suavizar" a sua posição relativamente ao aborto. Mesmo assim, nem era carne, nem peixe: dizia que não podia impor as suas preferências ao mundo. Depois candidatou-se a Presidente e aí teve de ser a favor do aborto, pois era disso que a casa dos Democratas gastava.

Roe vs. Wade cai pelas mãos do Supremo Tribunal dos EUA em 2022, mais de um ano depois de Biden ser presidente. Não havendo uma norma federal, cada estado faz o que lhe dá na telha, que era exactamente o que Biden tinha votado a favor em 1982. Como Presidente, não promoveu qualquer tentativa de passar uma lei federal que garantisse o acesso ao aborto. A situação actual é discriminatória e viola a lei federal: quando uma mulher grávida se dirige às urgências, há hospitais que recusam admissão por medo de que a mulher necessite de um aborto.

Conclusão, Biden falhou uma das promessas mais importantes que fez durante a primeira campanha. Só não sabemos se a sua inacção foi uma coincidência ou foi por conveniência.

domingo, 28 de julho de 2024

Apreciação e anulação

"The appreciation of art is a true marriage of minds. And in art as in marriage, lack of consummation is grounds for annulment."

~ Mark Rothko

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Ballet de um lado, breakdance do outro

Na Quarta-feira, o Netanyahu foi ao Congresso americano dar um discurso surreal no qual tentou justificar a morte dos civis palestinianos às mãos das manobras militares de Israel. A CNN fez a verificação dos factos apresentados e claro que dizer que houve muito embelezamento é eufemismo que indica que ele mentiu com todos os dentes que tinha.

Noticia o NYT que foi aplaudido por Republicanos. No lado dos Democratas, houve um boicote parcial, com Nancy Pelosi e Kamala Harris ausentes (Harris indicou ter conflito na sua agenda), juntamente com "duzias de Democratas. Até assessores de Esquerda meteram baixa médica para não terem de assistir ao discurso ou saíram em protesto com óculos de sol e máscaras a encobrir a sua identidade. Nancy Pelosi designou o discurso como "by far the worst presentation of any foreign dignitary invited and honored with the privilege of addressing the Congress of the United States." Na rua, protestos contra a guerra em Gaza.

Hoje, Quinta-feira, Kamala Harris reuniu-se com Netanyahu e defendeu que Israel institua um cessar fogo o mais depressa possível e negoceie a libertação dos reféns. Também disse que a dimensão da violência contra crianças e outros civis não é aceitável e que ela não se iria calar: “The images of dead children and desperate, hungry people fleeing for safety, sometimes displaced for the second, third or fourth time — we cannot look away in the face of these tragedies, we cannot allow ourselves to become numb to the suffering, and I will not be silent.”

Ou seja, nota-se que há um nível incrível de coordenação entre o partido e a candidata, e a política de Biden, bastante deferencial para com Israel, está a ser abandonada. É impossível não pensar que a médio/longo prazo os americanos irão ser alvo de ataques terroristas justificados pelo apoio que deram a este conflito de Israel--é isso que a história nos indica e, a julgar pelo sentimento anti-americano que se observa nas redes sociais, este conflito é uma ferramenta para recrutar futuros terroristas.

O anúncio do candidato a VP de Kamala Harris deverá ocorrer a 7 de Agosto; até lá vamos andar na expectativa, ou seja, toda a máquina mediática estará a cobrir o lado dos Democratas e Trump, se só tem as birras do costume, terá pouco apelo. No entanto, é esperado que Trump meta um processo em tribunal por causa da substituição de Biden e de Kamala estar a usar o dinheiro dessa campanha, o que lhe confere maior vantagem do que se tivesse de começar a angariar fundos do nada.

Quanto à escolha de VP, da lista que está a ser apresentada, eu acho que Mark Kelly do Arizona e Roy Cooper da Carolina do Norte são os mais prováveis. Dos dois, Roy Cooper tem aspecto físico mais convencional, é grisalho e parece um avôzinho como o Biden, características que foram benéficas para Obama.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Eu feminista lusitana

Surpreendentemente, quase todas as minhas amigas feministas de Houston preferem Biden a Harris, o que não consigo compreender de todo. É que não faz sentido, nem sequer se alinha com os valores que professam e não estou a falar apenas da questão de ela ser mulher e ele ser homem. Há também que notar que fisicamente ele não é capaz de exercer a função de Presidente. Eu acho cruel esperar que um octagenário tenha de se sujeitar a uma coisa tão árdua só porque nos dá um quentinho na barriga saber que um velhinho simpático vela por nós. (Esta preferência deve ser influência daquela ideia antropomorfizada de Deus, que muita gente acha ser um idoso de barbas muito carinhoso.)

Só ainda não falei com a minha amiga que tem 99 anos, mas aposto que ela ficou muito feliz porque, a última vez que a vi, no mês passado, ela disse-me muito desanimada que se calhar ele não ia ganhar. Eu não respondi que ele estava demasiado velho porque ela é mais velha do que ele, mas ela está lúcida e tem clara noção do que não é capaz. Biden já passou desse ponto.

A modos que nas últimas semanas tenho passado parte do meu tempo a argumentar que Biden não era bom candidato com algumas das minhas amigas de Esquerda, pessoas que frequentemente entram em diatribes contra o patriarcado e se identificam como feministas ferrenhas. E desde que Kamala foi elevada a candidata, as minhas amigas têm estado num silêncio que mais parece um luto, enquanto que eu irradio felicidade. Espero que acordem para o mundo um dia destes e me voltem a dar lições do feminismo americano. Não que eu precise porque o meu feminismo foi cunhado no pós-Revolução dos Cravos e é forte na minha pessoa.

terça-feira, 23 de julho de 2024

A diferença de um dia

Parece que nem foi há pouco mais de 24 horas que Kamala Harris se tornou a candidata. Hoje, jornais e revistas, que até há poucos dias se enchiam de notícias a ilustrar os defeitos de Harris, estão cheios de artigos a seu favor. E até ficámos a saber que Trump doou dinheiro duas vezes quando ela era candidata a District Attorney General na California e ela teve o discernimento de devolver os cheques, cujas imagens já rodam convenientemente nas redes sociais.

