sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ainda os exames

Embora tivesse vontade, não comentei posts recentes que versaram sobre a decisão de terminar com os exames do 4º ano. Decidi esperar um pouco e escrever sobre o tema. Sendo porventura o mais velho (ou dos mais velhos…) colaborador deste blog, conheci a via-sacra de todos os exames nacionais, desde a 3ª classe (excepto o da admissão às escolas comerciais e industriais), incluindo os exigidos para a obtenção do título de professor do ensino liceal e, depois, os necessários para uma carreira académica; e acrescentei-lhes muitos outros, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Sobrevivi, como se vê. Isso não me leva porém a que considere hoje os exames como a melhor arma contra o que se chama facilitismo e muito menos que sirvam para “endurecer” a capacidade de resposta das crianças à dureza da vida competitiva que as espera.

Antes de continuar, devo desde já dizer que considero extemporânea a medida aprovada, não porque não concorde com ela mas porque deveria ser integrada num conjunto mais vasto de alterações que deviam ser discutidas visando uma outra política educativa que bem precisa é.

Por dever de ofício tive ao longo da vida de reflectir sobre o papel e importância dos exames. E o que me ocorre em primeiro lugar é que em muitas ocasiões eles são necessários e, portanto, se justificam. Seguidamente, direi que os exames não são um fim em si, mas um meio de prova. Como tal, podem revestir aspectos diferentes conforme o que se pretende provar.

Pondo de parte qualquer análise histórica, a existência de exames em educação terá começado a ser combatida logo que a evolução consistente da psicologia e da sociologia contribuíram para dar suporte ao conjunto de conhecimentos que hoje constitui a(s) ciência(s) da educação. Nos Estados Unidos Dewey esteve numa primeira linha, tal como na Europa Claparède. No fundo, estimava-se que os exames constituíam um corpo estranho na lógica de uma educação que se pretendia livre e integral. Fez-se depois o caminho para formas alternativas dos exames, e em meados do século XX surgiu o termo avaliação, que prevalece hoje, genericamente; o exame é apenas mais uma técnica de avaliação. O conceito de avaliação contínua revela uma lógica diferente do exame (acto isolado, num dado momento): os resultados da aprendizagem dos alunos são monitorizados ao longo do seu percurso escolar, num processo natural que tem como principal fim ajudar quem aprende e não provar que “sabe” aquilo que aprendeu.

Se nos lembrarmos do modo como aprendemos a ler, a escrever, a fazer contas (a trindade clássica da velha instrução primária) certamente recordaremos como havia interacção entre nós e o nosso professor (ou professora[CF1] [CF2] ). Nos primeiros anos de escolaridade, com professor único, sempre prevaleceu (mesmo quando não se falava dela) a avaliação contínua. O exame surgia assim como um meio de prova desnecessário, que parecia radicar numa desconfiança da capacidade do professor.

É o exame, a esse nível, ameaçador, causador de stress, para as crianças? Para a maior parte, sem dúvida. Para elas e para os pais… Mas independentemente disso, os exames do 4º ano originam um chamado efeito perverso, bem conhecido: a generalizada tendência dos professores para “ensinarem para os exames”, para treinarem os alunos para a prova. Semanas a fio, tudo na sala de aula gira à volta do futuro exame, desvirtuando uma verdadeira situação educativa. Português, Matemática – muito bem; as restantes áreas curriculares são praticamente esquecidas.

Ora já há alguns anos o Ministério da Educação havia introduzido, no calendário escolar, as chamadas provas de aferição, que no fundo são semelhantes aos exames mas não têm consequências para a classificação do aluno, fornecendo contudo elementos interessantes sobre a aprendizagem. A realização dessas provas não implicava grandes perturbações na vida das escolas e, para as crianças, não revestiam o mesmo grau de preocupação que, inevitavelmente, o exame acarreta, porque se inseriam (ou deviam inserir) na actividade normal da sala de aula.

Resta referir a ideia de que os exames seriam uma boa preparação para a vida – ou seja, que é salutar que os alunos convivam com dificuldades, porque no futuro elas existirão. Admito que sim, mas aos 9, 10 anos? Nessa idade a criança gosta de brincar! No final do século XIX um psicólogo alemão, Karl Groos, defendeu mesmo uma teoria segundo o qual o jogo da criança funcionava como preparação para a vida. Dizia mesmo que pedir a uma criança que “trabalhasse” na escola era como expô-la a trabalhos forçados. Não indo tão longe, reflictamos um pouco sobre a ideia.

