segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O debate e os cientistas sociais

Como political junkies que somos, no Departamento de Ciência Política aqui em Harvard, decidimos projectar o debate numa sala no próprio departamento, com comida e bebida, à semelhança do que já havíamos feito no primeiro debate.  É muito animado porque as pessoas reagem extrovertidamente ao que vai sendo dito, e porque respondem ao que os candidatos vão dizendo com os factos e o conhecimento de que dispõem. No entanto, o Massachusetts é um dos estados mais liberais da união e a academia nos EUA é tendencialmente liberal. Como podem imaginar, portanto, toda a gente torce pela Hillary. Não conheço nenhum apoiante do Trump. Aliás, desde que cheguei a Cambridge/Boston, ainda não conheci ninguém de direita. Esta divisão nos EUA – entre democratas e republicanos, ricos e pobres, educados e não educados, cultura e anti-cultura, costas e interior, norte e sul, homens brancos e todos os outros - é, arrisco dizer, cada vez mais pronunciada. Ambos os lados da barricada simplesmente não contactam e, por isso, não conseguem perceber o outro lado. E isso, é bom termos consciência, torna-nos piores cientistas sociais.

Decidimos, apesar de tudo e do nosso enviesamento, fazer uma espécie de previsão sobre o que seria dito no debate. Assim, desenhámos e preenchemos um quadro de Bingo com coisas que achávamos que iam acontecer e ser mencionadas. Os cientistas sociais são conhecidos por falharem as suas previsões (embora aí, e peço desculpa a quase todos os meus companheiros de blogue, os economistas são os mais responsáveis pela nossa má reputação colectiva). Portanto, como nos demos? O que acertámos e o que falhámos?

Ora bem, este é o resultado final:

Acertámos: Paula Jones, Bill Clinton, audience questioner cites kids, secret plan to fight ISIS, Trump tax returns, deplorables, temperament, Vladimir Putin, Clinton praises republicans, Trump attacks republicans, State Department emails, someone makes a felony accusation, NAFTA, “as a father”, “as a grandmother”, political correctness, “actions not words”

Falhámos: Monica Lewinsky, mainstream media, Breitbart, "let me finish",“rigged”, Trump’s Hofstra microphone, someone gets bleeped, bait with a tweet. 


   
Acabámos por acertar 17 em 25. 68%. Não está mau de todo. Desafio os economistas a fazerem melhor!

Então, e quem ganhou o debate? À hora a que me deito, ainda não é claro. Como não é claro? Regra geral, é difícil dizer quem ganhou um debate apenas com base no debate propriamente dito. Os democratas tendem a achar que foram os democratas, os republicanos que foram os republicanos. Cada um foca-se no que quer, cada um racionaliza as vantagens e as desvantagens do que foi dito. Eu reconheço momentos bons e maus em ambos os candidatos, mas não vou fingir que sou objectiva e que estou acima da paixão e da emoção. Então e os indecisos, quem ganhou para eles? Bem, há um mito à volta dos indecisos. A ideia que as eleições presidenciais norte-americanas se ganham a conquistar eleitores indecisos é uma espécie de lenda urbana. Primeiro, não há assim tantos eleitores verdadeiramente indecisos entre os dois candidatos – o que há são pessoas que estão indecisas entre votarem num deles ou ficarem em casa. E isso não é indecisão: é mobilização. As eleições não se ganham a mudar as ideias de pessoas que não sabem em quem votar, ganham-se a mobilizar e entusiasmar aqueles que naturalmente já estão mais inclinados em votar em nós. Essa sim é a dificuldade: para Clinton, mobilizar os eleitores de esquerda e convencê-los a irem votar numa candidata que não os entusiasma; para Trump, convencer os eleitores de direita a votar em alguém que é tão diferente dos valores e posições conservadoras, e que, provavelmente, consideram muito pouco recomendável como ser humano. Segundo, entre os eleitores realmente indecisos entre os dois candidatos, o que os dados de eleições anteriores nos ensinam, é que, no final, cerca de metade acaba por ficar em casa, e a outra metade se reparte mais ou menos de forma igual pelos dois candidatos. Acima de tudo, o mais provável é não serem os indecisos a decidirem a eleição. 
 
Então isto significa que o debate é insignificante? Eu não acho. Eu acho os debates bastante importantes, a par de outros grandes momentos que vão acontecendo na campanha. Os debates são importantes não pelos assuntos e propostas políticas que se discutem durante o debate, mas pelo spinning do pós-debate, e pelo momentum e atmosfera geral que o debate engendra. Os debates ajudam a formar ou a dissolver um clima de entusiasmo ou repulsa activos em relação aos candidatos. Isto é, os debates ajudam a mobilizar ou desmobilizar eleitores. Claro que muitas outras coisas também influenciam esta atmosfera geral em torno de cada candidato, mas os debates são, sem dúvida, uma delas. Vamos ver o que acontece. Para já, parece claro que Trump conseguiu ultrapassar um dos momentos mais baixos da sua campanha (o vídeo que apareceu com os seus comentários misóginos) e, com isso, apagar um pouco a atmosfera muito negativa que teve contra eles nas últimas 48 horas. Mas o momentum é um bicho estranho e imprevisível, dependente de coisas que ainda não sabemos que vão acontecer, e portanto é difícil prever como vai evoluir e quem vai sair por cima nos próximos dias.

1 comentário:

  1. Eis o que mais me interessou neste texto, em que acabou por começar a responder à questão formulada no seu artigo anterior
    «(...)
    divisão nos EUA – entre democratas e republicanos, ricos e pobres, educados e não educados, cultura e anti-cultura, costas e interior, norte e sul, homens brancos e todos os outros - é, arrisco dizer, cada vez mais pronunciada. Ambos os lados da barricada simplesmente não contactam e, por isso, não conseguem perceber o outro lado.
    (...)»
    Pois... Salvo uma grande excepção pontual, e algo incoerente, plasmada no "Obamacare", "os americanos" têm sido incompetentes no "design" das suas instituições, desde os anos 90 e é um caso de ignorância quase generalizada.

    Experimente ver, por exemplo, a evolução do poder de compra dos "brancos" e da mortalidade dos "não hispânicos"...

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