As doações estão a entrar em massa para o ActBlue, que conseguiu angariar $47 milhões nas primeiras 7 horas a seguir ao anúncio de que Harris era a candata e nas 24 horas atingiu $81 milhões. Eu fiz uma doação simbólica de $50, mas estou a contar dar mais. Quando Biden foi candidato em 2020 não dei nada, só dou a mulheres porque há que discriminar homens para manter o universo em equilíbrio.

Mas nem todos estão felizes, o Michael Bloomberg não está entusiasmado com Harris, diz que a decisão tem de ser democrática, mas pode-se argumentar que foi democrática, dado que ela estava incluída nas primárias com Biden e o entendimento era que se ele saisse, entrava ela. É lógico que podia haver outros candidatos, mas por enquanto ainda ninguém se chegou à frente, talvez sinal de que há coordenação dentro do Partido Democrata para não dividir ainda mais as opiniões e manter a unidade, unidade esta que tem sido a nota dominante desde ontem à tarde, quando foi feito a anúncio. A competição parece que vai ser em termos de quem ela escolherá para ser o número dois e o mais provável é que seja alguém mais convencional, tal como Obama escolheu Biden.

Com esta mudança, quase que nos esquecemos do atentado a Donald Trump e de que este escolheu J.D. Vance. Ou seja, talvez a crise dos Democratas tenha dado jeito porque retirou mediatismo às cenas do Trump, que estavam a começar a aquecer. Agora todos estarão focados em quem será o número dois de Harris e depois na Convenção Nacional dos Democratas que se realizará de 19 a 22 de Agosto, em Chicago.

domingo, 21 de julho de 2024

Habemus candidatum

E porque eu estou no Tennessee, tinha de ser:
The 77 Democratic National Committee delegates from Tennessee unanimously voted to endorse Kamala Harris for president during a conference call on Sunday afternoon, according to William Owen, a Democratic National Committee member who participated in the call. Owen said the vote made Tennessee the first state delegation in the country to formally back Harris for president.

Fonte: The New York Times

Um problema sanado

Soubemos há escassas horas que Biden desistiu da corrida à Casa Branca. Inicialmente não recomendou nenhum candidato, mas em menos de uma hora disse que apoiava Kamala Harris, a sua Vice-Presidente. Esta acabou de anunciar há momentos que tencionava candidatar-se e "obter e ganhar" a nomeação do Partido Democrata. Não se sabe o que decorreu nos bastidores de toda esta acção, que culminou num bailado bem coreografado e completamente desfazado do caos dos últimos meses, mas tem havido uma incessante pressão de Senadores e outras figuras importantes do Partido Democrata para que Biden desistisse.

Parece-me -- e isto é inteiramente especulação da minha parte -- que o cenário mais provável é que Biden tivesse sido encurralado: ou desistia ou era destituído porque a Amenda 25 da Constituição dos EUA, secção 4, permite que o Presidente seja removido se estiver incapacitado. É difícil de argumentar que alguém que pareça mentalmente incapacitado para ser candidato tenha perfeita capacidade de estar à frente do país durante os próximos seis meses, logo é provável que a sua destituição fosse o Plano B, caso ele não retirasse a sua candidatura voluntariamente.

Depois de uma presidência de Trump caracterizada pela sua omnipresença mediática e nas redes sociais, o país e o resto do mundo respiraram de alívio por Biden ter sido mais discreto; mesmo as gafes inicialmente tinham um teor de divertimento, o mesmo que se tinha desenvolvido durante a Presidência de Obama a respeito do seu Vice-Presidente, que se concluia ser um bonacheirão. No entanto, todo este resguardo não permitiu que o público, o partido, e o Congresso tivessem conhecimento directo da deterioração cognitiva de Biden, ou seja, pouca justificação haveria para o retirar. Se ele tivesse decidido não concorrer, tudo teria acabado pelo bem, sem que ninguém se apercebesse que nos últimos meses já não estava bem. Mas com a decisão de se candidatar outra vez, tal desenlace tornou-se improvável, quiçá impossível.

Ou seja, não parece que o Partido Democrata tenha cometido fraude ao permitir que Biden fosse candidato porque quando Biden se tornou Presidente, deixou de ter um papel de líder partidário, logo não tem um contacto directo com a máquina partidária, nem com o Congresso, pois esse contacto é feito através das pessoas em seu redor. De vez em quando podem haver reuniões ocasionais em que se procura uma sintonia política, mas não costuma ser uma coisa que o Presidente faça pessoalmente. Por exemplo, durante a Administração de Obama, quem liderou as reuniões com o Congresso para negociar o Affordable Care Act (Obamacare) foi o Vice-Presidente Biden, não foi o Obama, logo há bastante margem para a equipa da Presidência proteger a imagem do Presidente. O mesmo já tinha sido feito durante o segundo termo de Ronald Reagan.

Até com a Vice-Presidente, Biden parece ter tido pouco contacto, o que foi racionalizado nos media como sendo mais ilustrativo das falhas da Vice-Presidente Kamala Harris do que das limitações de Biden. Depois também poderia ser uma decisão política que era justificável a partir do momento em que ele se recandidou à Presidência. E como era uma recandidatura e, no essencial, parecia ter tido um primeiro termo de sucesso, concorreu às primárias sem grande esforço e sem necessidade de participar em debates ou fazer algo mais do que ler discursos porque não havia outro candidato concorrente.

Finalmente, Biden teve um desempenho excepcional no discurso do Estado da União, a 7 de Março, logo mesmo que houvesse rumores ou dúvidas, ele conseguiu dissuadir muitos descrentes. Mas sendo uma campanha um exercício de mediatismo acima de tudo e com a cobertura da comunicação social 24/7, é muito difícil esconder a verdadeira situação de Biden durante muito tempo, até porque o próprio esforço físico necessário para ser um candidato eficaz contribui para o problema, que agora parece ter sido sanado para efeitos da eleição.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Sem piedade 2

Ao final da tarde, os telefones celulares inundaram-se de notificacoes a anunciar o cancelamento de um discurso de Biden devido a este ter testado positivo a Covid. Os jornais ainda estao cheios da imagem de Trump de orelha baleada a levantar-se e a erguer o braço tal fénix renascida das cinzas, e eis que Biden, o homem mais poderoso do mundo e supostamente quem nos irá salvar do caos de Trump, nem um discurso pode dar em pleno seculo XXI, estando tantos de nós equipados para trabalhar remotamente.