Por estas razões estou completamente de acordo em que não existam exames ao nível do ensino básico (ou seja, não só no 4º mas também no 6º).  Mas repito: não concordo que esta medida isolada (até porque ela está vertida no programa do PS num contexto diferente e aceitável) tenha sido tomada agora.






3 comentários:

  1. A crítica exposta no post é mais uma nas recorrente ao funcionamento do MNE, e por aquilo que se designam políticas da educação em Portugal, sendo que concordo com o Cândido no essencial.

    Tal como a introdução do exame do 4º ano não teve uma discussão séria, quanto à sua necessidade, também a sua abolição sofre do mesmo erro.
    A introdução do exame, por substituição das provas de aferição, radica na desconfiança permanente do monstro que é o MNE face às escolas, aos professores e a uma relativa autonomia para lá da burocracia do sistema central.
    Assim ao sistematizar tudo, desde os tempos lectivos, as metas, as pedagogias, os livros, etc... o MNE, e diga-se com apoio da Fenprof, conseguiu finalmente transformar (pelo menos no papel) as escolas e os professores em funcionários que aplicam um portfólio de mesinhas desenhadas por burocratas.
    Alguns resistiram (felizmente), outros sairam.

    Concordo com o articulado, não fazendo sentido a existênca de exames no 4º ano.
    Especialmente porque este exame não se destina a validação de conhecimentos, mas surge com o objectivo de executar a avaliação de elementos externos ao aluno: destina-se especialmente a tentar avaliar as escolas e os professores segundo uma tentativa de uniformização.
    Avaliação esta que tem obrigatoriamente de existir, mesmo que contra os sindicatos e teorias de bondade expressas na delicodoce filosofia "como se avalia um professor, que tem tantas dimensões?" ou "as escolas são todas diferentes".

    Concordo ainda da necessidade de avaliação dos alunos, especialmente estes, no final de cada ciclo de forma a serem detectadas possíveis falhas - a serem corrigidas de imediato.
    Até porque no caso de alunos com incapacidade de transitar no final do 4º ano apenas demonstram que existiram falhas nos anos anteriores.
    Estas falhas poderão ser múltiplas e tiveram (deveriam) necessariamente de ser avalidas ao longo dos 4 anos: na familia, a escola, o professor(a) ou a criança.

    Politicamente uma observação, a abolição do exame foi feita no parlamento sem que o Min. da Educação tenha dito uma palavra sobre o assunto, o que demonstra bem o poder politico deste neste governo.
    Mantenho o receio de que tal como Cavaco Silva disse um dia que os Secretários de Estado eram os ajudantes dos Ministros, se passe agora para o facto de os Ministros serem os ajudantes do parlamento.

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  2. Uma defesa lúcida do fim dos exames do 4º e 6º, anos e não as parvoíces habituais dos semianalfabetos.

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  3. Do texto poderia inferir-se que os exames do quarto ano constituem a única forma de avaliação dos alunos e que assim se eliminaria a avaliação contínua e todas as restantes áreas de avaliação de um percurso escolar normal. Ora, isto não é assim. A prova conta apenas 30% para a nota final, um valor que me parece equilibrado.
    A minha experiência como pai e como ex-aluno diz-me que o stress existe antes de cada teste e antes de cada momento de avaliação, pelo que é absolutamente natural que um exame final cause algum stress nas crianças.
    A diversidade social e de nível cultural das famílias num país como Portugal aconselha a que se permita uma ampla margem na estratégia de ensino, necessariamente para chegar aos mesmos resultados e assegurar que todas as crianças chegam ao final de cada ano, tanto quanto possível, em igualdade de circusntâncias. Para implementar um sistema destes é imprescindível ter uma avaliação normalizada aplicável a todos os estudentes - ou eu, pelo menos, não consigo ver outra forma de comparar conhecimentos.
    Os exames são só uma parte disto, claro, mas uma parte essencial.
    A comparação entre os exames de aferição e os exames avaliativos, em termos de estratégia de ensino (ensinar para os exames) não são muito distintas, já que nos exames de aferição, como nos exames avaliativos, também são os professores que estão a ser avaliados.

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