segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Colômbia em Londres

Um dos insubstituíveis privilégios de viver em Londres é o de poder falar com gente que nos faz um relato apaixonado sobre o que se passa nos países de onde vêm. Não digo que substituía ler a imprensa - não digo, mas a verdade é que não tinha, até almoçar hoje com um colega colombiano, lido nada sobre o referendo na Colômbia, que fosse além das gordas dos jornais online. Fiquei com a impressão, baseada, novamente, nas gordas, de que se tratava de um referendo sobre a paz com as FARC, mas parece não ser assim. O que se referendou foi os termos de um acordo, proposto pelas FARC ao governo central, em que, entre outras coisas, os membros da primeira receberiam um perdão, parcial ou completo, dependendo das circunstâncias, se confessassem os seus crimes. Estes termos foram propostos, em boa medida, como corolário da deterioração da economia da droga que financia as FARC. Do lado da oferta, a Colômbia não resistiu, por um lado, à redução nos preços internacionais causada pela produção massiva no Afeganistão, e, por outro, à falta de um mecanismo efetivo de distribuição para os EUA, o principal mercado, que pudesse rivalizar com o do México; do lado da procura, aparentemente drogas como o crystal meth, que podem ser produzidas internamente, estão a tornar-se mais populares nos EUA do que a cocaína e a heroína, as staple crops das FARC. Como poderão ter adivinhado, o meu colega é economista. Bom, trocado por miúdos, os guerrilheiros das FARC querem sair da selva e arranjar sustento nas cidades, e, para isso, precisam de uma amnistia. 

O que mais achei curioso na descrição do meu colega foi o paralelo que ele ensaiou entre as campanhas para o referendo na Colômbia e outro referendo recente. 

Aparentemente, a grande figura do lado dos que se opunham aos termos do acordo - o anterior presidente - é um político que ganhou notoriedade praticamente com base num tema em exclusivo, o da luta contra as FARC. Por sua vez, a campanha deste ex-presidente foi feita com base no argumento de que seria possível, com a rejeição do acordo, a assinatura de um outro, melhor (mais punitivo para a FARC), sem que isso resultasse em guerra - a ideia subjacente era a de que "eles" precisam mais de nós do que nós deles, e por isso vão ceder. 

Além disso, havia uma assimetria insuperável entre o conhecimento detalhado do que significaria um "sim" no referendo, e o conhecimento, nulo, do que significaria o "não". O "não" resultaria no retomar das negociações, que podiam resultar em guerra, ou em termos melhores para o acordo com as FARC, ou no mesmo sítio de onde se partiu para o referendo,  

Por fim, parece haver uma assimetria regional entre Bogotá e a Colômbia rural. Bogotá aparentemente estaria disposta a aceitar os termos do acordo, apesar de ser o sítio onde, provavelmente, iriam viver os guerrilheiros das FARC; o mundo rural estaria mais do lado do "não". 

Continuo sem ter lido nenhum artigo sobre o tema, mas acho que a descrição que o meu colega me fez tem muito interesse em si mesma. O que está longe nem sempre é tão diferente como parece do que está perto. Ou isso, ou estamos enviesados e vemos tudo sob o nosso prisma. 

16 comentários:

  1. Ah! Finalmente, algo do qual eu gosto muito: os estrangeiros. No outro dia encontrei um rapaz do Yemen no Starbucks com quem tive uma conversa muito interessante...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O que é que costumas beber no Starbucks? A minha cena lá é tão, tão má. O frappuccino com caramelo e natas no topo. Que javardeira, mas sou viciado naquilo. Mas pronto, isto de falarmos no Starbucks só vai reforçar o epíteto do Alexandre de que sou (somos?) metro-liberais.

      Eliminar
    2. Sim, reforça, claro, mas eu aprecio o Starbucks, embora prefira as old ale houses onde os rústicos discutem o referendo na Colômbia.

      Eliminar
    3. Quando vou ao Starbucks peço: "a tall Americano for here". Get your mind out of the gutter: é um espresso numa caneca com água quente. O espresso deles é tão mau que, para eu tomar aquilo, tem de ser mesmo diluído e eu bebo sem açúcar ou leite. E peço sempre "for here" para não fazer lixo, pois assim servem numa chávena de cerâmica. Assim reforça essa história de ser liberal: sou uma "tree-hugger"...

      Eliminar
    4. Que engraçado. Então o vosso "eat in" é "for here". O novo mundo é muito curioso nos seus hábitos de linguagem.

      Eliminar
    5. E é claro que sei o que é um Americano. Cá chama-se Americano.

      Eliminar
    6. Nós usamos "for here" porque para levar para fora é "to go". Eles perguntam "To go?" ou "For here or to go?"

      Eliminar
    7. Eu percebi. Estava a dizer-te que, aqui, o teu "for here" é "eat in" -- e o "to go" é "take away".

      Eliminar
  2. É uma maçada: os rústicos de Shropshire, dos Cottswolds e de Cumbria preferem continuar a guerra civil com os rapazes das FARC. Nós, os bem-pensantes metro-liberais é que sabemos, mas a massa ígnara recusa ouvir-nos. O melhor é mesmo emigrarmos para a Venezuela, ali mesmo ao lado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Desde que ninguém fique convencido que é possível ter o bolo e comê-lo, está tudo bem para mim.

      Eliminar
    2. Em português diz-se "querer sol na eira e chuva no nabal", se me permites o pedantismo. Mas há vários tipos de bolo. Aliás, a Inglaterra é especialista em bolos, desde os vários cheesecakes, às apple pies, ao fruitcake (conhecido em Portugal por "bolo inglês"). Uns comem-se, outros ficam em exposição.

      Eliminar
    3. Ahah. Fruitcake em exposição. Vês? Eu gosto do teu sentido de humor. Mas, em relação à pastelaria, e sem metáforas, é coisa onde Portugal só tem de sentir orgulho. A pastelaria inglesa não me diz nada, e não diz nada em geral, face à portuguesa.

      Eliminar
    4. Também sem metáforas, os pastéis portugueses são, sem dúvida, bem melhores que os ingleses. Mas eu falava mesmo de bolos: aí, os ingleses são imbatíveis. Por alguma razão se faz em Portugal cheesecake e bolo inglês.

      Eliminar
    5. Mesmo em relação aos bolos, tenho de discordar. O Victoria Sponge é anódino, o cheesecake também é um bocado bland, o bolo inglês gosto mas prefiro o bolo rei. A cozinha em geral é mesmo daquelas coisas de que os portugueses se podem mesmo orgulhar.

      Eliminar
    6. Para o caso de alguém ler esta sucessão de comentários e não perceber, fruitcake, além de um bolo com frutos, é inglês para lelé da cuca.

      Eliminar
  3. Luís: nem de propósito! Uma selecção outonal de bolos ingleses, oferecida pela BBC:

    http://www.bbcgoodfood.com/recipes/collection/autumn-cake

    Bom proveito! :-)

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.