Se dúvida existia antes, agora a podemos dissipar: os Deuses gastaram toda a sua piedade.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Sem piedade

Trump anunciou hoje que o seu candidato a Vice-Presidente é J.D. Vance, o autor da Elegia aos Saloios do Monte, que traduziram para português como "Lamento de uma América em Ruínas." Quando Trump foi eleito, este livro ficou famoso por "explicar" o efeito Trump e nessa altura o autor distanciava-se do novo presidente. Agora a cantiga é outra e Vance vai ser o número dois, o que agrada a um montão de gente, para além de agradar ao lobby do Business.

Vance nasceu no Ohio, na região da Apaláchia, que é uma cordeira montanhosa que atravessa três países (EUA, Canadá, e território da França). Nos EUA, estas montanhas vão do Alabama até ao Maine, e atravessam um total de 20 estados mais D.C.

Biden está mais do que lixado. A única hipótese que os Democratas têm é de o despachar e arranjarem um candidato de um estado mais conservador e forte, penso que o ideal seria alguém do Texas e para VP uma pessoa de outro estado púrpura, talvez o Michigan ou, se forem mais agressivos, Ohio.

Se Trump ganhar, não me admiraria nada que os Republicanos o despachassem e metessem o Vance na Casa Branca. Decerto que ele conseguiria governar um termo e depois ganhar um segundo, ou seja, teremos pelo menos dois termos Republicanos.

Agora vamos ver o que os Democratas vão fazer. O facto de Trump ter anunciado o candidato a VP antes pode dar-lhe apenas uma vantagem temporária, mas se os Democratas não jogarem à altura, não há piedade que os salve.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Lord, have mercy!

No Sábado ao fim da tarde, estava quase a sair para jantar com uns amigos quando saiu a notícia de se ter ouvido uns estalos durante um comício de Trump. Alguns minutos depois, recebo uma mensagem no meu grupo de amigas de Houston que indicava que ele tinha sido atingido e que tinha sido retirado do palco pelos serviços secretos com uma orelha em sangue. Não me afectou muito, apenas pensei que era karma: "it couldn't have happened to a better person" ou quem com o ferro fere com o ferro é ferido.

Fui para o jantar na baixa de Collierville, TN, uma cidadezinha nos suburbíos de Memphis, que tem uma Downtown muito engraçada, uma praça quadrada com um jardim e um gazebo no meio. Em redor, lojas e restaurantes locais. Eu e um casal amigo íamos jantar ao Raven and Lilly, um restaurante nessa praça que tem um frango frito confeccionado sem glúten que supostamente é muito bom, mas eu achei por bem pedir o prato especial do dia e que era um linguado com batatas assadas e umas hortaliças caramelizadas.

Quando nos sentámos à mesa e começámos a conversar, depressa animámos e a empregada teve de vir várias vezes ver o que queríamos comer porque nos distraíamos e não líamos o menu. O motivo da boa-disposição foram as piadas. A certa altura, ele com um brilhinho nos olhos diz-me "Have you heard? Trump got shot in the ear. You think he heard it coming?" Comecei a rir (quer dizer, ainda não parei, mais de 24 horas depois), enquanto a esposa revirava os olhos e dizia "Lord have mercy!" Os meus amigos são americanos e ambos republicanos, mas pelo menos o marido não tem grande apreço por Donald Trump; não faço ideia em quem ele vai votar, mas ela disse que entre Biden e Trump votava Trump.

Volta o marido à carga: "I guess Biden's eyesight must not be that bad..." Eu e ele desmanchava-nos a rir e ela "Lord, have mercy! Lord, have mercy!"

quarta-feira, 10 de julho de 2024

À segunda…

Em menos de dois meses, Houston está outra vez paralizada, desta vez por causa do furacão Beryl; antes foi por causa de tornados que passaram pelo centro da cidade, que é a quarta maior metrópole dos EUA e extremamente importante para o mercado energético. Se na primeira vez, em meados de Maio, alguns dos meus amigos ficaram sem electricidade, mas vários estavam bem, esta semana quase todos ficaram às escuras. Eles e mais de três milhões de pessoas na área metropolitana de Houston ficaram sem eletricidade e, 48 horas depois da tempestade, mais de um milhão ainda estão sem.

Num ano de eleições, é, no mínimo, mau sinal e a mensagem de Biden de que tudo está óptimo não corresponde à vivência das pessoas, ainda por cima porque ele não tem um plano de infraestrutura para lidar com desastres naturais. Passou legislação para agilizar a transição para energias alternativas, mas parece que isso foi mais uma forma de debilitar a China economicamente do que uma preocupação com o ambiente.

Quando vim estudar para os EUA, em várias cadeiras de economia e negócios, parte da matéria era sobre "case studies" industriais e uma das indústrias focadas era a automóvel, para tentar perceber como a política proteccionista seguida pelos americanos nos anos 70 e 80 não só não ajudou as empresas americanas, como acabou por criar oportunidades para as empresas japonesas. A politica industrial americana actual tem uma filosofia idêntica à anterior e não se pode dizer que seja da autoria de um só partido porque tanto Trump como Biden seguem políticas proteccionistas.

À primeira não aprenderam a licão, talvez à segunda.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

A culpa é do Senhor

Na entrevista de Biden com George Stephanopoulos, a tal que ele deu para tentar convencer a malta que ainda esta mentalmente competente, Biden indicou que só sai da presidência quando Deus Nosso Senhor lhe disser para sair, como se o cargo lhe pertencesse por direito divino. Trump também acha que tem direito à Presidência independentemente da vontade do eleitorado. E quando Trump avança ideias deste tipo, invoca-se que os EUA são uma república e não uma monarquia, que o presidente serve pela vontade do eleitorado, que os resultados das eleições devem ser respeitados, etc. Ainda não vi ninguém invocar estas razões para refutar o que Biden disse. Talvez a culpa seja do Senhor, que ainda não enviou o memorando nem a Biden, nem aos jornalistas.

