segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A eterna solteira?

"Centeno recusa o falhanço do modelo de crescimento económico do Governo, explicando a questão sobretudo com a quebra da confiança e com a economia externa, muito abaixo do esperado aquando do Orçamento anterior."

Fonte: Jornal de Negócios

Este governo chegou ao poder em 2015, teve o pseudo-apoio, na altura, de mais de 50% dos eleitores votantes e Mário Centeno conclui que a quebra no crescimento deve-se à falta de confiança. Nesse caso, explique-se como é que o PSD/CDS, que só mereceu a confiança de 36,87% dos eleitores votantes, conseguiu os resultados de 2015. Não tem lógica!

Quanto à economia externa, nada do que aconteceu em 2016 foi imprevisível: o preço do petróleo já estava a baixar e era mais do que óbvio de que Angola estava em apuros. Se as projecções anteriores tinham pressupostos irrealistas, isso foi escolha de quem fez as previsões; não foi culpa da realidade.

Ao fim de quase um ano no governo, Mário Centeno conclui que "Vamos ter de viver numa restrição orçamental muito bem definida". O que é que isto significa? A restrição não é nova, já existia antes, logo por que razão vem agora à baila?

Reduzir a carga semanal dos funcionários públicos irá custar €25 milhões, ou seja, €2,4 por casa português (adultos e crianças). Mas não nos disseram que não iria custar nada, que os funcionários públicos até iam ser mais produtivos, que isto pagava-se a si próprio, etc.? Mas o mais engraçado será ter funcionários a trabalhar menos horas por semana ao mesmo tempo que o número de funcionários públicos é reduzido com a regra 2 por 1. Sugiro a criação de um Observatório para ver como isto vai funcionar. É desta que o processo de José Sócrates prescreve de vez...

A regra 2 por 1 que, supostamente, irá poupar €127 milhões ao estado está a fazer-me espécie. Por cada dois funcionários públicos que saem, entra apenas um. Quando os funcionários públicos saem, para onde vão? Eu vou apostar que irão reformar-se, logo aparecem noutro sítio da despesa, pois quem lhes vai pagar a reforma é o estado. Ou seja, não há poupança nenhuma líquida na despesa, a não ser que o governo mate dois reformados por cada funcionário público que contrata. O que pode haver é uma desaceleração do crescimento dos encargos.

Para o ano, quando as contas derem mal outra vez, a culpa certamente não será de quem governa. Mas talvez não acabe solteira, talvez seja nossa porque não confiamos cegamente em números mal cozinhados...


* Se querem um conselho, caros governantes, certifiquem-se que os novos funcionário públicos contratados são pessoas muito jovens, para desacelerarem o aumento da despesa. Tem várias vantagens: os jovens demoram mais tempo a reformar-se; ficam doentes menos frequentemente; se tiverem um emprego, não vão andar de borla pelo Inter-Rail, logo terão menos tentação de emigrar; dentro da função pública, a probabilidade de desemprego é menor, logo o jovem acaba por ter menos episódios de desemprego e maior tempo de contribuições à Segurança Social; com um emprego estável e alguma previsibilidade de emprego, as mulheres terão melhores condições para ter filhos, o que ajuda a natalidade; os mais jovens têm mais experiência com computadores e Internet, logo precisarão de menos treino para implementar as regras do Simplex (i.e., quando enviamos um email a pedir ajuda à Autoridade Tributária, somos capazes de não receber a resposta "Dirija-se à sua Repartição de Finanças mais próxima e fale com o colega."), etc.

8 comentários:

  1. "Ou seja, não há poupança nenhuma líquida na despesa, a não ser que o governo mate dois reformados por cada funcionário público que contrata."

    Os seres humanos (tal como quase todos os animais, talvez com a excepção de alguns bichinhos parecidos com alforrecas) têm uma tendência natural a morrer, pelo que, a prazo, a quantidade de funcionários públicos que se reformam por ano tenderá a ser similar com a quantidade de ex-funcionários públicos que falecem por ano (mais exatamente, seria igual se a pirâmide etária dos funcionários e ex-funcionários fosse um rectângulo - realmente se for uma pirâmide tenderão a reformar-se mais dos que morrem, mas a prazo a regra "saiem dois, entra um" irá transformá-la numa pirâmide invertida, pelo que daqui a uns quarenta anos - se a regra se mantiver até lá - até provavelmente irão morrer, por ano, mais FP/ex-FPs dos que se irão reformar).

    Pondo as coisas de uma maneira mais simples - a opinião da Rita, de que "[o] que pode haver é uma desaceleração do crescimento dos encargos" só fará sentido se admitirmos que, por ano, reformam-se mais funcionários públicos do que o dobro do número de reformados que falecem.

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    1. Demograficamente, os funcionários públicos têm uma esperança de vida média superior aos reformados em geral e passam mais tempo na reforma porque também se reformam mais cedo. Ou seja, a dinâmica desta medida não conduz à poupança dos encargos do estado.