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Menos mal

A ideia de Biden como candidato viável está quase a zero, o que me apraz bastante por várias razões. Por uma questão de humanidade, ele deve reformar-se porque já não está em condições físicas, nem mentais. Não é que seja o primeiro PR a estar assim, mas quando Reagan já estava fora do prazo não havia notícias 24/7 e dava para o esconder a verdadeira realidade. Agora não dá. Votei nele, mas achei-o sempre um candidato medíocre e como Presidente não o acho grande coisa. Quanto à economia estar bem, está bem apesar dele, não por causa dele. O mundo que Biden vai deixar é mais perigoso do que o que Trump deixou.

Há duas semanas fui a Houston e tive oportunidade de falar com as minhas amigas. Já não acham o Biden uma boa ideia e nem acham que ele consiga vencer Trump. No ano passado, discordavam de mim tão ferozmente que deixei de participar nas reuniões de Zoom semanais. Que tenham mudado de ideias diz-me que há pessoas que poderão votar nele, apesar de não o acharem capaz.

Depois de Houston, dei um pulo ao sul do Texas, estive em Corpus Christi e andei por lá de carro, cheguei a passar por Harlingen, que é bastante próximo da fronteira com o México. Aliás quem me lê deve estar prestes a ficar ao corrente desta região porque o furacão Beryl está a caminho de onde estive. Na minha viagem vi apenas um poster pró-Trump e pró-MAGA, o que achei bastante engraçado e também surprendente.

Engraçado porque era um poster ao pé de uma empresa que processa o algodão depois da colheita (separa o caroço da pluma) e quando Trump foi presidente o preço do algodão caiu bastante depois de ele iniciar a disputa comercial com a China. Apesar de não achar lógico que se vote em Trump, acho surpreendente que se veja tão pouco apoio, ou talvez ainda seja cedo. Talvez as coisas comecem a ficar mais interessantes daqui a uns dois meses--sim, já estão, mas isto tem potencial para muito mais.

Com a reviravolta do apoio a Biden, é natural que se vá prestar mais atenção à bota que os Democratas terão de descalçar, pois isto é uma oportunidade de demonstrarem que são moralmente superiores aos Republicanos. Pessoalmente, nem acho que seja uma questão de apenas arranjar outro candidato, pois o Biden deveria ser afastado da Presidência o quanto antes porque demonstrou publicamente que está incapacitado para o cargo. Mas se Kamala Harris chegasse a Presidente, isso seria quase que nomeá-la candidata e não me parece que o queiram fazer. E isso vale por duas razões pelas quais acho Biden um mau Presidente, pois não preparou ao sua Vice-Presidente para uma sucessão, nem sequer mentalizou o país que é necessário haver uma mulher presidente.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Direito por linhas tortas

A última decisão do SCOTUS (Tribunal Supremo) a gerar polémica é a de Segunda-feira que afirmou que, em princípio, um presidente está imune de ser processado por actos oficiais, mas pode ser processado por actos que caem dentro da esfera privada enquanto cidadão. A decisão da maioria foi escrita por John Roberts, o Presidente do SCOTUS, que, apesar de ter sido nomeado por um Presidente Republicano, nem sempre se alinha com a ala conservadora do tribunal. A opinião discordante e os jornalistas vêem isto como uma ampliação dos poderes do Presidente, o que, caso Trump seja reeleito, acham prejudicial para o país.

Concordo com o Roberts e discordo bastante da reação quase histérica que assolou o país. Durante a primeira Presidência de Trump, ele referiu várias vezes que tinha imunidade plena, dado que era Presidente. Ou seja, do ponto de vista do comportamento dele não irá haver qualquer mudança, dado que ele não fazia distinção entre assuntos oficiais e privados antes--era tudo oficial.

Mas com esta decisão, Roberts abriu a porta para que o Presidente seja processado não só quando um acto é do foro privado (ou seja, nem tudo o que o presidente faz é oficial, uma contradição direta da filosofia de Trump), mas também quando há dúvida que um acto possa não ser oficial; esta área cinzenta antes era quase uma de imunidade presumptiva e agora já não é.

Se tivermos de gramar com Trump outra vez, é certo que o irão arrastar pelos tribunais ainda mais do que antes.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Um progresso estranho

Não gosto da Inteligência Artificial. Não tenho mada contra o progresso, mas da maneira como as coisas estão, parece que estamos a regredir. Há dias, tive de colocar o meu telefone em modo "pessoal" para não receber telefonemas de pessoas que não constassem da minha lista de contactos, isto porque tenho estado a receber à volta de 20 chamadas por dia. São quase todas de telemarketers, em que me dizem que eu tenho direito a subsídios para me ajudar com as despesas de mercearia, casa, etc. No início, ainda tentei explicar ao fulano que me estava a telefonar da India que não tinha direito a nada. Ele insistia e dizia que trabalhava para o governo federal e sabia que eu tinha direito. Eu perguntava se ele era americano e ele dizia que não e eu respondia que então não podia trabalhar para o governo federal. E andávamos nestes rodopios verbais até eu desligar o telefone.


Entretanto, vi noticias que umas das tendências do uso da Inteligência Artificial é a criação de vozes idênticas às das pessoas. O Instagram está cheio de vídeos com audio que oarece ser as "vozes" do Anthony Hopkins, Morgan Friedman, etc., mas nenhum deles leu o texto; foi tudo gerado por um computador. Fui às preferencias para tentar optar não ter posts com Inteligência Artificial, mas não há essa opção em lado nenhum. Depois pensei que se calhar alguns destes telefonemas dos telemarketers estavam a gravar a minha voz para depois usar para roubar a minha identidade. É que a minha informacao está toda na Dark Web devido a roubos de informação de bancos com os quais tenho conta, a minha e a de toda a gente por estas bandas. É só uma questão de tempo até os pontos se unirem.


Tenho saudades da Internet do início do século; nessa altura, podíamos confiar na opinião dos internautas; aliás, nem se comprava nada sem ir ver o que diziam as opiniões postadas no epinions.com, uma página que agora já não existe. Quando leio as avaliações dos consumidores agora não sei o que é real nem o que é manipulado. Mesmo o marketing online, já nem dá para saber que vendedores são legítimos, nem quais são os desonestos que tentam roubar o nosso número do cartão de crédito, ou que vendem porcaria, etc.

Durante a maior parte da minha vida, progresso significava algo melhor, mas agora já não. Imagine-se o que irá acontecer à Internet quando qualquer totó puder usar a inteligência artificial para implementar qualquer maluqueira que lhe passe pela cabeça. Nem estamos muito longe de descobrir: até às proximas eleições presidenciais a tecnologia evoluirá o suficiente para tornar as eleições num caos maior do que o costume.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Eficiência!

quinta-feira, 30 de maio de 2024

The Good, the Bad, and the Ugly

Há uns dias, calhou ir ao Portal das Finanças e eis a minha surpresa quando encontro um lembrete a dizer que está para pagamento o IMI e eu podia consultar os documentos que me permitiriam pagar a prestação. Desta vez não era preciso porque o meu procurador já tinha enviado, mas fiquei feliz de ver o Portal das Finanças mais organizado do que o costume. E hoje recebi correspondência electrónica do lar onde o meu pai vive com uma carta do Ministério da Saúde a indicar que estava em falta o pagamento de taxas moderadoras dos cuidados de saúde que o meu pai recebeu desde 2020. Devia quase 126 euros. Não percebo a razão de terem demorado tanto tempo para pedir o pagamento, mas talvez tenha a ver com a mudança de governo. Dá-me a impressão, bastante alicerçada por estes dois eventos, que as coisas estão mais fluídas, o que acho realmente bom.

No entanto, há um aspecto mau na história das taxas moderadoras. Para mim, o pagamento de 126 euros é trivial, mas imagino que tal não seja para muitas famílias e idosos, logo não é razoável que o estado deixe acumular os pagamentos referentes a quatro anos. Há, também, um outro aspecto estranho. Que aconteceria a esta dívida se o meu pai já não estivesse vivo? O Ministério da Saúde deveria ser mais diligente em manter todas estas contas em dia.

Por fim, uma coisa extremamente feia que a Nicky Haley fez: escreveu "Finish them!" em bombas que vão ser usadas pelo exército israelita. Dado o histórico deste exército, que é um dos mais sofisticados do mundo, em encontrar alvos civis e humanitários, em vez de alvos terroristas, é completamente incompreensível o que ela fez. E chateia-me ainda mais porque eu votei nela nas primárias presidênciais. Como é que uma mulher, ainda por cima que foi Embaixadora junto das Nações Unidas, faz uma coisa destas? Não tem desculpa. Acho que vou ter de lhe escrever a reclamar.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Inclusividade

"Estes resultados foram resultado do esforço dos portugueses e de uma visão muito firme e determinada do anterior Governo em prossegui-los. Lamento a atitude de vários, que vejo hoje, que não hesitam em pôr em causa a credibilidade do país para obter ganhos políticos simplesmente para atacar o anterior Governo e socorrem-se de tudo", declarou Fernando Medina.

Fonte: Notícias ao Minuto, 14 de Maio de 2024

"Resultados que foram resultado" são sempre bem-vindos e claro que é de louvar haver governos que "prosseguem" resultados. Também gostei "da perperplexidade com que alguns dos meus ex-colegas assistiram ao que assistiram". É bom ter pessoas que falam assim chegar a ministros: dá um ar de inclusividade aos governos portugueses. Finalmentente, a sentença de incompetência dos técnicos da UTAO é-me particularmente cara porque demonstra que para ele a UTAO deve ser uma entidade que avaliza as decisões do governo, em vez de fazer uma apreciação independente, o que também contribuiria para a tal inclusividade.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Montanha russa à vista

Na semana passada saíram as intenções de plantio das colheitas para 2024 nos EUA. De acordo com os resultados do inquérito da USDA, os agricultores americanos planeiam plantar uma área menor. Pode ser que os preços dos futuros do milho e da soja os tenham desencorajado, mas a minha opinião pessoal é que com as eleições à porta e a possibilidade de Trump voltar à presidência é arriscado plantar. O maior parceiro comercial dos EUA na agicultura é a China e quando Trump esteve na presidência desencadeou uma disputa comercial que deprimiu os preços das commodities. Concluo então que, ou os agricultores acham que Trump vai ganhar, ou têm a certeza que ganha pois para ganhar basta as zonas rurais votarem nele.

Apesar da economia americana estar bastante sã, o que beneficia outros países, a guerra contra a inflação ainda não está ganha e uma presidência Trump irá criar um ambiente inflácionário, dada a história da última presidência dele antes da pandemia. Sendo assim, dificilmente se criará condições para as taxas de juro baixarem, a não ser que haja um choque imprevisto.

Para Portugal, as maluqueiras de Trump até poderão ser benéficas porque o número de americanos que irá dar à sola aumentará de certeza, e muito provavelmente alguns irão para aí. Sim, irá ser inflacionista e os locais irão perder poder de compra, mas o lado bom é que a dívida pública irá baixar mais depressa. Só que também implica que será mais oneroso emitir nova dívida pública.

Os recentes bons resultados do excedente orçamental já geram discussões sobre políticas redistributivas. O que a história recente de Portugal nos ensina é que tais políticas acabam sempre por criar dívida pública, pois políticas redistributivas têm efeitos estruturais, apesar da decisão de as implementar ser baseada em resultados que se revelam conjunturais.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Género indeterminado

Hoje, quando estava à espera que me trouxessem o meu cão da creche no PetSmart, apareceu uma das empregadas que vinha apresentar a "filha" à empregada que me estava a ajudar. Quando apresentou a filha, disse "This is my daughter, well, I dont know what to call her because she's binary." E cumprimentaram-se todas ou talvez todes ou tod@s e depois despediram-se. Achei muito gira a forma muito natural como a mãe apresentou a cria binária e pensei logo que tinha de vos contar. Depois lembrei-me que não sabia como seria este diálogo em português: será que a cria seria binária ou binário?

domingo, 17 de março de 2024

O bom e o mau

No resultado das eleições de Portugal, dava jeito que os votos dos emigrantes fossem contados mais rapidamente. Mas pronto, talvez assim percebam o quão dificil é contar os votos dos americanos que até demoram menos tempo a ser contados do que os votos do emigrantes portugueses. Outra coisa a considerar é que não é muito democrático Portugal ter uma política oficial de captação de investimento dos emigrantes, ao mesmo tempo que o número de deputados que os emigrantes podem eleger para o Parlamento é insignificante. Isto devia ser corrigido numa revisão constitucional.