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    2. Não acho que a esperança média de vida dos reformados da função pública seja muito relevante - o que é relevante será a forma da pirâmide etária dos reformados.

      Explicando o meu raciocínio - vamos supor que os reformados da função pública viviam em média até aos 400 anos, e que as idades entre funcionários públicos e reformados estavam distribuidas de modo uniforme, de forma que a quantidade de funcionários públicos que se iam reformar, talvez com 65 anos, seria similar à quantidade de FPs perto dos 400 anos e portanto quase a morrer - mesmo com uma esperança de vida altíssima, a quantidade de reformados a morrer seria aproximada à quantidade de funcionários a reformarem-se, de forma que efetivamente se estava a cumprir a regra "sai dois, entra um".

      A Rita parece estar em pensar em termos de um modelo em que ainda não existissem reformados da função pública, e em que portanto o que interessaria seria quanto tempo vão viver os que se vão reformar agora.

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    3. Começaste logo com uma contradição: a pirâmide etária dos reformados da função pública depende da esperança média de vida dos mesmos, pois essa determina a cauda da pirâmide e até a altura das diferentes faixas. Se todos morressem aos 65 anos terias uma pirâmide completamente diferente se morressem aos 75 ou 80. Logo, a esperança média de vida é muito relevante.

      Tens de comparar quantos saem e quantos entram e quanto tempo irão ficar dependentes do estado porque cada reformado tem um stock limitado de contribuições para serem pagas como reforma. Apesar de teoricamente tu não teres pagamentos que correspondam a contribuições, na prática, um modelo em que tu pagas mais do que o que recebes entra em ruptura eventualmente.

      Na Caixa Geral de Aposentações ainda tens a possibilidade de reformas antecipadas, mas está a tender para o modelo da SS; nos funcionários públicos que estão dentro da SS, podem começar a reformar-se aos 55, se tiverem 30 anos de carreira contributiva.

      Repara que parte da carreira contributiva foi feita em escudos, uma moeda fraca, com salários baixos, e uma pessoa com 55 anos facilmente vive 20 ou mais anos, mas irão receber a reforma em euros, uma moeda forte. Acho ser óbvio que a dinâmica do processo para as contas públicas não é sustentável, até porque o número de pessoas a entrar na força de trabalho está a diminuir por causa da redução da natalidade e da emigração. Mas isso seria fácil de se ver tendo os dados e fazendo uma simulação.

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    4. O argumento do Miguel mantém-se. Se por cada 2 funcionários públicos que vão para a reforma apenas entra 1, e dado que em média por cada funcionário que entra na reforma há um que sai da reforma (e vai para a cova), a despesa tem tendência a descer.

      PS Esquece as pensões antecipadas. Neste momento as penalizações são tão elevadas que o número dos que recorrem a isso é insignificante.

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    5. Claro que o Governo podia ter definido uma política diferente. Tipo, por cada dois funcionários públicos que morrem (estejam eles no activo ou reformados), apenas é contratado um. O resultado final seria semelhante, mas, convenhamos, a coisa ficava um pouco macabra.

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    6. Não estou convencida de que a probabilidade de isto resultar em poupanças líquidas para o estado seja 100%. Acho que pode desacelerar a despesa se for bem gerido. A morte de um reformado não cessa a despesa para o estado, pois ainda há os encargos com os sobreviventes, se eles tiverem direito a pensão. Também gostaria de saber se quem morre tem, em média, uma pensão equivalente a quem acaba de se reformar.

      A forma como os cortes nas contratações irão ser efectuados também é determinante, pois se não houver pessoal suficiente, isto irá traduzir-se em horas extraordinárias para os funcionários que restam ou em atrasos no serviço que se repercutirão no funcionamento da economia.

      Ou seja, acho que o resultado final no orçamento é, neste momento, indeterminado e dependerá de como a política for implementada.

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  2. Rita: "Começaste logo com uma contradição: a pirâmide etária dos reformados da função pública depende da esperança média de vida dos mesmos, pois essa determina a cauda da pirâmide e até a altura das diferentes faixas."

    Ok, eu queria dizer o ângulo do vértice da pirâmide (que depende mais da maneira como as contratações para a FP evoluíram ao longo das décadas passadas do que de outra coisa qualquer).

    LA-C: "mas, convenhamos, a coisa ficava um pouco macabra."

    Além de que era mais complicado de gerir a nível de serviços individuais - penso que é muito mais simples de aplicar uma regra "no serviço X só se pode contratar um funcionário por cada dois que se reformem" do que uma regra "no serviço X só se pode contratar um funcionária pelo falecimento de cada dois reformados cujo ultimo local de trabalho tenha sido o serviço X ou um dos serviços extintos que deram origem ao serviço X" (estou a dizer isto mas nem sei se essa regra é para se aplicar serviço a serviço)

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