Independentemente da contagem final, a Direita conquistou mais votos do que a Esquerda, o que é um resultado bastante saudável em Democracia, dado que o PS já governa há oito anos e corria-se o risco de Portugal se tornar numa pseudo-ditadura de Esquerda, dado que desde 1991, só dois governos de Direita (1991 e 2011) conseguiram terminar um mandato completo vs. quatro da Esquerda. É natural que, à medida que um partido governa, se crie algum desgaste, que leve os eleitores a mudar de opinião, só que em Portugal isto raramente tem acontecido, pois, curiosamente, as maiorias tendem a acontecer em mandatos que não o primeiro.

O facto de o Chega ter acumulado tantos votos com uma plataforma eleitoral considerada anti-democrática é visto por muitos como uma mancha negra no projecto democrático português, mas não é assim tão mau. O aumento de popularidade de valores da extrema Direita está em ascendência em vários países, logo o Chega não é um fenómeno original e nem sequer é muito expressivo, pois em percentagem de votos tem menos popularidade do que noutros países--em França, a Marine Le Pen teve 23,2% de votos na primeira ronda e na segunda aumentou para 41,5%. Por outro lado, a atitude de muitas pessoas de Esquerda em Portugal, que não conseguem conceputalizar um país governado legitimamente por partidos tanto de Esquerda como de Direita está ao mesmo nível democrático de muita retórica dos extremistas da Direita.

Há também a considerar outro aspecto menos positivo para a Democracia portuguesa: com o envelhecimento da população e com o aumento da emigração, muitas pessoas deixam de votar porque não há um esforço oficial para facilitar o acesso ao voto através do correio ou de outra forma. Até recentemente, esta censura da participação eleitoral favorecia o PS, mas os ventos parecem estar a mudar--sei de pelo menos alguém num lar de terceira idade em Portugal que votaria PS, mas não tinha como votar. Pessoalmente, não teria votado no Chega, mas ainda não fui a Washington, D.C., regularizar os meus documentos, logo para efeitos de eleições para o Parlamento não existo.

Apesar das dificuldades de algumas pessoas em votar, houve uma redução da abstenção nestas eleições e tal é mérito do Chega, que conseguiu mobilizar eleitores, o que demonstra que os outros partidos também têm esse potencial. Dado que o Chega é agora o terceiro maior partido no Parlamento não pode ser tratado como uma pedra no sapato, por mais inconveniente que seja. Antes das eleições, Luís Montenegro comprometeu-se que não faria coligações com o Chega, mas não há nenhum impedimento que o faça depois das eleições. Pode perfeitamente negociar os pontos que lhe interessam estar em acordo com o Chega e repudiar os que não estão sujeitos a negociação e assim o programa do Chega que entra para um acordo com o PSD não seria o mesmo que Montenegro tinha enjeitado pré-eleições.

É algo semelhante ao que aconteceu em 2015, quando António Costa entrou em "acordo" com o BE e o PCP apenas nas áreas que lhe interessavam na altura, ou seja, ele não avalizou todo o programa desses partidos que foi sujeito a eleições.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Super-Terça-Feira

Hoje fui votar na Nikki Haley, obviamente. Quando cheguei à igreja onde voto, só havia duas pessoas à minha frente. O senhor da mesa perguntou-me se eu queria votar no lado Democrata ou Republicano e eu pedi o boletim republicano e foi tudo a eito a favor da Nikki: ela, mais 14 delegados sem distrito que a apoiavam e mais três do distrito 9 também a favor dela.

Em Shelby County (Memphis), os resultados preliminares indicam que Nikki Haley teve quase 27% dos votos, enquanto que Donald Trump está nos 70%. Do lado dos Democratas, pouca gente votou e só havia Biden no boletim, mais a possibilidade de se escrever o nome de um candidato, logo ele está quase nos 97%. Haley parece que conseguiu quase 38% dos votos na área de Nashville -- e eu que tinha má impressão daquele pessoal.

Tenho pena que Haley não tenha tido melhores resultados, mas fiquei feliz que ela não tivesse desistido e me tivesse dado a oportunidade de poder votar em alguém que não Trump nem Biden.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Probabilidades condicionais

Tanto nos EUA como em Portugal devia-se falar mais de probabilidades condicionais em vez de probabilidades simples no que diz respeito às eleições.

Se, nos EUA, o objectivo é eliminar Trump, a estratégia que tem maior probabilidade de o eliminar é votar em Nikki Haley porque é mais fácil eliminá-lo nas primárias, quando menos gente vota, do que nas eleições de Novembro. Que haja pessoas que desperdicem o seu voto em Biden quando ele já tem vitória garantida é irracional e contra-produtivo.

Em Portugal, se o objectivo é minimizar o risco do Chega ir para o governo, então faria sentido a malta de Esquerda votar na AD porque é o partido que, segundo as sondagens, tem mais facilidade em chegar a uma maioria. Só que há pessoal de Esquerda que acha que fica com a consciência tranquila votando nos partidos minoritários da Esquerda, o que não adianta absolutamente nada para criar uma maioria de Esquerda e não reduz o risco do Chega.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Geringonça 2.0

O governador do Illinois, J.S. Pritzker, discursou na cerimónia de final de curso da Northwestern University no ano passado. Foi uma participação bastante bem humorada, em que alertou os recém-graduados para a necessidade de aprender a navegar um mundo em que pessoas idiotas podem ser bastante espertas, tão espertas que chegam a patrões e presidentes. Como é que ele identifica idiotas? Procurando as pessoas que agem sem empatia e compaixão, dado que ambas essas qualidades necessitam que se desligue os instintos pré-históricos, os que nos fazem desconfiar de pessoas que não pertencem à nossa tribo. Por esta métrica, as sociedades mais evoluídas são aquelas em que as pessoas têm confiança suficiente para não verem os outros como uma ameaça.

Tenho andado a pensar nisto no contexto do Chega. Não me identifico de todo com o discurso, aliás até acho que têm um discurso anti-Rita; no entanto, não os vejo como uma ameaça. Devo estar na minoria, pois no debate público tem-se dedicado bastante atenção à questão de o Chega poder chegar a governo e se os partidos deveriam assumir previamente que não fariam uma coligação com o Chega. Acho essa expectativa anti-democrática por várias razões.

Em Democracia, a solução votada não agradará a todos, logo não é nenhuma avaria que haja idiotas que cheguem ao governo, parafraseando o Pritzker. Depois, o problema não é tanto que as pessoas votem em idiotas, mas que haja pessoas que votam sempre nos mesmos, ou seja, deixam o caminho aberto para um número baixo de pessoas decidirem o resultado--quem muda o voto acaba por ter mais poder do que quem vota sempre nos mesmos. Há ainda a considerar que, em Portugal, o risco da extrema Direita está controlado porque a Esquerda é bastante eficaz como oposição; curiosamente, a Direita portuguesa não sabe fazer oposição. Finalmente, dado o alto nível de abstenção e a ineficácia da República Portuguesa em facilitar o voto, o que em si é anti-democrático, é-o ainda mais ignorar parte da vontade do eleitorado.

Ou seja, se o Chega tiver votos suficientes para ajudar a formar Governo, quero acreditar que a sociedade portuguesa saiba lidar com estes idiotas democraticamente. E até nem me admiraria que o Chega chegasse ao Governo via PS e o os idiotas do PS dissessem que a Geringonça 2.0 era necessária para controlar a Extrema Direita.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Proposta 351

Hoje enviaram-me umas das propostas do Chega para as eleições, a 351 que diz "Combater a zoofilia e fazer um diagnóstico desta prática em Portugal". Não percebi o que poderia haver de errado com a zoofilia, logo fiz uma procura no Google. De repente, só vejo páginas de pornografia dedicada à bestialidade--ah, essa zoofilia! Será mesmo que o Chega está interessado em regular a bestialidade, parece-me tão aleatório, tipo, "então como é que vamos gerar crescimento em Portugal? Obviamente, limitando o sexo com animais."

Não devo ter compreendido bem, pensei para comigo, logo decidi ir ao dicionário da Priberam para ver exactamente o que me escapava na língua portuguesa. Pois, como eu suspeitava, as definições 1 e 2 não me pareceram nada de mal, dizem que se refere ao amor aos animais, ser amigo dos animais, coisa de franciscanos, portanto. Se calhar, é isso, o Chega quer expulsar os devotos de S. Francisco.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

É mesmo querida!

Com uns mesinhos de atraso, finalmente tive o meu check-up médico anual hoje. Dado que já estou acima do meio século, achei por bem levar uma lista de tópicos a discutir como mudanças hormonais, deficiências ou absorção inadequada de nutrientes, vacina de Covid, colonoscopia, ecografia em vez de mamografia por causa do despiste de cancro da mama, teste de diabetes tipo II, etc. No entanto, nada se passa comigo, sinto-me bem, mas as análises estão feitas e os exames encomendados.

Quanto à vacina de Covid, que não tomei no ano passado, ela deixou ao meu critério, mas não acha essencial. A gripe este ano foi mais severa em termos de sintomas do que o Covid, informou-me. Falámos do meu peso, mas a nurse practicioner (gosto muito dela) acha que estou óptima e que o resto de Memphis é que está um horror. Acredito. Quanto às hormonas, sinto mesmo que algo está a mudar porque estou a ficar mais paciente e importo-me menos com as coisas, o que dá jeito.

A última vez que me exaltei, ou talvez tenha perdido a paciência, foi a propósito de um role de queixinhas acerca de Portugal por causa de haver tantos imigrantes. Apetecia-me dar uma estalada ao Ventura porque é uma das fontes das queixinhas. Eu sou emigrante relativamente a Portugal, mas nos EUA sou imigrante, logo não me é difícil imaginar que estão a dizer mal de pessoas como eu -- chama-se empatia. Há também uma enorme hipocrisia, ou chamar-lhe pura estupidez seja mais adequado, porque os portugueses, que são autenticas ervas daninhas migratórias há mais de cinco séculos, não têm autoridade moral para criticar imigrantes ao mesmo tempo que se auto-elogiam como conquistadores e disseminadores da civilização! Pronto, já desci do caixote do sabão...

Daqui a um mês, eu, imigrante e cidadã naturalizada vou votar no meu país de acolhimento, mas como ainda não fui a Washington, D.C., regularizar os documentos portugueses não posso votar nas eleições de Portugal. Agora que Portugal está em eleições e, sabendo-se que a participação no processo democrático está em declínio, pensei que a questão de facilitar o acesso a documentos e o voto emigrante fosse uma das questões mais importantes da plataforma eleitoral de algum partido, mas enganei-me. Ninguém quer saber; nem o MRS, suposto génio, se interessa. Parece-me que o papel de MRS na democracia portuguesa é mais higiénico do que genial: desintegra-se facilmente -- basta juntar água e meter água é o que não falta.

Não sei se é por estarmos a viver a história em vez de a aprendermos de livros, mas há quase um consenso de que a democracia americana já não é o que era e eu até acrescento que se aportuguesou. Quem diria que tanta gente ainda fosse fã Trumpeta e nem vergonha tenha de o assumir? E os fãs de Biden também são censuráveis -- declaração de interesses: eu votei Biden porque na altura era o mais sensato pois ele assumiu-se como um presidente de transição. Biden e Trump já são conhecidos como presidente, o que torna bastante curioso que sejam tão populares, pois se há coisa que os americanos gostam é de mudança. E eu, portuguesa degenerada, mas americana bem formada, vou votar Nikki Haley nas primárias. Mesmo que fosse pró-Biden, votar Biden nas primárias é um desperdício do voto.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

DALL-E e a curva da procura

Pedi uma curva da procura e recebi a imagem abaixo, com a mensagem "The image has been created with a standard economic demand curve that slopes downward from the top left to the bottom right." A imagem, infelizmente, não corresponde à descrição. Não sei se nas categorias de Zvi Mowshowitz estaria em  "Fun With Image Generation", "The Lighter Side" ou "Language Models Don't Offer Mundane Utility". De qualquer modo, as capacidades destes modelos são impressionantes. Possivelmente o problema é eu não dominar "the art of the prompt".

 


sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Eleições hilariantes

Sem dúvida que 2024 nos irá regalar com uma fartura de anedotas eleitorais, tanto aqui como aí. Esta semana que passou é prova disso. No Iowa, o Trump foi o candidato mais votado no caucaso do Partido Republicano, que se realizou na Segunda-feira, feriado federal em que se celebra Martin Luther King, Jr. Terça de manhã, a bolsa no vermelho, e o indice do dólar a apreciar.

Entretanto, também esta semana, calhou apanhar um vídeo do André Ventura que alguém postou no Facebook, no qual ele apontava para uns papeis colados a uma parede e dizia que se o Chega for eleito para governar, iriam terminar os apoios de causas da Esquerda, como o dinheiro gasto em promover a identidade de género, etc. É a mesma campanha que o PS usou em 2015: ia poupar dinheiro cortando gorduras e isso ia gerar crescimento. Para o Chega, as causas da Esquerda são as gorduras da Direita mais à direita, logo merecem ser cativadas. Resta a dúvida se já não o foram pelo PS.

Como não há duas sem três, ontem vi que Pedro Nuno Santos decidiu adoptar o lema do Trump para a sua campanha eleitoral. Votem PS para fazer Portugal "grande outra vez". Se havia alguma dúvida que PNS é outro líder idiota socialista, esta ficou completamente dissipada. Mas vocês sabem que me dá imenso prazer ver o pessoal socialista, que gozava tanto com o Trump e os americanos, adoptar o lema do Trump. Também é engraçado pensar no que considera PNS o período grande de Portugal porque parece que não é o período do governo de António Costa. Talvez seja o de Passos.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Falta de noção

Finalmente, chegou a moda de se designar os empregados das empresas como talento. Agora em vez de se falar em fuga de cérebros fala-se em fuga de talento. E para se encontrar talento devia-se contactar uma empresa de recrutamento, como na América, que é o país que inventa este tipo de coisas. A solução para a fuga de talento é, na opinião de Soledade Carvalho Duarte, que se modifiquem as políticas fiscais e salariais.

Apesar da alta carga fiscal, a decisão de praticar salários baixos é essencialmente das empresas e não me parece que possa ser alterada por decreto. Aliás, o salário mínimo que é alterado por decreto, é relativamente alto quando comparado com o salário médio e não parece ter tido grande efeito no desaceleramento da fuga de talento. Faria sentido haver uma reforma fiscal que simplificasse o sistema, mas é das tais coisas em que o cão ladra mas não morde, pois os portugueses já sabem como manipular a situação e falam, falam, mas não querem mudança. Afinal o PS governa desde 2015 e mesmo que nas próximas eleições ganhe outro partido, é quase certo que só dura um mandato, se isso.

De qualquer das formas, o poder político reage às modas e, antes do PM Costa se demitir, o PS falou em devolver um ano de propinas, que representa 697 euros por ano, por cada ano que um licenciado trabalhasse em Portugal. Em princípio esta política não devia ter efeito prático porque facilmente se consegue um salário mais alto no estrangeiro que cubra este valor, que afinal representa 58 euros por mês. E quem não consegue um salário melhor no estrangeiro não ia emigrar de qualquer forma, logo não faz sentido o estado pagar a quem não ia emigrar. E se vai pagar a alguém, não é socialmente justo pagar aos licenciados a quem já pagou a maior parte da licenciatura--é que as propinas não representam o custo total da educação recebida.

No essencial, não há qualquer noção de como tirar o país do percurso não sustentável em que segue; mas retornando à questão de recrutar talento, há uns largos anos calhou um "head hunter" recrutar-me para um emprego. Como ele estava em início de actividade foi bastante transparente comigo e disse-me que a empresa lhe tinha pagado $40 mil por me ter encontrado. Duvido que haja uma única empresa em Portugal que consiga pagar este tipo de dinheiro só para encontrar um empregado, ou seja, Portugal não oferece qualquer competição na retenção de talento face ao estrangeiro.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

O castigado

No dia de Ano Novo, uma amiga minha convidou-me para ir a casa dela fazer-lhe sopa e ajudá-la com um puzzle muito difícil que ela tinha recebido do marido. Não me estava a apetecer sair de casa, mas lá fui e passei pela loja para comprar os ingredientes. Enquanto descascava a batata doce, ela recebe um telefonema e lá explica a quem estava do outro lado da linha que eu era de Portugal e lhe estava a fazer sopa.

A parte que suscita mais espanto é a utilização da varinha mágica--ela tem uma varinha mágica porque há mais de 10 anos quando estava doente, fui lá a casa e fiz-lhe sopa, mas levei a minha panela, a varinha mágica, e as minhas facas porque não sabia como a casa dela estava equipada. Depois disso ela comprou uma varinha mágica, que só eu uso porque ela tem medo de a usar.

Quando desligou o telefone, exlicou-me que estava a falar com um rapaz que estava na prisão. Quando ela me disse que ele era CFO, presumi que o crime tivesse a ver com dinheiro, mas não. Ele concordou ser condenado a 5 anos de prisão, sem possibilidade de sair antes do termo, por ter enviado pornografia que encontrou na Internet a um jovem de 17 anos. É considerado agora um predador sexual; antes de ser libertado, tem de dar a sua identificação à polícia da zona onde vai residir, não pode votar para o resto da vida, nem pode viver perto de escolas ou de sítios onde haja crianças, como parques e jardins infantis. Ou seja, estragou completamente a sua vida.

Sugeri que ela lhe dissesse para ele emigrar para a Europa depois de sair da prisão. E se for para Portugal, decerto que algum representante da Igreja Católica lhe dará a benção.